Assim não vos posso defender mais!

Não há quem, agora, acredite que será tomada qualquer decisão relativamente a este tema, porque não se viu vontade de mudança

Conferência Episcopal Portuguesa – Foto: Agência Ecclesia

Desde que o Relatório da Comissão independente criada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) foi conhecido, muitas foram as vezes em que defendi a Igreja Portuguesa – e entenda-se com clareza, que me refiro à sua hierarquia -, em posts, comentários, textos que arrasavam por completo esta instituição, da qual faço parte.

Eu, como muitos outros católicos praticantes e envolvidos nas atividades e vida comunitária, sentimo-nos entristecidos, desmotivados, feridos, apontados, por tantos, como parte de algo que nunca fizemos, que não encobrimos, que consideramos miseravelmente mau.

Mas, ainda assim, o facto de ter sido criada a dita Comissão era um ato de esperança, de que algo pudesse mudar e ser garantida justiça e ajuda verdadeira a quem sofreu. E lá estava eu, defendendo quem tem maiores responsabilidades, sempre crente.

Aguardava, por isso, com esperança, o dia 3 de março, data em que estava prevista a reunião da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e da qual sairia uma posição dos bispos sobre o Relatório da Comissão independente, criada por este mesmo organismo, para conhecer a situação vivida em Portugal.

Nessa mesma manhã, o Papa Francisco publicava o seu vídeo mensal, cujo tema, certamente não de forma inocente, era precisamente este. Dizia: «Diante dos abusos, especialmente aqueles cometidos por membros da Igreja, não basta pedir perdão. Pedir perdão é necessário, mas não é suficiente».

Esperava – e sublinho a palavra, pela ligação que tem à esperança, à tal que me movia nessa manhã – uma reação determinada, um gesto que nos restituísse a capacidade de acreditar que a estrutura da Igreja pode mudar e pode estar disposta a não se fechar numa redoma de autoproteção da sua hierarquia. Esperava. Esperei.

E dali, o que saiu? Mais uma comissão, apoio psicológico/psiquiátrico às vítimas, um pedido de perdão formal e a construção de um memorial: foram estas as grandes propostas saídas da reunião da CEP.

Fiquei primeiro boquiaberta, depois destroçada. Relativamente aos padres identificados como agressores, nada se faz e remete-se tudo para as dioceses, as mesmas que, ao longo de anos, não agiram, sabendo o que acontecia.

Então não estavam os bispos todos na CEP e, nesse dia mesmo, não deveriam em conjunto ter tomado essa decisão? Volto a perguntar: não estavam todos os bispos ali?

Não podem suspender ninguém, porque essa é uma decisão de cada um e, dizem estes (ainda hoje, quando escrevo este artigo, pela voz do cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente) que não se pode fazer nada com uma mera lista de nomes, sem «factos comprovados, sujeitos a contraditório» e que «qualquer pessoa que seja acusada tem de saber do que é que é acusada».

Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da Comissão Independente, revelou logo, a sua desilusão, pois esperava uma resposta «muito mais clara» da Igreja, lamentando que os padres suspeitos não fossem afastados preventivamente.

E todos ouvimos Pedro Strecht, presidente da Comissão, dizer que os factos foram identificados precisamente em cada diocese, quando se fez o levantamento histórico da situação.

Quem é suspeito tem todos os direitos. E as vítimas? E os padres que não são pedófilos, mas que são tratados como se fossem, a coberto desta atitude? E aqueles que, como eu, confiaram que, sendo membros de uma grande família de crentes, estaríamos verdadeiramente mais próximos da Casa de Deus? Que direitos nos são negados por quem tem medo de ver, de corrigir, de tomar decisões corajosas, dessa coragem que teve Jesus Cristo, ao entrar no templo e expulsar os vendilhões (João 2, 13-22), que o tornavam impuro?

Esperam, mesmo, que quem sofreu abusos volte a procurar na Igreja apoio psicológico/psiquiátrico? A sério???? E que um pedido formal de desculpas ponha fim a pesadelos, inseguranças, medos, incapacidade de lidar com tantas situações?????? E que um memorial faça justiça a todos nós??????

Ah, e já que tanto se quer proteger os pedófilos (que são doentes, bem sei e que merecem tratamento médico e acompanhamento), que «resposta concreta às suas dores e aos seus sofrimentos», como diz o Papa Francisco, lhes será garantida, com tanta vontade de comprovar factos e de garantir contraditório????? Qual é o caminho??????

As posturas, as respostas, as soluções foram titubeantes e insuficientes. Foram tristes e mal explicadas. Mas, sobretudo, foram desrespeitosas para com as vítimas, em primeira instância, e para com todos os que verdadeiramente sentiram a sua dor! E descredibilizadoras, massivamente descredibilizadoras de uma instituição que, diz o Santo Padre, «deve ser um exemplo para ajudar a resolvê-los [aos abusos], tornando-os conhecidos na sociedade e nas famílias», sendo sua obrigação «oferecer espaços seguros» de escuta e acompanhamento.

E justiça seja feita a D. José Ornelas e a mais alguns bispos que, temo, estejam muito sós na sua vontade de agir e de combater o clericalismo que é nota maior em toda esta reação e que cada vez mais parece corresponder a uma matriz identitária da instituição, uma instituição que, para fora, sempre se colocou na posição de quem é um reduto moral para todos os temas.

A verdade é que a esperança, a tal de que falava no início, desapareceu.

Não há quem, agora, acredite que será tomada qualquer decisão relativamente a este tema, porque não se viu vontade de mudança. Eu não tenho esse sentimento.

Precisava que a vossa coragem, Srs. Bispos, fosse proporcional à minha capacidade de, nos últimos tempos, ter acreditado numa verdadeira conversão, como dizemos nós católicos e de que fosseis capazes de aceitar, como fez Jesus na Cruz, o sofrimento e a vergonha, com honra, para remissão dos pecados e para reparação das faltas.

Dessa forma, estaríamos todos unidos e seriamos mais fortes, seriamos o reino do Amor em construção. E, assim, não vos posso defender mais.

Olho apenas e sempre, para Ele, que é a única esperança. E peço que, do alto da cruz, tenha misericórdia de quem sofre mais do que eu, que conforte os bons padres, que nestes dias têm sido colocados em causa, mas também tenha misericórdia de mim, para que eu não desista.

E de outros tantos como eu, que vamos dando o melhor de nós mesmos, na esperança de sermos parte, por mais pequena que seja, na construção de um mundo melhor.

 

Autora: Sandra Côrtes Moreira é licenciada em Comunicação Social, pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Comunicação Educacional, pelas Faculdades de Letras e de Ciências Humanas e Sociais das Un. de Lisboa e Algarve e Mestre em La Educación en la Sociedad Multicultural pela Universidad de Huelva. É doutoranda em Educomunicación y Alfabetización Mediática pela Universidad de Huelva.
Técnica Superior de Línguas e Comunicação na Câmara Municipal de Faro, é também Assessora do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve, membro da equipa da Pastoral do Turismo e da ONPT.

 

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