Sociedade sénior, a desindustrialização da velhice

Já todos sabemos que um sistema de segurança social baseado na repartição direta das contribuições laborais e patronais entre ativos e reformados estará, a prazo, à beira da rutura

Um dos problemas mais sérios da nossa sociedade nos anos mais próximos diz respeito ao declínio demográfico e, nesse contexto, ao lugar ocupado pelo grande grupo dos cidadãos mais idosos. Esta relevância é tanto maior quanto vivemos um período da nossa vida coletiva em que, manifestamente, o país empobrece melancolicamente e esse empobrecimento atinge, em especial, a faixa mais sensível da terceira idade.

Outro sinal inquietante dessa tendência já longa é a industrialização dos mais velhos em lares da 3ª idade, uma opção que, em muitos casos, não dignifica os últimos anos de vida dos nossos idosos, como, de resto, a imprensa tem amplamente divulgado e fica comprovado pelo número elevado de lares clandestinos.

Já todos sabemos que um sistema de segurança social baseado na repartição direta das contribuições laborais e patronais entre ativos e reformados estará, a prazo, à beira da rutura e logo que o declínio demográfico, os baixos rendimentos e a queda estrutural do emprego motivada pela transformação digital e a inteligência artificial fizerem sentir plenamente todos os seus efeitos.

Se até lá não acontecer uma alteração estrutural progressiva, mas efetiva, no modo de financiamento da segurança social que preserve a qualidade de vida e o bem-estar dos nossos idosos mais carenciados e desprotegidos temos sérias razões para estar, deveras, preocupados e para antecipar, desde já, as respostas sociais que se impõem nesse contexto muito adverso.

É preciso, pois, para lá dessa necessária reforma estrutural, rever em profundidade toda a economia das respostas sociais, pois estamos convencidos de que é possível fazer mais e melhor com menos, também neste domínio, onde já possuímos inovação social e comunitária quanto baste para diversificar a oferta à disposição da sociedade sénior e, assim, progressivamente, ir desmantelando o velho modelo industrial dos lares da 3ª idade que tanto fizeram com recursos limitados, mas que, manifestamente, também eles, são um modelo de resposta social quase esgotado que não dignifica os cidadãos seniores da sociedade pós-industrial e colaborativa do século XXI.

No plano da teoria e da literatura a economia das respostas sociais da sociedade sénior fará parte, maioritariamente, da chamada economia dos bens comuns colaborativos (Rifkin, 2014, BCC). Vejamos algumas medidas que se podem inscrever nessa linha das novas respostas sociais.

– De acordo com o princípio de que a velhice é um projeto de vida, a reforma e a aposentação não seriam obrigatórias, mas facultativas; a lei deverá permitir ainda múltiplas formas de trabalho flexível e intermitente e, de uma maneira geral, não dificultar o acesso a esse mercado flexível aos mais idosos;

– Todas as soluções e propostas de organização comum e comunitária devem ser apadrinhadas, de acordo com os seus méritos específicos, independentemente da sua maior ou menor especificidade; os bairros comunitários são um bom exemplo de equipamento adaptado para este efeito;

– As uniões de freguesias, as misericórdias, as redes de vilas e de IPSS devem promover o seu reagrupamento e lançar propostas de inovação social que considerem em conjunto o cohousing – equipamentos e serviços comuns a várias habitações – e os serviços ambulatórios de apoio domiciliário; algumas aldeias, pelas suas características, podem ser mesmo utilizadas e experimentadas como aldeias seniores dotadas desses equipamentos e serviços comuns;

– Os cuidados integrados e ambulatórios são, porventura, o maior desafio destas novas propostas de inovação social para a sociedade sénior; as nursing homes promovem a fusão dos lares de idosos e dos cuidados continuados de saúde numa única estrutura social de intervenção mais completa e abrangente;

– A terceira idade e a velhice são um projeto de vida contra a solidão, a exclusão e o confinamento; as redes locais e as plataformas colaborativas devem criar programas de envelhecimento ativo, bancos de trabalho voluntário, centros de artes e ofícios tradicionais, projetos de turismo acessível para grupos de mobilidade reduzida, a universidade da terceira idade, iniciativas que o financiamento participativo ou crowdfunding podem patrocinar e cofinanciar.

Notas Finais

Nenhum de nós deseja o pior para o último terço da sua vida. A maioria dos lares, tal como os conhecemos, corresponde a uma oferta público-privada que poderíamos designar de industrialização e confinamento da velhice. Não tem de ser assim, mesmo que o panorama atual do Estado social em Portugal não seja nada famoso.

Entre uma oferta privada, cara e inacessível à maioria, e uma oferta pública e social com graves limitações financeiras e humanas, existem, felizmente, muitas soluções possíveis de natureza cooperativa, mutualista, comunitária e associativa que os projetos de inovação social e comunitária podem e devem promover.

As misericórdias, as IPSS, as câmaras municipais, os serviços de saúde e segurança social, as instituições de ensino superior, podem e devem constituir-se em rede social e plataforma colaborativa para empreender estes novos projetos de aldeamentos seniores, cohousing e nursing homes, programas de envelhecimento ativo e voluntariado social e novas fórmulas de engenharia social e financeira que, de algum modo, nos permitam escapar aos constrangimentos crescentes do Estado social.

Em 2050, de acordo com o INE, a esperança média de vida dos homens poderá atingir os 83,8 anos e a das mulheres 89,5 anos. Esta conquista da nossa civilização deve ser festejada. Usemos a nossa inteligência comum e a sabedoria dos mais idosos ao serviço de todos, sobretudo os mais vulneráveis, pois esse é o sinal mais distintivo de uma sociedade desenvolvida.

 

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