Territórios inteligentes, o sistema operativo 4×4

Ter uma estratégia nacional para os territórios inteligentes é fundamental

A Estratégia Nacional de Territórios Inteligentes (ENTI) foi aprovada pela RCM nº 176/2023 de 18 de dezembro. A ENTI é informada por quatro princípios gerais e cinco orientações operacionais.

Os princípios gerais são os seguintes:

– A ausência de uma estratégia nacional comum prejudica a implementação dos territórios inteligentes (TI) a nível regional e local e deve ser rapidamente preenchida,

– A inexistência de mecanismos que promovam sinergias entre atores e a partilha de experiências e lições aprendidas precisa de ser preenchida,

– A necessidade de planeamento integrado e otimização de despesa pública associada a investimentos deste tipo e a expansão de projetos-piloto de pequena escala a nível nacional devem ser preenchidas,

– A necessidade de criação de um referencial de interoperabilidade e princípios comuns que se aplicam a todos os TI e respetivas iniciativas deve ser preenchida.

Quanto às orientações operacionais da ENTI, elas são as seguintes: uma abordagem centrada nos cidadãos (1), a capitalização das boas práticas (2), as ações orientadas para os resultados (3), a promoção da inclusão e coesão numa lógica bidirecional (4), realizar uma ação local, com pensamento global e foco no longo prazo.

Uma das primeiras manifestações concretas desta estratégia nacional de territórios inteligentes é a criação do Centro de Inteligência Territorial (CIT), uma iniciativa do Laboratório Colaborativo de Dados de Viana do Castelo que tem como principais sócios fundadores o Instituto Politécnico de Viana do Castelo, a multinacional SGS, o FI Group e a SmartWatt.

O CIT tem como principais objetivos a produção de dados abertos (1) sobre os municípios em seis vetores – governança, ambiente, mobilidade, modos de vida, economia e sociedade – a produção de dados tratados e disponibilizados como serviços prestados e pagos (2), a agregação de dados para efeitos de análise das NUTS II e III (3) e, por último, a articulação de dados com a ENTI e a sua transformação para efeitos de uma analítica territorial especifica (4).

Desta forma, está em curso uma verdadeira transformação do paradigma de tomada de decisão em matéria de políticas públicas de base territorial, no preciso momento em que se procede, no plano político-administrativo, a uma transferência substancial de atribuições, competências e recursos da administração central para a administração regional, sub-regional e municipal.

É neste contexto que o reforço das Comunidades Intermunicipais (CIM) se afigura muito prometedor, entendidas aqui como um nível de administração sub-regional e, também, de região-cidade inteligente e criativa e protagonista de uma nova administração. Na conceção que aqui propomos os territórios inteligentes CIM são convidados a adotar um sistema operativo denominado 4×4 e que pode ser assim definido:

1. Quatro tipos de inteligência: racional e artificial, emocional e natural.
As duas primeiras inteligências são a base do rational tecno-digital e tecnocrático da política regional. As inteligências natural e emocional são a base do património natural e cultural e constituem o suporte histórico e antropológico para uma nova geografia sentimental. O equilíbrio entre todas as inteligências é um segredo bem guardado que precisa, ainda, de ser revelado.

2. Quatro tipos de democracia: representativa, participativa, colaborativa e direta.
Os dois primeiros modos democráticos, representativo e participativo, fazem parte da política mais convencional, vertical e hierárquica.
As democracias colaborativa e direta são o fruto mais recente da era das plataformas digitais e das comunidades online, mais distribuídas e horizontais.
O equilíbrio entre os quatro modos de democracia é um segredo bem guardado que precisa, ainda, de ser revelado.

3. Quatro níveis de governança multiníveis: europeia, nacional, regional e sub-regional, local.
Os dois primeiros níveis de administração deliberam sobre o acordo de parceria (PT 2030) e as orientações políticas gerais para a gestão dos fundos europeu da política de coesão.
O governo nacional estabelece as prioridades políticas que transfere para os programas operacionais, nacionais e regionais.
Os níveis regional, sub-regional e local administram os fundos que lhes foram afetados com base nos seus planos de ação.

4. Quatro instrumentos de gestão: a infraestrutura digital, a base de dados, a plataforma analítica territorial, o ator-rede para a administração dos territórios-rede, como as CIM, por exemplo.

Os dois primeiros instrumentos são fundamentais para montar toda a infraestrutura de base da política de recolha e tratamento de dados da CIM. A projeção de tendências e os cenários para a definição de políticas públicas de base territorial necessitam de uma estrutura política de missão e compromisso – o ator-rede – que é determinante para levar a bom porto a governança da Comunidade Intermunicipal.

Nota Final

Nos próximos anos estaremos cada vez mais próximos do reino da ciência dos dados, correndo, mesmo, o risco de trocarmos os fins pelos meios. Os três momentos principais desta ciência dos dados marcarão o ritmo da analítica e do planeamento dos territórios inteligentes.

O momento um, a descrição, elaborará os diagnósticos, a bateria de indicadores, os rankings dos territórios, o momento dois, a predição, definirá as tendências, as previsões e os cenários, o momento três, a prescrição, estabelecerá o benchmarking, os normativos e as recomendações para as políticas públicas dos territórios inteligentes.

Como dissemos, é preciso alguma prudência e evitar trocar os fins pelos meios. A ciência dos dados tem uma natureza instrumental e não substitui a geografia sentimental, o compromisso prudente e a deliberação política que nos são oferecidos pelo conjunto de pesos e contrapesos que nos proporciona o nosso sistema sociopolítico e sociocultural.

Daí a importância fundamental de ter uma estratégia nacional para os territórios inteligentes e, nesse quadro, atores-rede diligentes e competentes para administrar, por exemplo, os territórios das Comunidades Intermunicipais, entre outros territórios-rede.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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