Associação apela à esterilização para diminuir a taxa de abandono dos animais

Associação Cabana da Meia-Noite tem cerca de 30 gatos à espera de um lar

Rita Alves, com um dos gatos acolhidos – Foto: Cátia Rodrigues | Sul Informação

Dar comida ou carinho, limpar, esfregar, pôr água fresca ou simplesmente brincar. Este é o conjunto de tarefas que Rita Alves faz todos os dias, há quase quatro anos, com todos os habitantes da Associação Cabana da Meia-Noite, sediada em Faro. Para além dos cuidados com os gatos, a sua esterilização é uma preocupação crescente. 

Quando se abre a porta, a rotina é quase sempre igual. O miar de boas-vindas está garantido à chegada dos voluntários, que se dedicam depois à higiene e à alimentação dos gatos.

Ainda a associação não existia quando, a 30 de Janeiro de 2018, foi criado o projeto “Cabana” com o acolhimento da Malhadinha, uma gatinha que ia esperar Rita Alves ao trabalho.

«Comecei na associação como cuidadora. Quer dizer, ainda não havia associação, nem sequer sonhava em ter uma. Isto começou com uma gatinha que me ia esperar ao pé do meu local de trabalho e comecei a vê-la sempre grávida», conta Rita Alves, responsável pela Associação Cabana da Meia-Noite.

Mais tarde, apareceu a Meia-Noite, uma felina que foi capturada às 00h00, com mais três filhotes.

«Passado seis meses, esta gatinha levou dois dias sem aparecer, foi encontrada à porta de uma casa demolida, quase sem vida», explica Rita. A cuidadora ainda a levou ao hospital de urgência, mas não foi a tempo.

Esta história triste deu origem ao nome da associação Cabana da Meia-Noite, criada a 24 de Fevereiro de 2020.

Em Faro, antes da criação desta associação, os gatos doentes ou feridos não tinham nenhum sítio onde pudessem ser tratados. Como têm aumentado os casos de abandono, proliferam também as ninhadas de gatos errantes. Além disso, há ainda cada vez mais pedidos de ajuda.

Tudo isto se conjugou para a criação da nova associação.

 

 

Um dos grandes problemas dos gatos errantes é a esterilização. «Enquanto a esterilização não se tornar obrigatória, o que nós fazemos pouco mais é que “chover no molhado”. Nós andamos a esterilizar 20 e depois aparecem 40», lamenta a responsável.

Um dos objetivos da associação é sensibilizar para a esterilização, de modo a que se torne obrigatória para salvaguardar o bem-estar animal e até a saúde pública. Para dar continuidade à luta, já há uma petição a nível nacional para alterar a lei.

Apesar de tudo, as questões do bem-estar dos animais têm vindo a melhorar em Portugal, pelo menos ao nível da legislação. Desde 2016, que o abate dos animais errantes é proibido. No entanto, como não há campanhas de esterilização e o abandono de animais continua a aumentar, «se nada mudar por parte do Governo e da iniciativa das pessoas, há a possibilidade de se voltar ao abate, no futuro», alerta Rita.

A esterilização seria a grande solução para evitar as novas ninhadas e o contínuo aumento dos gatos selvagens, visto que as associações, centros de recolha e canis estão cheios, e a «procura continua».

A associação também promove a adoção dos animais que acolhe por parte das famílias. Nessa fase, entrega os gatos com chip, vacinados, esterilizados e apenas a uma família responsável, cumprindo todas as normas de segurança. Após o processo, a associação acompanha a nova família durante alguns meses para verificar se fica tudo bem.

Para os que adotam, são-lhes enviados vídeos sobre como cuidar dos animais nos primeiros tempos em casa, a socialização dos gatos, como brincar e as suas necessidades.

 

 

Segundo Rita, as adoções têm uma taxa de sucesso que ronda os 95%, sendo que o insucesso parte das alterações bruscas na vida das pessoas e da falta de paciência para que o animal se adapte em casa.

Para dar a conhecer o seu trabalho e incentivar à adoção, a Cabana da Meia-Noite promove sensibilizações nas escolas, no Mar Shopping e no Fórum Algarve.  No Mar Shopping, ao longo do mês de Dezembro, está precisamente a decorrer a campanha «Embrulho Solidário», durante a qual voluntários da associação fazem embrulhos de Natal para angariar verbas.

