Investigadores perdem bolsas enquanto esperam para ser contratados pela Universidade do Algarve

A lei já existe e 31 de Dezembro é o prazo limite para celebrar contratos entre investigadores com vínculos precários, […]

A lei já existe e 31 de Dezembro é o prazo limite para celebrar contratos entre investigadores com vínculos precários, financiados por bolsas públicas, e as Instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas nas quais já trabalham. Mas isso não deverá evitar que cerca de duas dezenas de bolseiros que estão desde há anos integrados em centros de investigação da Universidade do Algarve fiquem sem qualquer rendimento, já a partir de segunda-feira, dia 1 de Janeiro.

A larga maioria das universidades não lançou, para já, concursos de admissão, por considerarem que não há garantias claras, da parte do Governo, de vir a ser ressarcidos deste encargo suplementar. Mas quem espera pela prometida contratação defende que as garantias já existem e que o que está em causa é um jogo de forças.

Mais de 70 investigadores da Universidade do Algarve, cujo rendimento é garantido por bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), uniram-se para exigir que a lei de contratação dos precários do Estado seja cumprida também na Universidade do Algarve e que a primeira fase de concursos seja aberta.

Até porque as listas dos investigadores elegíveis para passar a ter um vínculo oficial às universidades portuguesas já é conhecida há muitos e a obrigatoriedade de contratar também foi definitivamente estipulada há meses.

Os bolseiros que estão na calha para celebrar contratos com a UAlg não ficaram de braços cruzados e promoveram um protesto silencioso durante a tomada de posse do novo reitor, a 13 de Dezembro, à porta do Grande Auditório do Campus das Gambelas da instituição, onde decorreu a cerimónia.

Os investigadores empunharam cartazes, onde exigiam uma solução para o seu problema. É que, segundo revelaram ao Sul Informação as investigadoras Sandra Boto e Sónia Simão, «mais 30% dos bolseiros que estão na lista vão perder o financiamento no dia 31 de Dezembro de 2017» e há mesmo quem trabalhe em centros de investigação da UAlg sem receber nada, para não “perder o comboio”.

«O que está em causa não é algo que seja propriamente recente. Há um ano e quatro meses, o Governo publicou um decreto de lei que abrangia uma série de bolseiros diretamente financiados pela FCT, disponibilizou documentos orientadores, deu garantias aos reitores que os reembolsos desses contratos iam ser feitos e até publicou uma lista com as pessoas elegíveis», explicou Sandra Boto.

Na altura, tudo parecia bem encaminhado para que a contratação se desse em breve, «mas a Assembleia da República considerou que essa lei tinha problemas e que era insuficiente – e, de facto, era – e chamou a si o diploma, para fazer as alterações necessárias».

E se do lado do poder político surgiram dúvidas, elas também assaltaram os reitores das Universidades portuguesas, já que a contratação destes investigadores constitui um ónus extra para as instituições nas quais trabalham atualmente.

«O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) em momento algum concordou com esta lei e tomou uma posição comum em relação a esta matéria – não estamos a falar apenas da Universidade do Algarve, mas da grande maioria, se não todas, as universidades do país – e não abriram os concursos para os quais já existiam garantias de financiamento», esclareceu Sandra Boto.

A investigadora da UAlg frisa este último ponto, já que, assegurou, «a FCT tinha dado garantias às reitorias que as pessoas que agora vão ficar no desemprego seriam pagas».

Garantias que não convencem os reitores, nomeadamente o recém-empossado reitor da Universidade do Algarve. No seu discurso de tomada de posse, a 13 de Dezembro, Paulo Águas frisou que nada tem «contra a lei do Emprego Científico e o Programa de Regularização Extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (Prevpap)».

No entanto, considerou, «não temos condições para assumirmos incertezas. Não podemos aumentar os riscos de execução orçamental, que pretendemos reduzir através do crescimento das receitas próprias, provenientes de mais projetos e mais estudantes».

À margem da sessão, Paulo Águas reforçou a mensagem. «Nós não temos disponibilidade financeira. Eu compreendo a posição das pessoas e, de facto, não é nada confortável. Mas o Governo não pode passar essa responsabilidade para as instituições», considerou, em declarações ao Sul Informação e à Rádio Universitária do Algarve RUA FM.

O reitor da UAlg também considera natural que as pessoas, «num primeiro momento, venham falar com quem está mais próximo, que são as instituições». Mas, garantiu, estas «não podem fazer nada». «Por um lado, tinha de ser feito até 31 de Dezembro, mas, por outro, a regulamentação ainda não está toda cá fora», disse.

«O Governo diz que assume os custos. Agora, a questão é saber quando e como. As instituições não têm capacidade para contratar e, mesmo as poucas que têm, estão relutantes em fazê-lo», assegurou Paulo Águas.

Da parte dos bolseiros, esta falta de entendimento entre o Governo e as Universidades está a criar cada vez maior desconforto. «Estamos a ficar numa situação muito delicada. E este não é um problema só para os que estão quase a ficar sem financiamento ou dos que estão a trabalhar de forma gratuita, é também das universidades em si. E o que as universidades têm vindo a dizer, de forma que até consideramos que é ofensiva, é que este é um problema nosso. Não aceitamos isso», disse Sandra Boto.

Isto porque os investigadores em causa «trabalham para as universidades» e foram escolhidos por «um painel de avaliadores que fazem parte do corpo docente das universidades portuguesas».

O caso de Sónia Simão é emblemático da necessidade que as instituições, neste caso a UAlg, têm dos profissionais que estão, atualmente, com vínculos precários.

«Na minha área, a da biomedicina, temos de assumir diversas funções. Além da investigação, propriamente dita, que temos de fazer – e publicamos artigos em nome da universidade -, também orientamos muitos alunos que estão a terminar a licenciatura e o mestrado, damos aulas e participamos em júris de tese. Temos vários papéis que são fundamentais para o bom funcionamento da instituição», segundo Sónia Simão.

Como Sónia, há muitos bolseiros que se desdobram em tarefas que vão muito além da investigação. Parte deles, vão perder os seus rendimentos dentro de dois dias.

No fundo, diz Sandra Boto, este «é um jogo de forças, um jogo político, entre os reitores, a FCT e o Ministério». E é por isso que os bolseiros do Algarve estão a procurar criar uma rede com outros investigadores a nível nacional que estejam na mesma situação.

«Temos a intenção de fomentar a criação de uma rede nacional, que nos permita uma atuação conjunta, para termos mais força. Já realizámos contactos formais com núcleos organizados noutras instituições. Mas, em muitos casos, estes grupos não são tão organizados nem tão representativos como o nosso», disse a investigadora da UAlg.

Num futuro próximo, os bolseiros da UAlg ponderam promover «uma paralisação que pretendemos que seja nacional». Isto «caso não haja um compromisso efetivo da parte da universidade para abertura dos concursos».

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