Como noticiaram os jornais algarvios o 25 de Abril de 1974?

Como noticiaram os jornais algarvios o 25 de Abril de 1974? O Aurélio Nuno Cabrita foi investigar nos arquivos da […]

Como noticiaram os jornais algarvios o 25 de Abril de 1974? O Aurélio Nuno Cabrita foi investigar nos arquivos da Biblioteca Nacional, em Lisboa, e da Biblioteca da Universidade do Algarve, em Faro, e partilha aqui a forma como a imprensa regional algarvia reagiu à Revolução dos Cravos.

O que se destaca desta investigação é que os periódicos do Algarve, talvez ainda condicionados por quase meio século de Censura, ou porque muitos deles eram da situação, não foram muito efusivos na forma como noticiaram os acontecimentos do Movimento dos Capitães.

De todos eles, apenas o “Jornal do Algarve” foi mais expressivo na forma como celebrou a revolução. Mas nenhum deles dedicou uma edição especial ao acontecimento que mudou para sempre a vida do Algarve e do país.

A Voz de Loulé de 1 de Maio de 1974

Uma das explicações poderá estar nas marcas deixadas pela Censura. Em Portugal, até ao 25 de abril de 1974, e praticamente desde o golpe militar de 28 de maio de 1926, toda a imprensa (nacional ou local) era sujeita a “Exame Prévio”, como por último se denominava a “Censura Prévia”. Ou seja, toda a informação era inspecionada por uma entidade que determinava se os artigos podiam ou não ser publicados.

Quando se entendia que os textos e fotos – notícias, artigos de opinião e às vezes até anúncios! – eram perturbadores da ordem vigente, por exemplo por poder fomentar alterações de pensamento e a consequente vontade de mudança, eram proibidos, cortados pelo famoso “lápis azul” e não podiam ser divulgados.

Em abril de 1974, o número de jornais publicados na região, segundo a “História da Imprensa do Algarve”, da autoria do professor José Carlos Vilhena Mesquita, elevava-se quase às duas dezenas, periódicos que se repartiam essencialmente pelos concelhos de Faro, Loulé, Tavira, Olhão, Vila Real e Portimão.

De periodicidade diversa, englobavam semanários, quinzenários, mensários ou jornais trimestrais, existindo ainda alguns títulos que se publicavam irregularmente.

De abrangência regional, destacavam-se três hebdomadários, “O Algarve” e “Correio do Sul”, ambos sediados em Faro, e o “Jornal do Algarve”, de Vila Real de Santo António, aos quais podemos ainda acrescentar o católico “Folha de Domingo”, também de Faro.

Os outros títulos tinham âmbito mais local, como os quinzenários “A Voz de Loulé”, “O Sporting Olhanense”, e “O Tavira”, do Ginásio Clube local, ou ainda os semanários “Comércio de Portimão” e “Povo Algarvio”, este último sediado em Tavira.

Como mensários, citam-se os católicos “Boletim Paroquial”, de São Bartolomeu de Messines, o “Encontro”, de Santa Bárbara de Nexe, ou “O nosso Jornal”, inter-paroquial de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo.

Outros existiam como o “Jornal Prolar”(1), órgão essencialmente publicitário da empresa Teófilo Fontainhas Neto, de S. B. Messines, enquanto o “Ecos da Serra”, de Alte, ou “Açoteia”, jornal estudantil da Escola Industrial e Comercial de Faro, eram trimestrais. Com edições algo irregulares citam-se a “Rampa”, de Lagos, ou o “Defensor – Boletim Evangélico”, de Faro.

 

Como reagiu a imprensa algarvia ao 25 de Abril?

Como reagiu então a imprensa algarvia ao 25 de abril? É a questão que nos propomos desenvolver de forma sumária.

De índole regional, os primeiros semanários a serem dados à estampa após o Movimento dos Capitães foram o “Jornal do Algarve” e o “Folha de Domingo”, em edições regulares, publicadas a 27 de abril.

No “Folha de Domingo”, provavelmente pelo facto de a edição ter fechado antes da revolução, não foi feita referência ao acontecimento, enquanto o “Jornal do Algarve” inseriu, na segunda página, uma notícia sumária, sem destaque na primeira página do jornal, intitulada “Levantamento das Forças Armadas”.

Este artigo referia apenas que, à hora em que fechava a edição, um Comunicado informava que a revolução triunfara, com a rendição do chefe de Governo. A notícia terminava com um desejo daquele periódico: a realização, em breve, de eleições livres.

