FOTOGALERIA: Na Ermida de Guadalupe, numa viagem do Infante aos transgénicos

O Infante D. Henrique foi a figura tutelar da última performance «Cozinhando na Paisagem» deste ano de 2015, que ontem, […]

Cozinhando na Paisagem da Ermida de Guadalupe
Cozinhando na Paisagem da Ermida de Guadalupe

O Infante D. Henrique foi a figura tutelar da última performance «Cozinhando na Paisagem» deste ano de 2015, que ontem, numa tarde de domingo a ameaçar chuva, levou mais de 80 pessoas à secular Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe, perto da Raposeira e de Vila do Bispo.

E o Infante porquê? Porque ele terá rezado nesta capelinha que hoje se situa à beira da estrada EN125, como antes se situava ao lado do caminho dos peregrinos até ao Cabo de S. Vicente.

Porque a tarde ameaçava chuva – e alguns pingos caíram mesmo quando se fazia a visita comentada ao monumento, guiada por Manuel Castelo Ramos -, a parte principal deste «Cozinhando na Paisagem» teve lugar dentro da pequena ermida, sob os seus arcos ogivais de um gótico tardio do século XV.

Aí, o comando foi do artista visual e cozinheiro Jorge Rocha, que teve como ajudantes o arqueólogo Rui Parreira e Manuel Castelo Ramos. A bem da verdade, este último, que se confessou pouco habituado às lides da cozinha – coisa em que toda a gente reparou logo de início, quando tentou, sem sucesso, por o avental, tendo de ser ajudado na tarefa pela arqueóloga Elena Morán – pouca ajuda deu, a não ser ir provando a comida que entretanto se fez, entre histórias da História, enchendo de olorosos cheiros a nave única da capela.

E porque esta iniciativa «não é, nem pretende ser, uma recriação histórica», o que se cozinhou naquela paisagem, com o pórtico da ermida aberto sobre o caminho, não foi exatamente o que se comeria no tempo do Infante, no século XV, até porque, como explicou Jorge Rocha, «nenhuma das pessoas aqui presentes iria gostar muito dessa comida».

Mas partiu-se da história, dos produtos do Norte de África, onde o Infante levou pela primeira vez a gesta portuguesa, dos que as viagens dos Descobrimentos trouxeram para a Europa e dos que por aqui já havia, para fazer uma ementa que incluiu sopa de tomate com croutons de azeite e alho, frango com amendoim, tagine de frango e marmelo, cachupa pobre e salada de bulgur com abacate e hortelã.

Enquanto Jorge Rocha cozinhava e explicava o que ia fazendo, bem como a origem, próxima e remota, de alguns dos alimentos que ia utilizando, Rui Parreira e Manuel Castelo Ramos iam contextualizando, falando do que se comia há seis séculos, do que os navegadores portugueses levavam nas caravelas, no que trouxeram das terras de além mar, tudo isso salpicado com episódios da História, em que se invocaram personagens como o inevitável Infante D. Henrique, mas também D. Afonso V, D. Beatriz, sua filha, uma das mulheres mais poderosas e pouco estudadas da História de Portugal e da Europa, o veneziano Ca’damosto.

E, no meio de toda esta viagem ao passado e às marcas que deixou no nosso viver atual, falou-se de…transgénicos. E aí o debate de ideias, envolvendo os três cozinheiros de serviço e o público, subiu ao rubro. Mas, no fim, os espíritos serenaram, quando Jorge Rocha, o artista, performer e cozinheiro de serviço, assegurou que nada do que se estava a cozinhar ali era transgénico, sendo até a maioria dos produtos agrícolas biológicos, da Quinta das Seis Marias, em Lagos.

No fim, depois de os cheiros lançados pelas várias panelas ao lume terem despertado os apetites das oito dezenas de pessoas que participaram nesta iniciativa, foi a vez de partilhar a comida. E todos teceram elogios a estes cozinhados, que tiveram a paisagem da Ermida de Nossa Senhora da Guadalupe como pano de fundo. «Só faltava apurar um pouquinho mais, mas está uma delícia», dizia uma senhora, com um pratinho de cachupa na mão.