A associação conta com apoio do Município, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF),  de patronos, ou seja, pessoas que participam mensalmente  de forma monetária, arcando com as despesas da medicação, comida e outras despesas, do Gabinete de Inserção Social, através de voluntários em trabalho comunitário, e  de voluntários da Universidade do Algarve.

Quem quiser ajudar a associação, pode contactá-la através do Facebook, pode ajudar com doações de areia, alimentação ou mesmo apadrinhar mensal ou esporadicamente.

A rotina vai de segunda a segunda, sem descanso. Rita assegura o tratamento todos os dias e os voluntários dão uma ajuda, quando podem.

O número de voluntários é incerto, sobretudo no Verão, apesar desta até ser a época em que a ajuda é mais necessária.

«Nós, quando fazemos voluntariado, principalmente com os animais, não existem expectativas, ou seja, tudo aquilo que é dado é de coração e aquilo que recebemos também. Os animais não nos agradecem porque nós tratamos deles, agradecem porque sentem esta empatia connosco», acrescenta Rita Alves.

Todos os dias, a associação tem que garantir a sobrevivência dos 30 gatos que acolhe e que esperam por um novo lar. Mas os donativos não chegam todos os dias e, quando as instalações estão cheias, há que recusar a entrada de mais animais. «Tenho que pensar nestes que cá estão. Portanto, eu não posso pôr estes em risco por causa de outros», revela a responsável.

 

 

Rita, que até põe dinheiro do seu bolso na associação, garante que os donativos ou apoios não são suficientes para a sobrevivência da Cabana da Meia-Noite.

Curiosamente, é a associação que presta ajuda ao Canil e ao Veterinário Municipal na recolha de animais, visto ser a única com uma incubadora para animais recém-nascidos.

«Nós estamos todos interligados entre animais e pessoas, e as pessoas entre si. Portanto, para mim, como representante desta associação, é muito importante que também as instituições estatais e municipais deem importância ao nosso trabalho», afirma a responsável da Associação.

Os projetos para este espaço farense não acabam. Para 2024, o objetivo é adquirir uma carrinha para fazer o transporte dos animais, que neste momento são transportados em carros particulares.

Ao longo destes quatro anos, já foram muitas as histórias que passaram pelas quatro paredes da associação e cada morador tem o seu nome associado ao passado.

Branquinho, Big Boy, Capitão Gancho, Esmeralda, Thor, Torta de Claras, Ressonância, Edward, Jacob, são muitos dos nomes que estão em lista de espera em busca de uma nova família.

«O Big Boy foi um gato que me marcou muito, ainda nem sequer tinha associação na altura. Foi um gato a quem chamávamos “gato do exorcismo”. Ele olhava para mim e depois começava a rodar a cabeça, quase que rodava a cabeça a 90 graus», recorda Rita Alves.

«Tinha acabado de assumir que era uma cuidadora e ajudava algumas cuidadoras com casos complicados», recorda.

 

 

Uma delas era a Dona Irene, uma senhora de 80 anos, diabética e sem família. Fosse ao sol ou à chuva, ia todos os dias tratar dos gatos na rua, destacando-se quatro: o Big Boy, a Maria, a Nina e o Amarelinho.

O Big Boy apareceu na baixa de Faro com indicação para ser eutanasiado, devido à agressividade. A responsável da associação, ao saber da história, capturou-o, levou-o ao veterinário para ver o que se passava, acolheu-o em casa até se curar e arranjar uma solução. Na altura, a recuperação acabou em algumas sequelas, mas conseguiu ser adotado por um pescador em Aljezur.

Os outros gatos também tiveram os seus caminhos. A Maria morreu com cancro da mama em 2022, a Nina foi adotada e o Amarelinho ainda está na Cabana da Meia-Noite.

Atualmente, existem vários casos semelhantes ao do Big Boy e da Dona Irene. Muitas pessoas, sobretudo idosas, tentam ajudar os gatinhos abandonados, mas, quando têm problemas de saúde, não há quem tome conta dessa tarefa.

Por isso mesmo, Rita finaliza com um apelo, para solucionar este problema: «Esterilizar até à exaustão, porque é o princípio para não haver necessidade de ter uma associação. O objetivo é a associação não ser necessária», conclui.

 

Fotos: Cátia Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

Nota: A Cátia Rodrigues é finalista do Mestrado em Comunicação e Media Digitais da Universidade do Algarve e está a fazer o seu estágio curricular no Sul Informação.

 


 

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