No dia seguinte, 28 de Abril, “O Algarve”, também em edição normal, inseriu alguns textos alusivos à revolução, mas em colunas habituais do corpo do jornal, e sem subtítulos, à exceção da última página “Da cidade E”, complementado com “Desta Sensação de Liberdade!”, de Marcelino Viegas, o qual, juntamente com Rocheta Cassiano, em «“À esquina de São Pedro” – Novos Domingos», assinam textos de regozijo pela revolução. Menos contundente é o autor de “O nosso calendário – os 7 dias da semana”.

«Correio do Sul», de 9 de Maio de 1974

Por sua vez, o “Correio do Sul”, que havia sido publicado a 25 de abril, na edição seguinte, de 2 de maio, teceu, numa pequena coluna, sem título, na primeira página, vários comentários à revolução e ao posicionamento do jornal até então e no futuro. Refira-se que este periódico era dirigido por Mário Lyster Franco, um pertinaz colaborador do Estado Novo.

A 4 de maio, o “Jornal do Algarve” edita novo número. A primeira página é inteiramente dedicada à revolução, destacando-se a manchete “Liberdade”, com o subtítulo «Um português recém nascido que é preciso defender». Na primeira página é também evocado o fundador do jornal, com a sua fotografia e o seguinte título: «Evocando quem não viveu a alegria destas horas».

Nas páginas interiores do “Jornal do Algarve”, o acontecimento foi também noticiado, com cobertura das diversas manifestações de civismo realizadas em Faro, Lagos, Vila Real de Santo António, ou ainda em Armação de Pêra. Entre outras notícias, foi ainda divulgado o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA).

No “Folha de Domingo”, é informação de primeira página o MFA e a constituição da Junta de Salvação Nacional.

No dia seguinte, 3 de Maio, “O Algarve” também exulta com os acontecimentos, destacando a imponente manifestação do 1º de Maio em Faro, a par da saudação da autarquia daquela cidade à Junta de Salvação Nacional, desenvolvendo ainda em “Tema Redactorial – as meias palavras já não bastam”.

«Povo Algarvio», de 4 de Maio de 1974

Quanto ao “Correio do Sul”, publicado a 9 de maio, volta a inserir, na primeira página, uma coluna não titulada, onde é feito o resumo dos acontecimentos nacionais, destacando o civismo dos portugueses, embora a última página seja quase toda dedicada a comunicados e saudações à Junta de Salvação Nacional.

Sem edição na semana de 16 de maio, só a 23 do mesmo mês a primeira página do “Correio do Sul” é inteiramente dedicada à revolução e às múltiplas alterações dela advindas.

Quanto ao “Jornal do Algarve” e a “O Algarve”, nas edições de 11-12 e 18-19 de maio, respetivamente, dão total notoriedade aos acontecimentos resultantes da revolução.

O “Folha de Domingo”, embora os destaque, fá-lo de uma forma mais comedida.

Quanto aos outros semanários, o “Comércio de Portimão”, na edição de 2 de maio, não faz qualquer referência à revolução, noticiando, a 9 do mesmo mês, a vitória do Movimento Militar e a proclamação do MFA, bem como o novo comandante territorial do Algarve.

“O Povo Algarvio”, logo na edição de 4 de maio, dedica toda a capa ao movimento ocorrido a 25 de abril, com a publicação da Proclamação do MFA e da Junta de Salvação Nacional, noticiando ainda as patrióticas manifestações ocorridas em Tavira.

 

A revolução da esperança nas páginas do jornais

Texto censurado, que a A Voz de Loulé republica, mostrando as marcas do censor

Relativamente à imprensa quinzenal, “A Voz de Loulé”, na primeira edição após o 25 abril, dá amplo ênfase ao acontecimento, que intitula como “A revolução da esperança”. Noticia ainda o apoio dos louletanos ao movimento.

Já “O Tavira”, a 2 de maio, mostra-se muito menos efusivo, assinalando embora, com regozijo, o acontecimento.

Nas edições seguintes, 15 e 16 de maio, quer “A Voz de Loulé”, quer “O Tavira”, destacam as manifestações do 1º de Maio, entre outras informações.

Uma nota ainda para “A Voz de Loulé” por publicar, a 15 de maio, uma imagem de um artigo cortado pela Censura: «O caso das auto-estradas – Em causa um prejuízo para a Nação entre os 4 e os 5 milhões de contos!». Por baixo da imagem, que mostra ainda a nota manuscrita pelo censor dizendo «aguardar despacho superior», o jornal escreveu: «Era assim a Censura em Portugal: simplesmente proibido levantar problemas que desmascarassem vigarices de pessoas “altamente colocadas”».

