12 minutos

Cá me quer parecer que a visão e o investimento num meio de transporte que cada vez é mais valorizado por esse mundo fora são bastante “relativos”

Termina, hoje, a carreira de uma pessoa amiga, a quem vou tratar por D, doravante, para preservação da sua identidade.

Durante 36 anos, saiu de Silves (estação onde também eu entro no comboio) e veio para Faro, fizesse chuva ou sol, para cumprir o seu horário de trabalho.

Durante esses 36 anos, percorrendo a ferrovia no comboio regional, que liga Lagos a Faro, viu de tudo: greves, protestos, atrasos, esperas, comboios a abarrotar, falta de ar condicionado, carruagens vandalizadas e pouco limpas, suicídios, acidentes, policia dentro e fora do comboio, poucas opções de horários…

Enfim, quando digo viu tudo, viu mesmo tudo, com exceção de uma coisa: uma verdadeira e atuante vontade de melhorar este meio de transporte, que, para quem não sabe, serve muito mais pessoas do que se pensa: estudantes, trabalhadores que vão para diversas localidades, imensos turistas e os ocasionais viajantes, que, invariavelmente preenchem as carruagens por completo, ao ponto de haver alturas em que as portas, os corredores, todos os espaços vagos, são ocupados ou por grandes malas, ou por passageiros de pé.

Nas viagens que fazemos, acabamos por criar relações de amizade e companheirismo, que nos levam a partilhar informações, criar grupos para isso, nos quais participam, até, os mais amáveis funcionários, que nos ajudam, tantas vezes, a saber que uma composição circula com um atraso ou foi suprimida por uma qualquer razão, permitindo-nos encontrar alternativas para chegar, ou partir. E acredito que o mesmo acontece a quem habitualmente viaja entre Faro e Vila Real de Santo António.

Vamos acompanhando as medidas anunciadas, vamos comentando, vamo-nos surpreendendo com o que ainda acontece…

Há dias, o ministro das Infraestruturas João Galamba (agora caído em desgraça…), acompanhado pelo secretário de Estado das Infraestruturas Frederico Francisco e por autoridades locais, fez uma viagem de comboio num regional.

Saiu, atentem, de Faro e viajou até Olhão. Um curto percurso que durou, sim, 12 minutos!

Entre Faro e Olhão, apenas temos a estação do Bom João e, palpita-me, que o comboio onde seguiu a comitiva não saiu com atraso (Deus nos livre!), não foi um dos que seguem em hora de ponta (os apertos são coisa incómoda, está claro!) e provavelmente as janelas tinham sido limpas, para aproveitar a bela vista da Ria Formosa que se tem nesse troço (importa reforçar o valor turístico deste meio de transporte, então?!).

A grande novidade dada pelo ministro foi a de que «conta fechar muito rapidamente» um concurso, lançado em 2021, para a aquisição de 117 novas automotoras elétricas, no valor de 819 milhões de euros…. O primeiro comboio deve chegar em 2026 e a totalidade das composições estará em circulação em 2029…

Disse o ministro que, «com este investimento na infraestrutura e no material circulante» pretendem «ultrapassar o abandono relativo da ferrovia durante muito tempo – demasiado tempo – e dotar o nosso país de um sistema moderno, fiável, seguro e não poluente».

O governo, salientou, está empenhado em reforçar «a atenção» dada à «ferrovia, depois de “muitos anos a não investir, a desinvestir na ferrovia”».

No Algarve, tanta modernização passa pela obra em curso, que visa a eletrificação da linha «em dois troços – Faro-Vila Real de Santo António (56 quilómetros) e Tunes-Lagos (45 quilómetros)», que terminará em 2024… mas as automotoras elétricas só chegam entre 2026 e 2029… E quando tudo isto estiver terminado, teremos uma redução no percurso total de, vejam bem, 25 minutos! Uma fartura, numa linha, que é mesmo uma linha, ou seja, só pode ter um comboio a circular num sentido e outro noutro, tendo muitas vezes um deles de esperar numa estação ou no meio do percurso, porque não há duas linhas!

Aurélio Nuno Cabrita, num artigo intitulado “O comboio chegou a «Portimão» a 15 de Fevereiro de 1903, há 120 anos”, dá nota da “saga” que foi conseguir a chegada deste meio de transporte ao Barlavento algarvio e diz: «Volvidos 120 anos, a agora apelidada Linha do Algarve encontra-se novamente em obras, com vista à sua eletrificação. Se, em 1903, o atraso na construção da via relativamente a Faro foi de 14 anos, mais de um século depois essa dilação é ainda maior, só 20 anos após a catenária ter chegado a Faro ela será uma realidade em Portimão».

Pois, cá me quer parecer que a visão e o investimento num meio de transporte que cada vez é mais valorizado por esse mundo fora, pelas possibilidades de ser bastante mais sustentável que outros (como os carros, a circularem em maioria, no Algarve), são bastante “relativos” e os picos de que fala o presidente do Conselho de Administração da IP, Miguel Cruz, são picos como os das claras em castelo, bastante volúveis, se não se tiver em conta o verdadeiro volume de necessidades.

Mas confiemos! Sejamos muito positivos! Doze minutos bastaram para que o ministro Galamba testemunhasse «a importância que este serviço melhorado, com todas as intervenções que temos vindo a fazer e queremos acelerar, terá neste território e na vida das pessoas».

Tenho pena que não tivesse feito o percurso de Vila Real a Lagos e falasse com quem usa diariamente o comboio; que não esperasse à chuva no Bom João e noutras estações, porque o comboio está atrasado; que não percebesse que quase todos os dias se espera pelo Intercidades em Tunes (às vezes 50 minutos); que não visse que há muitas pessoas (sobretudo estudantes) que entre as 12h25 e as 16h17 não têm qualquer possibilidade de regressar a casa, porque não há comboios; que não visse que as composições estão permanentemente avariadas e os trabalhadores, mesmo que queiram, muitas vezes não podem fazer mais; que quem sai de casa no comboio das 6h10 de Lagos e chega de volta às 19h26 é discriminado em relação a todas as zonas urbanas, onde os comboios circulam com uma frequência muito maior e servem as populações de outro modo.

Confiemos, desconfiando…. 12 minutos são uma eternidade para alguns e tão pouco para outros.

 

 

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