ABD, as bio-regiões e a economia ecológica

É importante a política dos pequenos passos e a inovação incremental consistente no tempo e no espaço

A minha tese é relativamente fácil de enunciar. As chamadas Grandes Transições – climática e energética, ecológica e alimentar, demográfica e migratória, tecnológica e digital, socioeconómica e sociolaboral, geopolítica e securitária – pelos impactos impressivos e devastadores que provocam na paisagem global, nos sistemas produtivos e na vida das populações, obrigam-nos a olhar para os territórios com um nível de discriminação positiva mais diferenciado, uma escala de programação com maior valor acrescentado e um planeamento e ação executiva mais de acordo com as exigências de uma abordagem integrada de desenvolvimento das áreas de baixa densidade (ABD).

Neste contexto, conceitos como sistema-paisagem, mosaico paisagístico, bio-região e agroecologia, devido à sua elevada circularidade e interdependência sistémicas, podem introduzir uma dinâmica de reciprocidade positiva entre a economia produtiva e a economia criativa no território das áreas de baixa densidade (ABD), se, para tanto, formos capazes de criar uma escala territorial apropriada, um sistema operativo e um ator-rede específicos que, através da aplicação de um programa integrado de desenvolvimento territorial, dinamizem uma economia de rede e aglomeração mais intensiva e duradoura e, assim, possam inverter ou reverter o ciclo vicioso de desertificação e despovoamento das ABD. Vejamos os tópicos principais desta abordagem integrada com fundamento no princípio ativo das redes e numa economia ecológica de reciprocidade criativa.

Em primeiro lugar, a primazia aos conceitos circulares de sistema-paisagem e bio-região. Estes conceitos asseguram-nos uma reciprocidade positiva entre a biologia e a ecologia das unidades de paisagem, ecossistemas e serviços de ecossistema e o sistema produtivo correspondente através de uma série de métricas de sustentabilidade, certificação e marcas territoriais que garantem a perenidade dos recursos e a sua gestão criteriosa. Digamos que os agrossistemas se convertem progressivamente em agroecossistemas.

Em segundo lugar, mudar a escala e o âmbito territorial das operações é fundamental. Ou seja, é necessário compatibilizar, na medida do possível, o desenho e a escala do sistema-paisagem e da bio-região com a delimitação político-administrativa já existente.

Está em causa a criação de territórios-rede suficientemente abrangentes e a formação de um ator-rede com atribuições, competências e recursos suficientes para absorver e mitigar os efeitos externos das grandes transições e integrar num único programa de intervenção as diferentes medidas de política que são de aplicação no território do sistema-paisagem e da bio-região.

A abordagem convencional, mais vertical, setorial e individual fica, desta forma, associada às operações integradas de desenvolvimento territorial e regional.

Em terceiro lugar, sem comunidades inteligentes (C), plataformas digitais (P) e redes colaborativas (R) o sistema operativo não funciona. Ou seja, sem associações e lideranças esclarecidas, programas eficazes de literacia digital e uma forte cooperação interassociativa não temos um espaço publico colaborativo onde possamos mobilizar a força dos laços fracos das comunidades online para o bom funcionamento das redes colaborativas.

Dito de outro modo, não estarão reunidas as condições para conceber uma espécie de wiki economia das ABD.

Em quarto lugar, os inúmeros efeitos externos das grandes transições – custos de contexto, custos de formalidades, custos de oportunidade, comportamentos furtivos e de risco moral – e a profusão de medidas de política pública requerem uma visão transversal e integrada do território, ou seja, reclamam um ator-rede com funções de coordenação e regulação de toda a ação executiva no terreno que opera com comunidades inteligentes, plataformas digitais e redes colaborativas.

Em quinto lugar, o Pacto Ecológico Europeu e os Programas Específicos da Política Agrícola Comum (PEPAC) são uma excelente oportunidade para descentralizar e aproximar muitas medidas de política europeias e nacionais e fazer convergir essas medidas para escalas territoriais mais próximas das reais necessidades de uma economia agroecológica e circular de baixa densidade e intensidade.

Em sexto lugar, as recentes transferências de atribuições e competências para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e as Comunidades Intermunicipais (CIM) são, igualmente, uma oportunidade única para incluir nos Programas Operacionais Regionais (POR) uma diferenciação especial para as ABD, em ordem a uma agroecologia ajustada a cada sub-região e tendo em vista apoiar as redes regionais de mercados locais que suportam a agricultura familiar das bio-regiões,

 

Notas Finais

A economia ecológica é uma abordagem abrangente ao desenvolvimento dos territórios e pode ser definida como o conjunto de hiperligações virtuosas que articulam a ecologia da paisagem com a economia dos sistemas produtivos.

Essas hiperligações consideram o património e a paisagem (1), as aplicações pertinentes da ciência e tecnologia (2), os sistemas produtivos locais (3), o capital humano e social e o talento criativo (4), uma economia dos signos distintivos e das marcas territoriais (5).

As instituições de ensino superior localizadas nas áreas de baixa densidade, sobretudo as escolas superiores agrárias dos institutos politécnicos, podem funcionar como o pivot das futuras bio-regiões e do seu complexo de parques naturais e geoparques, amenidades naturais, áreas integradas de gestão paisagística, condomínios de aldeia, zonas de intervenção florestal, e utilizar a economia ecológica para reconfigurar o sistema-paisagem, as unidades de paisagem correspondentes e os mosaicos paisagísticos desses territórios.

Os efeitos assimétricos e os danos colaterais das grandes transições e em especial das alterações climáticas, ecológicas e energéticas justificam plenamente que se encontre o compromisso apropriado entre a ecologia e a economia, tanto mais quanto os pequenos ajustamentos, a mitigação e a adaptação, mesmo as grandes transformações, não se materializam de uma só vez.

Por isso, é importante a política dos pequenos passos e a inovação incremental consistente no tempo e no espaço. E, nessa medida, as áreas de baixa densidade, pelo estado preventivo em que se encontram, são um excelente enquadramento para as próximas aplicações da economia ecológica.

Tendo os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) como o guião principal, o alinhamento consagra a biodiversidade e os serviços de ecossistema (1), a agroecologia, as dietas alimentares e a segurança alimentar (2) a agroecologia periurbana (3), a economia da inovação agroalimentar e as novas métricas de sustentabilidade (4), agroecologia e economia circular (5), a agroecologia familiar e as redes regionais de mercados locais (6), as identidades, as culturas locais, as artes e ofícios tradicionais (7), a ética da economia dos bens comuns, a saúde pública, o bem-estar e a solidariedade social (8).

É isto a economia ecológica, o compromisso entre a natureza e a cultura, a ecologia e a economia.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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