Em Alta Mora, o caminho faz-se com caminhadas e uma associação nascida há 20 anos

Associação Recreativa, Cultural e Desportiva dos Amigos da Alta Mora anda há duas décadas a recuperar tradições e a dar nova dinâmica a uma pequena aldeia de Castro Marim

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Muitos deles nasceram em Alta Mora ou nos montes circundantes há 70 ou mais anos, outros para lá se mudaram e há quem seja filho da terra, tenha saído e, mais tarde, regressado ao lar. Todos eles beneficiam há duas décadas – e cada vez mais – do trabalho que é feito pela Associação Recreativa, Cultural e Desportiva dos Amigos da Alta Mora (ARCDAA), cujo 20º aniversário se assinalou no domingo, dia 13 de Agosto.

Desde que foi criada, esta associação tem recuperado tradições antigas, promovido o convívio e colocado no mapa Alta Mora e a beleza natural que a envolve, graças às caminhadas das amendoeiras em flor, que em 2020 inspiraram um festival que teve sucesso imediato.

Mas, mais do que isso, esta associação e as atividades que promove têm sido um trunfo contra a desertificação desta localidade do interior de Castro Marim e uma forma de dar alento a uma população cada vez mais envelhecida.

Na sexta-feira, dia 11 de Agosto, a azáfama no pátio da antiga escola primária de Alta Mora, atualmente a sede da ARCDAA, não deixava dúvidas: estava-se a preparar uma festa. E não era uma festa qualquer, era a festa de aniversário de uma associação que é muito acarinhada pela cada vez mais pequena comunidade local.

Enquanto António Mestre, um dos elementos da associação, sobe a uma escada, para soltar as grinaldas já desbotadas pelo sol, que ali ficaram desde os arraiais dos Santos Populares, uma dezena de habitantes locais, todos com mais de 70 anos e alguns próximos dos 90, sentam-se à sombra. Vieram ali de propósito para falar com o Sul Informação.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 

Casimiro Afonso Gomes, que nasceu em Alta Mora e ali regressou, após ter passado 15 anos a trabalhar na Alemanha, recorda que «antes havia aí muita gente», mas que ultimamente, muitos «têm abalado». Agora, «há sítios onde quase não há gente».

«Agora já não está ninguém, é só velhotes. Aqui em Alta Mora devemos ser alguns 40 ou 50. Antigamente, havia aqui mais de mil pessoas a viver», reforça Gualdino Lourenço, também ele habitante da aldeia.

Não fosse uma conversa tida à volta de uma mesa de café, há 20 anos, tudo se alinhava para que a sorte de Alta Mora fosse a mesma de tantas outras pequenas localidades do barrocal ou da serra do Algarve: agonizar lentamente e ir caindo no esquecimento, até ficar vazia.

«Isto surgiu no café de Alta Mora. Há 20 anos, estávamos ali a beber umas cervejinhas e a malta disse: “eh pá, temos que fazer aqui uma associação que é para manter isto vivo. E avançámos. Falámos logo com a Câmara, que também achou boa ideia, fomos ao cartório a Loulé e fizemos lá a escritura», conta Valter Matias, presidente da associação que ajudou a fundar há duas décadas e aquele que todos apontam como o seu principal dinamizador.

Filho da terra, nascido «num monte a três quilómetros de Alta Mora,  chamado Fernão Gil», Valter Matias tinha por hábito juntar-se com os amigos no café, «às tardes, a falar e a conviver».

«Foi no meio disso que surgiu a ideia de criar a associação, porque estávamos a ver que se estava a perder a dinâmica. No meu tempo, ainda havia aqui uns quantos jovens, atualmente não há ninguém. Hoje só há uma jovem aí com 12 ou 13 anos. De resto, não temos mais juventude», ilustra.

 

Valter Matias – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

A primeira tarefa a que a então recém-criada associação se dedicou foi a «de recuperar e manter tradições».

«Recuperámos a questão do mastro, que era uma coisa típica que se fazia aqui antigamente. As pessoas dançavam à volta do mastro, faziam as fogueiras, celebravam os Santos Populares. Depois, começámos a promover os bailaricos para dar aqui também alguma dinâmica», recordou.

Entretanto, as festas com bailarico e alegradas por um mastro engalanado de flores tornaram-se um hábito, em Alta Mora.

«A associação veio mudar muita coisa, deu muita vida. Agora, entretemo-nos aqui», assegurou Casimiro Afonso Gomes, enquanto, ao lado, António Mestre se atarefava a enrolar a grinalda de flores de papel no mastro que se ergue no pátio da antiga escola primária.

«Somos nós que fazemos as flores [de papel] e essas coisas todas. É tudo feito pelas pessoas daqui. Demorámos mais de dois meses a fazer isto tudo», contam as senhoras da aldeia, que, apesar de se mostrarem um pouco mais tímidas, de início, depressa começam a contribuir para a conversa.

«A associação veio trazer-nos benefícios. Somos todos gente de idade e, assim, convivemos e distraímo-nos aqui muito: vimos fazer flores, vamos às caminhadas e a outros eventos. Desta forma, saímos de casa e passamos aqui o tempo. Quando não há nenhum convívio, passamos meses sem nos ver», disse a D. Maria Antónia, que fez questão de dar o seu testemunho.

