Porque ninguém é uma ilha, hoje estamos em greve

Para que a distopia nunca se torne realidade

Imagine o leitor um mundo em que acordava, ligava a televisão e nela nada lhe era contado sobre o país e o mundo. Então tentaria, num esforço de Sísifo, abrir a Internet, procurar o site de um qualquer jornal, informar-se, mas a pesquisa nada lhe devolveria. E por fim, já sequioso, sairia de casa, pegava no carro e ligava a rádio que só lhe daria música. Talvez não seja assim tão distópico: hoje estamos em greve. Porque o jornalismo não pode morrer. 

O momento é histórico. A última greve geral de jornalistas aconteceu em 1982, portanto há mais de 40 anos.

Desde então, muito mudou no panorama dos media: a televisão massificou-se, surgiram os canais de notícias, os jornais migraram para o digital, a rádio reinventou-se muito à boleia dos podcasts.

Talvez nunca tenhamos tido tantas maneiras de consumir jornalismo como agora. Paradoxalmente, talvez também nunca a profissão tenha sido tão atacada como agora.

Aos atropelos das grandes empresas (veja-se o triste caso da Global Media), junta-se a precariedade, os baixos salários.

No fundo, a incerteza e a falta de condições para exercer a profissão com dignidade: ainda há dois dias, foi conhecido mais um despedimento coletivo que afetará os camaradas do Diário de Notícias e Dinheiro Vivo.

Quem resiste, fá-lo à conta de muito sacrifício pessoal. A saúde mental dos jornalistas anda literalmente pelas ruas da amargura, tal como demonstra um podcast lançado há meses pelo Sindicato dos Jornalistas.

Em “Queimei! – Vamos Falar de Burnout”, jornalistas e ex-jornalistas contam histórias que nos arrepiam, de horas ininterruptas de trabalho, de pressão que só podia levar a um triste desfecho: o burnout, vulgo esgotamento.

Em Janeiro deste ano, reunimo-nos quatro dias para o 5º Congresso dos Jornalistas. Ao longo de 50 anos – desde o 25 de Abril – só por cinco vezes é que, formalmente, os profissionais desta área fundamental para a democracia se juntaram para debater o futuro do ofício.

Desta vez, a reunião magna terminou da maneira talvez mais significativa. Por unanimidade e aclamação, cerca de 500 jornalistas votaram a favor da convocação de uma greve.

Houve 24 moções a votação e, para que tenha uma ideia, apenas duas, se a memória não me falha, passaram por unanimidade: um voto de louvor aos camaradas da Global Media e esta da greve. Eu mesmo pude testemunhá-lo ao vivo e senti essa vontade de dar um sinal claro à sociedade.

É certo que o caso do Sul Informação é um pouco diferente porque não temos nenhuma estrutura acima. Somos nós os jornalistas e os donos do jornal.

Mas porque ninguém é uma ilha, hoje fazemos greve. Por nós, pelos nossos camaradas e, acima de tudo, por si, caro leitor. Para que a distopia nunca se torne realidade.

 

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