Há quem fale numa decisão «um pouco incoerente», mas também quem se assuma «felicíssima» com a mudança que se perspetiva. A reorganização da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), que vai fazer com que as Ruínas Romanas de Milreu e a Fortaleza de Sagres passem para a tutela de uma empresa, sedeada no Porto, e de um instituto, com sede em Lisboa, respetivamente, não reúne consensos no Algarve.
A nova orgânica foi revelada há pouco mais de uma semana, dia 22 de Junho, após uma reunião do Conselho de Ministros.
No fundo, o que o Governo aprovou é a reorganização da DGPC que se dividirá em duas entidades.
Uma será o instituto público Património Cultural, a ser sedeado no Porto, e o outra a empresa pública “Museus e Monumentos de Portugal”, de perfil de «gestão empresarial», com sede em Lisboa.
Após o Conselho de Ministros, o ministro da Cultura adiantou que o instituto vai ter «competências de salvaguarda e conservação do património cultural imóvel e imaterial», enquanto a empresa será responsável por «gerir os museus que têm coleções nacionais e os monumentos que são património da Humanidade», como é o caso da Fortaleza de Sagres.
No Algarve, esta decisão não está a reunir consensos.

Contactado pelo Sul Informação, José Gameiro, diretor científico do Museu de Portimão e membro da SMUCRI, do Conselho Nacional de Cultura, confessou concordar «com o todo», mas não «com uma parte» desta nova orgânica.
«Eu acho que esta separação vai agilizar as questões dos museus e do património. Em especial dos museus, que tinham perdido um pouco devido ao excesso de centralismo da DGPC que era uma estrutura muito burocrática e cujas decisões não eram rápidas», disse.
Só que esta medida do Governo representa, na opinião do museólogo, uma «descentralização centralizada».
«Se havia uma direção regional, que geria três monumentos [Fortaleza de Sagres, Ruínas Romanas de Milreu e Ermida de Guadalupe], e quando se fala em descentralização, no reforço das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional que até vão receber muitos dos profissionais que estavam na Direção Regional de Cultura…», argumenta.
Outra das grandes preocupações de José Gameiro é quem é que passará a «fazer a divulgação dos monumentos».
«Ninguém estava à espera desta decisão e aqui também há o fator surpresa», acrescentou.
Mas nem todos pensam desta forma.
O Sul Informação falou também com Dália Paulo, diretora municipal de Loulé, doutorada em Museologia e antiga diretora regional de Cultura do Algarve, que vê a decisão do Governo de outra forma.
«Esta é uma orgânica e uma proposta feliz que vem dar uma nova esperança aos museus e monumentos de Portugal. Parece-me que ganhamos todos com esta reorganização porque me parece ágil, colocando o que é mais administrativo num organismo e o que é mais de representação do país noutro», defendeu.
Questionada sobre se não faria mais sentido ser uma entidade algarvia, como a CCDR, a ficar na coordenação dos monumentos, Dália Paulo respondeu que não vê, na decisão do Governo, «centralismo algum».
«Acho que a história de Portugal se conta no país inteiro. Nós [Algarve] devíamos estar contentes porque efetivamente, pela primeira vez, vamos ter um monumento [Fortaleza de Sagres] que fará parte dos museus e monumentos que contam a História de Portugal e que impactam para contar a nossa história coletiva», defendeu.

Para Dália Paulo, a inclusão da Fortaleza de Sagres é mesmo uma «valorização» para a região.
«A Fortaleza continuará a ter uma gestão feita localmente. Terá um diretor, com autonomia de um organismo que é uma empresa pública e vai ter uma agilidade maior do que qualquer outra regional», defendeu.
«Essa questão é uma falácia. Nós queremos mais do que isto? Eu estou felicíssima porque é dignificante», acrescentou.
Certo é que também José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, se manifestou contra esta decisão do Governo.
O líder da CCDR é contra esta «centralização» na gestão dos monumentos, uma vez que põe em causa o princípio da subsidiariedade.
Numa declaração enviada à comunicação social, Apolinário defendeu que a «reforma da organização do Estado na administração do Património Cultural deve seguir o princípio da subsidiariedade, a capacitação e dimensão crítica regional valorizando a passagem das CCDR para instituto público».
«O investimento no património cultural classificado carece de maior coordenação e valorização através da sua inserção na estratégia do desenvolvimento regional», defende.
«O reforço do papel da cultura no turismo sustentável, na inclusão e inovação social exige uma articulação ao nível infranacional, assegurando uma resposta de proximidade na salvaguarda do património cultural. Um exemplo desde o Algarve: O Promontório de Sagres é Marca Património Europeudevido à perseverança e vontade das entidades regionais, desde logo da própria CCDR Algarve, da Direção Regional de Cultura – promotora da candidatura – e dos Municípios, em particular o Município de Vila do Bispo», recordou o líder da CCDR.
José Gameiro mantém ainda alguma esperança que este «detalhe» da decisão do Governo seja corrigido.
«A minha esperança é que haja ainda, nesta fase após a saída destes documentos, um processo de negociação», concluiu.
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