«Vimos cá ensinar aquilo que sabemos e aprender coisas que não sabíamos. Estamos contentes com estes passatempos», acrescenta.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Já quando falamos das caminhadas e do Festival das Amendoeiras em Flor, os sorrisos alargam-se e os olhos até brilham: «Ahh! Isso é que traz gente para aí!».

«Nunca houve aqui tantas pessoas juntas em Alta Mora, como quando foi do Festival das Amendoeiras. Havia carros até ao meu monte», recorda Jacinto Parreira, que mora no sítio do Magoito, ali perto.

«Alta Mora era um sítio desconhecido, agora já está no mapa», reforça.

«O Festival das Amendoeiras em Flor trouxe mesmo muita gente [7 mil pessoas em 2023, segundo Valter Matias]. O primeiro foi em 2020, mas tivemos de fazer uma pausa por causa da pandemia. Este ano, voltámos a fazer e veio o dobro das pessoas», disse, por seu lado, Gualdino Lourenço.

«Agora, há muitos países que conhecem Alta Mora, ao nível da Europa. Espanhóis então, é por demais, vêm todos para aqui, para caminhar, caminhar».

Tudo isto, disse ainda o habitante de Alta Mora, é graças «ao Sr. Valter Matias, que lançou isto tudo, em 2003. A partir daí é que houve as caminhadas e começaram os bailes, os convívios, almoços e jantares e se recuperou a tradição dos bonecos de Carnaval e das Janeiras».

«Se não fosse o Sr. Matias, não tínhamos estes grandes eventos. Tem demonstrado ser uma pessoa capaz de deitar muros abaixo, de construir pontes e cada um de nós ajuda no que pode. Todos trabalhamos aqui e damos o que podemos, sem intenção de lucrar coisa nenhuma», salienta, por seu lado, Jacinto Parreira.

Apesar dos elogios que todos lhe fazem, Valter Matias nunca individualiza e fala sempre em «nós».

«Houve aqui três grandes objetivos, ao criarmos a associação. O primeiro foi esse de tentar manter tradições e recuperar outras, como as Janeiras e o Carnaval aqui da serra, que é um Carnaval diferente. Antigamente, chamávamos-lhe “ferranchões”, porque as pessoas enferranchoavam-se com o que tinham em casa e depois davam umas voltas pelos vários montes e faziam uma recolha de chouriços, de figos secos, ovos e coisas assim. Cada um dava uma coisinha e faziam umas brincadeiras. Nós recuperámos isso também».

Outra tradição que se voltou a cumprir foi a do Enterro do Entrudo, «que era uma coisa que também já não se fazia. Faz-se um boneco, o boneco acompanhava o desfile e depois, na Quarta-Feira de Cinzas, que é o dia a seguir ao Carnaval, faz-se aqui o enterro, convidam-se as pessoas todas e monta-se uma mesa com os produtos recolhidos».

Outro objetivo foi «trazer pessoas novas, abrir Alta Mora ao mundo, porque as aldeias do interior estão cada vez estão mais despovoadas, já não há ninguém. Está-se a perder o interior! E nós pensámos: “O que temos para oferecer? Paisagem! Queremos trazer turismo de natureza!”».

Foi assim que começaram as caminhadas, «para dar a conhecer Alta Mora, mas também no sentido das pessoas sentirem que isto vale a pena».

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Estas caminhadas, lançadas em 2005, foram crescendo e trazendo cada vez mais pessoas. Chegou a um ponto que eram tantas as solicitações, que a associação decidiu lançar um festival, cuja organização envolve toda a comunidade.

Tudo isto dá um grande alento às pessoas que vivem naquele território que, de outra forma, «andariam aí perdidas, isoladas e sem conviver umas com as outras».

«Por exemplo, em torno do mastro são dois meses de trabalho, todos os dias. Depois, há os bailaricos de Verão. Logo vem o Festival das Amendoeiras, que são três meses de desenvolvimento de flores, decorar. Depois é o Carnaval. Eu até costumo dizer que temos uma agenda muito preenchida e é verdade. Mas eles gostam. Isto dá muito trabalho, mas também quando acaba, dá assim um vazio: “Eh pá, então e amanhã? Amanhã já não vimos?”».

Este trabalho já está a dar alguns frutos, seja porque as pessoas ganharam um renovado interesse por continuar a cuidar dos seus terrenos e a produzir enchidos e peças de artesanato, seja porque há um potencial turístico que já começa a ser aproveitado, nomeadamente por Valter Matias, que apostou num Turismo Rural – «mais uma loucura (risos)» -, o Natur Amêndoa, onde está já «a receber pessoas de todo o lado».

«E há aqui espaço para outras coisas. Se existir mais um restaurante, se houver um café com tapas, que também faz falta, um parque de caravanas, por exemplo…», disse.

Caso surjam novos negócios e gente jovem, estará a cumprir-se o terceiro grande objetivo da ARCDAA, o de combater a desertificação, evitando «que isto se perca completamente».

«Queremos trabalhar com as pessoas, porque são elas que fazem a diferença. Mesmo que tenhamos muitas ideias, sem as pessoas não fazemos nada. Precisamos de juventude, para haver aqui uma renovação, até mesmo ao nível da associação», remata Valter Matias.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 

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