Almargem diz «não, obrigado!» a barragem na Ribeira da Foupana

Posição da associação ambientalista algarvia surgiu dias depois desta solução ter sido defendida durante uma sessão promovida pelos regantes do Sotavento

Ribeira da Foupana – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A associação Almargem diz «não, obrigado!» a uma nova barragem no Algarve, a instalar na Ribeira da Foupana, uma ideia defendida tanto por presidentes de Câmara do Algarve como agricultores e associações do setor.

Numa altura em que as reservas de água no Algarve estão em mínimos históricos, a pressão para investimentos no lado do aumento das disponibilidades hídricas têm-se intensificado. Uma das obras que tem sido exigida é uma barragem na Ribeira da Foupana.

A urgência do avanço desta obra foi, de resto, defendida na sessão “Água no Sotavento”, promovida há uma semana pela Associação de Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento, onde participaram «especialistas em planeamento de usos da água» e mais de uma centena de personalidades, entre as quais os diretores regionais de Agricultura e Pescas, Pedro Valadas Monteiro, e da Agência Portuguesa do Ambiente, Pedro Coelho.

«Torna-se imperioso prosseguir rapidamente com os projetos para a Barragem da Foupana», defenderam os regantes do Sotavento.

 

 

A Almargem discorda totalmente desta posição, uma vez que a Foupana «constitui um dos poucos grandes cursos de água não represados do Algarve e uma das ribeiras mais bem preservadas da região».

Nela existe «um conjunto significativo de habitats com interesse para a conservação», que se mantém «em bom estado», entre os quais «galerias ripícolas com salgueirais arbustivos, bosques baixos de loendro, tamujo e tamargueira associados ao leito de estiagem e bosques de azinho e sobro», entre outros.

A área de influência da ribeira «alberga nove habitats protegidos de acordo com a legislação comunitária e nacional».

Ainda assim, a Ribeira da Foupana não detém nenhum estatuto de proteção, embora a sua proposta de inclusão na Rede Natura 2000 seja «há muito sustentada por vários trabalhos científicos, com o objetivo de assegurar a conservação efetiva das espécies prioritárias ali presentes, bem como de melhorar a conservação e gestão de sítios já incluídos – no caso, a ZEC Guadiana».

É a presença desta riqueza natural que leva a Almargem a rejeitar a construção desta nova albufeira.

«É amplamente sabido que a construção de novas barragens constitui uma séria ameaça à conservação da biodiversidade. Assim, para além dos elevados impactes ao nível de alteração do regime hidrológico a jusante, com consequentes alterações dos ecossistemas, da diminuição de afluência de sedimentos, bem como do avanço da cunha salina (PROT, 2007), o represamento dos cursos de água tem efeitos muito substanciais nas comunidades biológicas», diz a associação ambientalista algarvia.

«A este nível, os maiores impactes estão associados à transformação de habitats, à quebra de conectividade na rede hidrográfica, e à destruição das galerias ripícolas e dos habitats terrestres adjacentes», acrescenta.

No Algarve, lembra, «já existem seis grandes barragens – Odelouca, Arade, Funcho, Bravura, Beliche e Odeleite. Todas estas acabaram, por excesso de procura, por ficar abaixo da sua capacidade de utilização nos últimos anos. A construção de mais uma barragem não vai, pois, melhorar a gestão dos recursos hídricos na região, mas apenas aumentar a pressão na sua utilização, já que vai promover o incremento de atividades altamente consumidoras de água na sua periferia».

Por outro lado, a Almargem teme que, «mesmo que, inicialmente, a prioridade seja o abastecimento doméstico, é sabido que haverá imensa pressão/lobbying para que esta nova estrutura venha alimentar mais área e consumo de água de culturas e atividades turísticas insustentáveis».

«A inundação do vale fluvial resultante da construção da barragem da Foupana causaria impactes muito substanciais nas comunidades vegetais, ao destruir as formações que se estabelecem ao longo das vertentes e afloramentos rochosos. Estas vertentes são normalmente áreas pouco intervencionadas, pelo que constituem refúgios únicos para algumas formações vegetais muito ameaçadas, que outrora ocupavam áreas maiores, como os zimbrais de Juniperus turbinata».

As diferentes espécies de peixes que vivem na ribeira serão igualmente afetadas pela construção de uma barragem.

 

Saramugo_foto LPN Life

 

Neste campo, lembram os ambientalistas, a Ribeira da Foupana é, «a par do Vascão, um dos locais onde se encontram as populações mais significativas do saramugo (Anaecypris hispanica), um peixe de água doce residente e endémico (só ocorre naturalmente na Península Ibérica) – que se encontra classificado como “Criticamente em Perigo de Extinção”, e cuja distribuição apenas ocorre na bacia hidrográfica do Guadiana (ICNF, 2008)».

Para além desta espécie, a fauna piscícola de água doce da Ribeira da Foupana «inclui ainda outros endemismos de elevada prioridade de conservação exclusivos da bacia hidrográfica do Guadiana – como a cumba (Barbus comizo) e a boga-do-guadiana (Chondrostoma willkomii)».

Desta forma, a construção de uma barragem na Ribeira da Foupana «apresenta uma relação custo-benefício claramente negativa, não só face aos elevados custos ambientais, mas também aos económico-financeiros».

«Assinalamos ainda a falta de eficácia desta solução, devido à diminuição da pluviosidade, que torna diminuto o seu contributo para a disponibilidade hídrica da região. O potencial de poupança de água seria maior se a solução incidisse sobre os diversos usos (agrícola, doméstico e golfe), bem como sobre a indispensável redução de perdas em sistemas de distribuição, quer nas redes urbanas, quer nos perímetros de rega, e sobre a diversificação das origens, através da reutilização de águas residuais e aproveitamento de águas pluviais – esses, sim, recursos a mobilizar», segundo a Almargem.

«A decisão anunciada apresenta-se, pois, desprovida de suporte técnico-científico, tendo por base um modelo de gestão dos recursos hídricos profundamente desequilibrado, pesando para o lado da procura, o qual parece ignorar a necessidade de implementação de outras medidas de adaptação complementares em vários sectores a montante, entre as quais: a reutilização de águas residuais, o aproveitamento de águas pluviais e a diminuição dos consumos ao nível dos setores agrícola, turístico e também doméstico», conclui a Almargem.

 

 

 



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