Viscoso mas… gostoso?

Os insetos podem ser uma das chaves da alimentação humana no futuro. E há boas razões para isso

Um dos grandes ensinamentos do Timon e Pumbaa, personagens do Rei Leão, foi certamente olhar para o mundo dos insetos com outros olhos. Talvez também o Simba se tenha apercebido que, com a redução da biodiversidade, e com cada vez menos animais nas savanas, comer insetos pode ser mesmo o futuro dos leões.

Vou tentar ser uma Wikipédia para o mundo da bicharada. Os insetos são animais sem coluna vertebral (invertebrados, por isso), mas que possuem uma armadura externa de quitina (chamada exoesqueleto), sendo que essa substância, a quitina, é a mesma que as nossas unhas e do nosso cabelo.

Os insetos têm o seu corpo segmentado em três partes, mas não é em cabeça, tronco e membros, tal como nós. Estes animais caracterizam-se por possuírem o corpo dividido em cabeça, tórax e abdómen. A sua diversidade é imensa, das moscas aos escaravelhos, dos escorpiões às borboletas, passando pelos mosquitos, cigarras e abelhas, entre muitos outros.

Sabia que os figos, típicos do Algarve, têm as flores dentro do fruto? E que o inseto polinizador da flor tem de entrar dentro do figo para depositar os seus ovos, acabando por morrer? E que a nova geração de insetos, quando nasce, fica coberta de pólen e sai para polinizar mais figos? Espero não ter estragado o seu amor por figos, mas lembre-se que a vespa-do-figo é a responsável por existirem figos, não existindo outro inseto capaz de o fazer.

A extinção humana pode não estar (já) em causa, mas a nossa alimentação poderá ter que sofrer grandes alterações no futuro. Porquê? O aumento do preço dos alimentos, a escassez de matérias-primas, o grande impacto ecológico das explorações agrícola e pecuária, os custos de produção e a procura de subprodutos alimentares, tudo são razões para que se procure alternativas mais sustentáveis e saudáveis.

E que tal um manjar suculento e crocante?

Em 2019, e segundo as Nações Unidas, o desperdício alimentar mundial rondou os 17%, o que se converte em mais de 931 mil toneladas de comida deitada fora. Existe, portanto, uma preocupação crescente em reduzir estes valores de desperdício, apostando numa economia circular de base biológica (CBE), Isto é, tentar atingir o objetivo da neutralidade climática, sustentabilidade e com menor desperdício ou, idealmente, desperdício zero.

Comparativamente com a exploração pecuária convencional, a produção de insetos tem uma taxa de aproveitamento muito melhor. Os insetos podem fazer a decomposição de resíduos orgânicos, ocupam muito menos espaço, consomem menos água e requerem menos 62% de consumo de energia, originando menos de 95% de gases que provocam efeito de estufa.

A exploração de insetos pode, inclusive, gerar benefícios ecológicos, uma vez que, no seu processo produtivo para consumo, os insetos podem ajudar na reciclagem de matéria orgânica residual e na sua transformação em fertilizantes naturais.

Podemos usar a gordura dos insetos para biocombustível e, claro, utilizá-los como substituto proteico, quer para rações animais, quer, por exemplo, para uma simples barra energética antes de ir ao ginásio.

A diversidade de insetos e a escolha no mercado está a aumentar. Mas será que podemos ir em bando para o campo comer todo o tipo de insetos que se nos aparece à frente?

Bem, poder, podemos, mas devido à toxicidade de alguns deles a refeição pode ser a última, especialmente se estivermos nalguns países tropicais, onde estes animais arranjam estratégias de proteção potencialmente mortais – para nós, não para eles!

Obviamente que tudo o que for comercializado deve ser certificado para consumo e os insetos que encontramos à venda já foram previamente analisados em termos nutricionais e de toxicidade. Em Portugal, a comercialização para consumo humano é algo muito recente e a variedade ainda é pouca. Ainda estamos na fase de degustação de requinte: pouca variedade, mas boa qualidade.

Dada a sua composição nutricional, os insetos comestíveis apresentam compostos bioativos benéficos para a nossa saúde: melhoria da flora intestinal, propriedades antioxidantes e podem mesmo melhorar alguns parâmetros sanguíneos.

Embora esta composição dependa do tipo de inseto e do seu estado de desenvolvimento, muitos deles partilham uma composição rica em aminoácidos, proteínas de fácil digestão, ácidos gordos insaturados, micronutrientes e, como se já não bastasse, ainda são muito ricos em fibra.

Independentemente das vantagens apresentadas, os insetos continuam ainda a ser um tabu nalguns países. No entanto, existem culturas onde a alimentação incorporar uma dieta com insetos é algo perfeitamente natural e outras mesmo onde constitui a base de subsistência das populações.

Falamos de algumas tribos africanas onde os gigantes gafanhotos que dizimam as suas culturas são apanhados com grandes redes e depois são esmagados, temperados, saindo dessa caça uns hambúrgueres maravilhosos!

Em alguns países da Ásia, é comum a venda de insetos na rua para o consumo humano, Street Food, muito atrativo para os locais, como também para turistas mais aventureiros.

O consumo de insetos na Europa têm maior aceitação na Áustria, Bélgica, Holanda e França, devido à sua introdução na indústria alimentar, particularmente como uma novidade. Entre os insetos mais consumidos, destacamos os grilos, os gafanhotos e as larvas-da-farinha.

Para além de vos ter certamente aberto o apetite, ou pelo menos a curiosidade, lembrem-se que é sempre aconselhável certificar-se do que estão a comer, serem responsáveis, lavarem os dentes antes de ir para a cama… E não se preocupem de dormir com a boca aberta porque se vos entrar um inseto para o goto… pode ser que gostem.

 

Autor: Henrique Santos (Biólogo)
Centro Ciência Viva de Lagos

 

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto PaNReD – Património Digital transformado em Recursos Didáticos Digitais, financiado pelo Programa CRESC Algarve 2020, através do Portugal 2020 e do Fundo Social Europeu (FSE).

 

 

 

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