No fim, Jorge Rocha confessava-se cansado, mas feliz. Ontem chegou ao fim mais uma série – a terceira, já que a iniciativa começou em 2013 – deste «Cozinhando na Paisagem», que este ano o levou, com os seus convidados, à Fortaleza de Sagres, Castelo de Tavira, Abrigo Paleolítico de Vale de Boi (Vila do Bispo), Castelo de Salir (Loulé), Monte Molião (Lagos), Mosteiro de Santa Maria de Flor de Rosa (Crato), Mercados de Olhão e finalmente à Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe (Vila do Bispo).

Mas a iniciativa não se fica pelo espetáculo gastronómico, em formato de talk show, que costuma ser transmitido em direto pela internet (ontem não foi, porque as grossas paredes de pedra da ermida perturbavam o sinal). Tudo o que é feito é registado em vídeo e em fotografia.

A ideia de Jorge Rocha é que sirva de base a uma obra artística, na sua área, a visual. Por isso, o artista que agora reside em Amesterdão anunciou ao Sul Informação que vai «passar o Inverno a desenvolver a obra artística a partir de tudo isto», para a apresentar numa exposição, «no Verão, talvez em Julho», em Loulé.

E depois? «Talvez faça mais algumas paisagens no próximo ano, mas ainda não sei onde. O que eu não quero é repetir, é tornar isto uma coisa repetitiva, porque isso altera o espírito deste projeto», explicou.

Além disso, Jorge Rocha diz-se «em processo de pensar num livro» sobre estes três anos de «Cozinhando na Paisagem». Mas, admite, «duvido que haja os apoios necessários para fazer um livro de qualidade, com bom design e boa impressão». De qualquer modo, vai tentar, com o apoio das autarquias e outros que consiga congregar, verter toda esta experiência num «livro bom».

A iniciativa «Cozinhando na Paisagem» integra-se no projeto Palato e é organizada pelo Rizoma Lab, estando integrada no DiVaM, programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos, desenvolvido pela Direção Regional de Cultura do Algarve, que tem como principal objetivo continuar a implementar uma dinâmica cultural nos monumentos afetos àquela entidade e aproximar as comunidades ao seu património.

 

Fotos de: Elisabete Rodrigues/Sul Informação

 

A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe

Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe
Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe

A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe terá sido fundada no século XIII, talvez por Templários. Mas a capela que hoje existe, garante Manuel Castelo Ramos, que sobre ela fez a sua tese de dissertação de Mestrado, é uma construção do século XV, dos tempos em que o Infante andou por estas terras.

E porque garante ele isso? Apontando para as pedras, que mostram sinais de um gótico tardio, que antecedeu o Manuelino. Sobre as origens mais remotas, o investigador disse que talvez a arqueologia possa dar mais pistas…quando um dia o solo da ermida for escavado por arqueólogos.

E as estranhas assimetrias entre o pórtico e a rosácea que o encima, e entre esta e as janelas ao fundo da nave, como se explicam? Manuel Castelo Ramos admite que a ermida primitiva tenha ficado destruída por um terramoto e que tenha sido depois reconstruída, usando alguns dos materiais anteriores, como então se fazia, por mestres pedreiros populares…e pouco habilidosos.

A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe foi construída no século XV, durante o reinado de D. Afonso V, após a generalização em Portugal do culto da virgem negra de Guadalupe.

É um edifício singelo, construído em grés da região. Situado numa zona de fronteira, do Reino e da Cristandade, assolada pelo corso muçulmano, encontra-se ligado ao resgate dos cativos, o que explica a sua insólita decoração simbólica.

Na capela-mor, todos os capitéis, tal como as chaves da abóbada, possuem decoração esculpida com motivos vegetalistas, máscaras humanas e outros atributos.

A quinta sobranceira à Ermida foi um dos pousos do Infante Dom Henrique, durante o auto-exílio algarvio que marcou a fase final da sua vida, após a infeliz expedição de Tânger de que resultou cativo o Infante Santo.

Neste lugar, terá Dom Henrique recebido a visita do veneziano Ca’damosto, o que lhe confere uma particular relevância histórica.

Sob a invocação de Senhora de Guadalupe, mantêm-se até hoje práticas ancestrais de culto e rituais de fertilidade como a festa de Nossa Senhora das Candeias, a bênção dos gados e das espigas, na Quinta-Feira de Ascensão.

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