Quadras celebrando o fim da censura, publicadas no «Povo Algarvio»

“O Olhanense”, órgão do grupo desportivo de Olhão, tinha oficialmente periodicidade quinzenal, mas a sua publicação assumia muitas vezes carácter mensal. Assim, à edição de 26 de abril, sucedeu a de 23 de maio. Nesta última, e embora sem qualquer alusão na capa, dedicada a eventos desportivos, são concedidas à revolução quatro páginas interiores, intituladas “O momento político”, com informações relativas ao Dia do Trabalhador em Lisboa e Olhão, à nota Pastoral do Episcopado, entre outras.

Por sua vez, os mensários “Boletim Paroquial”, de S. B. Messines, edição de junho/ julho, o “Encontro”, de Santa Bárbara de Nexe, publicado em maio, e “O nosso Jornal”, das paróquias dos concelhos de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo, também na edição de maio, inseriram todos, com destaque de primeira página, considerações sobre o golpe de Estado.

Reflexões mais apreensivas, como “Todos responsabilizados” em “O Encontro”, ou menos em “A hora em que vivemos” no “Boletim Paroquial”, ou ainda mais venturosas, como “O nosso Jornal”, – “25 de Abril – Movimento das Forças Armadas derrubou o Governo vigente havia 48 anos! A Junta de Salvação Nacional presidida pelo General António de Spínola governa o país”.

O trimestral “Ecos da Serra”, de junho, noticiou a ocorrência numa página interior, descrevendo ainda a interessante eleição provisória dos novos membros da Junta de Freguesia de Alte, enquanto a “Açoteia” deu particular relevância à revolução logo na primeira página, evidenciando-se uma curiosa entrevista ao Dr. José Neves Júnior.

Relativamente ao “Defensor”, boletim evangélico, não fez qualquer alusão na edição de abril, nem na de novembro, que lhe foi subsequente.

Ilustração satírica publicada no jornal «A Rampa», a 3 de junho de 1974

Por fim, a “Rampa”, datada de 3 de junho, na edição imediata ao golpe de Estado, publicou uma singular ilustração, da autoria do artista Júlio Amaro, com o título “A promoção turística do novo Portugal nos mercados externos”, onde brincava com uma das palavras que então entrou no vocabulário de todos (Fascismo) e com a figura do General Spínola. Tudo coisas que pouco mais de um mês antes não seria possível fazer nem publicar.

 

Não houve edições especiais

Apesar de todos os jornais terem noticiado a revolução, à exceção do “Defensor”, nenhum deu à estampa qualquer edição especial, todos foram regulares, publicando nas datas pré-estabelecidas.

Os hábitos criados pela mordaça e opressão de 48 anos da censura não se coadunavam com regozijos e mesmo as publicações imediatas ao golpe foram muito moderadas nas suas notícias e comentários.

Dos semanários de maior circulação, e em termos gerais, o “Jornal do Algarve” foi dos que mais rejubilou com a revolução, seguindo-se “O Algarve”. Pelo contrário, o oposto passou-se com o “Correio do Sul”, que suprimiu mesmo a publicação de um número. Na verdade, a conotação do seu diretor com o regime deposto não permitia júbilos.

Dos outros semanários, mencione-se “O Povo Algarvio”, pelo destaque no número de 4 de maio, enquanto o “Comércio de Portimão” só a 9 de maio noticia a revolução.

Dos quinzenários, a primazia coube ao “A Voz de Loulé”, embora “O Tavira”, depois de algum cuidado, se tenha também distinguido. Dos restantes órgãos, os mais efusivos foram “O nosso Jornal” e a “Açoteia”.

Uma das múltiplas alterações advindas da Revolução de Abril foi a abolição da censura, e com ela uma nova página se abriu na história da imprensa. O “Povo Algarvio” assinalou com algumas quadras o acontecimento: “Adeus e não voltes mais/ Potente mordaça dura,/ Partiste enfim e jamais/ Desejam ver-te os jornais/ Indesejável Censura”.

Terminamos recordando o vaticínio do inter-paroquial “O nosso Jornal”: “Cidadãos portugueses, nós teremos o Portugal que merecermos!”. Foi há 40 anos.

 

(1) Este jornal não foi consultado no âmbito deste trabalho.

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de História Local e Regional

 

Veja aqui as imagens das primeiras páginas de alguns dos jornais consultados nesta investigação.

 

 

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