Irá este novo máximo solar resolver o puzzle da imagem do Sol nos raios gama?

As regiões polares do Sol foram as mais ativas na emissão de radiação de alta energia durante o anterior máximo solar, um desequilíbrio ainda por explicar, e relatado pela primeira vez num estudo liderado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço

O Sol brilha intensamente na luz visível, mas qual é o seu aspeto nas energias mais elevadas da radiação eletromagnética? A imagem do Sol em raios gama é um retrato letal, felizmente oculto pela atmosfera da Terra e apenas visível a partir do espaço. Cada fotão transporta mil milhões de vezes mais energia do que o seu parente nos ultravioletas. Como é que a emissão regular de raios gama pelo Sol varia no tempo? E será possível relacioná-la com os períodos de eventos violentos a que assistimos na superfície da nossa estrela?

Um estudo, publicado hoje na revista científica The Astrophysical Journal, produziu um filme compacto com catorze anos de observação do Sol nos raios gama, uma ferramenta de visualização que revelou que, ao contrário da esperada distribuição uniforme destes fotões de alta energia, o disco solar pode ser mais brilhante nas regiões polares.

Esta tendência para o brilho do Sol nos raios gama ser dominante nas latitudes mais elevadas é evidente durante o pico da atividade solar, como se viu em junho de 2014.

O estudo, liderado por Bruno Arsioli, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), pode contribuir para a compreensão do processo ainda desconhecido que faz com que o Sol brilhe dez vezes mais nos raios gama do que os físicos esperavam. Poderá também informar as previsões em meteorologia espacial.

Os raios gama solares são produzidos no halo da nossa estrela e em erupções solares, mas também são libertados pela sua superfície. Estes últimos foram o objeto deste estudo.

“O Sol é bombardeado por partículas quase à velocidade da luz, vindas de fora da nossa galáxia e em todas as direções”, diz Bruno Arsioli. “Estes chamados raios cósmicos têm carga elétrica e são defletidos pelos campos magnéticos do Sol. Aqueles que interagem com a atmosfera solar geram um chuveiro de raios gama”.

Os cientistas pensavam que estes chuveiros tinham a mesma probabilidade de serem vistos em qualquer ponto do disco solar. O que este trabalho sugere é que os raios cósmicos podem interagir com o campo magnético do Sol e, assim, produzir uma distribuição de raios gama que não é uniforme em todas as latitudes da nossa estrela.

“Também detetámos uma diferença de energia entre os polos”, acrescenta Bruno Arsioli. “No polo sul, há um excesso de emissões de maior energia, de fotões com 20 a 150 gigaeletrões-volt, enquanto a maior parte dos fotões menos energéticos vêm do pólo norte”. Os cientistas ainda não têm uma explicação para esta assimetria.

Durante o máximo do ciclo de atividade solar, torna-se evidente que os raios gama são irradiados com mais frequência nas latitudes mais altas. Em junho de 2014, aquando da inversão do campo magnético, os raios gama concentraram-se particularmente nos polos. É quando o dipolo do campo magnético do Sol troca os seus dois sinais, um fenómeno peculiar que se sabe acontecer no pico da atividade solar, uma vez em cada onze anos.

“Encontrámos resultados que desafiam a nossa compreensão atual do Sol e do seu ambiente”, diz Elena Orlando, da Universidade de Trieste, INFN e Universidade de Stanford, e coautora deste estudo.

“Demonstrámos uma forte correlação da assimetria na emissão solar de raios gama em coincidência com a troca do campo magnético solar, o que revelou uma possível ligação entre a astronomia solar, a física de partículas e a física de plasma”.

Os dados utilizados provêm de 14 anos de observações com o satélite nos raios gama Fermi Large Area Telescope (Fermi-LAT), entre agosto de 2008 e janeiro de 2022. Este período abrangeu um ciclo solar completo, desde um mínimo até ao seguinte, com o pico em 2014. Um dos desafios foi separar as emissões solares das numerosas outras fontes de raios gama no céu em fundo, atravessado pelo trajeto aparente do Sol.

Bruno Arsioli e a sua colega Elena Orlando produziram uma ferramenta para integrar todos os eventos de raios gama solares numa janela de tempo da ordem de 400 a 700 dias, podendo esta janela deslizar ao longo do período de 14 anos. Através desta visualização, os momentos de excessos polares tornaram-se óbvios, bem como a discrepância de energia entre o norte e o sul.


“O estudo das emissões de raios gama do Sol representa uma nova janela para investigar e compreender os processos físicos que ocorrem na atmosfera da nossa estrela”, diz Arsioli. “Quais são os processos que criam estes excessos nos polos? Talvez existam mecanismos adicionais que geram raios gama e que vão para além da interação dos raios cósmicos com a superfície do Sol”.

No entanto, se nos cingirmos aos raios cósmicos, estes podem funcionar como uma sonda da atmosfera solar interior. A análise destas observações do Fermi-LAT motiva também uma nova abordagem teórica que deverá considerar uma descrição mais pormenorizada dos campos magnéticos do Sol.

A possível ligação entre a produção de raios gama pelo Sol e os seus períodos espetaculares de erupções solares e ejeções de massa coronal mais frequentes, e entre estes e as mudanças na configuração magnética da nossa estrela, pode ser um ingrediente para melhorar os modelos físicos que preveem a atividade do Sol.

Estes são a base das previsões meteorológicas espaciais, essenciais para proteger os instrumentos dos satélites no espaço e as telecomunicações e outras infraestruturas eletrónicas na Terra.

“Em 2024 e no próximo ano, vamos registar um novo máximo solar, e já começou outra inversão dos polos magnéticos do Sol. Esperamos, no final de 2025, reavaliar se a inversão dos campos magnéticos é seguida de um excedente nas emissões de raios gama dos polos”, afirma Bruno Arsioli.

Elena Orlando acrescenta: “Encontrámos a chave para desvendar este mistério, o que sugere as direções futuras que devem ser tomadas. É fundamental que o telescópio Fermi funcione e observe o Sol nos próximos anos”.

Mas é provável que os raios gama solares tenham ainda mais para revelar e exijam mais atenção. Este estudo agora publicado reforçará o argumento científico a favor da monitorização contínua do Sol pela próxima geração de observatórios espaciais nos raios gama.

“Se for estabelecido que as emissões de alta energia contêm realmente informação sobre a atividade solar, então a próxima missão deverá ser planeada para fornecer dados em tempo real das emissões de raios gama do Sol”, afirma Arsioli.

 

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