Quando Mário Centeno chegou, já a aula deveria ter começado. Os alunos, que enchiam a plateia da Escola Secundária João de Deus, em Faro, aceitaram os 15 minutos de tolerância do professor e receberam-no de pé. Centeno logo vestiu a pele de docente para falar de economia, de inflação, de preços. E também daquela altura em que jogava a bola, em Vila Real de Santo António, longe de pensar que, anos depois, seria governador do Banco de Portugal, ex-ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo.
«Isto é mais ou menos como voltar a casa», começou por dizer Mário Centeno, para início de conversa na tarde desta sexta-feira, 20 de Janeiro.
Algarvio, natural de Olhão, mas também como ligações a Vila Real de Santo António e Alcoutim, Centeno cresceu no Sul do país. O seu pai, revelou, foi aluno da Secundária João de Deus, na altura Liceu Nacional de Faro.
A conversa tida com os alunos nesta aula foi tendo estes momentos mais pessoais, mas centrou-se, acima de tudo, nas duas áreas que trouxeram Mário Centeno a Faro: economia e finanças.
O período que estamos a passar, considerou, «é desafiante» e «marcado por um processo inflacionista que já dura há mais tempo do que aquilo que era desejável».
«Isto não acontecia há muitas décadas. O último surto inflacionista foi nos anos 80 do século passado», recordou a uma plateia que o escutou atentamente.

Segundo Mário Centeno, atualmente, os bancos centrais estão «a tomar decisões para que a inflação, daqui a dois anos, seja de 2%»… e até há boas notícias.
Tal como fez em Davos, no Fórum Económico Mundial, Mário Centeno mostrou-se confiante no futuro.
A origem da inflação, defendeu, «está a esbater-se». «Falo dos choques energéticos. O preço da energia está em queda e os preços dos bens alimentares também estão com variações negativas», disse.
«Tudo isto se vai transmitir aos preços que nós vemos nos supermercados. Em conjunto com o esforço que a política monetária está a fazer, esperamos que a taxa de inflação vai reduzir, gradualmente, mas de forma sustentada, ao longo de 2023», perspetivou o ex-ministro das Finanças.
Mário Centeno pediu, ainda assim, «contenção e paciência».

«A coisa boa é que a nossa economia está em pleno emprego. Temos os fatores produtivos, emprego e capital, em Portugal e um pouco na Europa, totalmente ocupados e a produzir. A taxa de desemprego é muito baixa e podemos esperar que, nos próximos meses e semestres, isso se mantenha. É uma garantia de que o custo que possa ter este combate à inflação é mitigado», disse.
Dos alunos, vieram também algumas perguntas.
Uma delas, de um jovem estudante, foi sobre o impacto que as recentes polémicas no Governo estão a ter na economia. Centeno, como ex-ministro das Finanças de Costa, tinha uma palavra a dizer.
«A estabilidade e a previsibilidade são os dois fatores mais importantes para o sucesso económico e nenhum deles é, na sua essência, antidemocrático. Não tenho problemas com processos políticos que possam questionar-nos a nós próprios sobre se estamos no bom caminho. A única linha que devemos garantir é que respeitamos esses processos. Não estamos nem perto disso e nada disto tem impacto nas nossas decisões económicas e financeiras», defendeu.
Mário Centeno disse mesmo que «devemos acreditar na estabilidade que tão arduamente conquistámos».
É que, recordou, desde o início do século, Portugal viveu «80% dos dias em incumprimento financeiro».
«De 2002 a 2017, nós estivemos essencialmente em incumprimento financeiro, o que significa instabilidade, dúvidas dos outros sobre a nossa capacidade de cumprir… Foi a partir desse ano que se conseguiu ter resultados financeiros melhores do que era previsto», defendeu.

Nesta aula, o governador do Banco de Portugal aproveitou para deixar uma mensagem a todos os alunos.
«A melhoria dos níveis de escolaridade é a única forma que temos de poder aproveitar todos os incentivos ao crescimento económico que temos disponíveis».
Para o final, Mário Centeno deixou a resposta mais pessoal. Quando era jovem, imaginava que seria ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal?, perguntou um aluno.
A resposta pôs a sala a rir.
«Quando eu jogava à bola na Praça Marquês de Pombal [em Vila Real de Santo António], se alguma vez pensava estar aqui contigo a falar de economia, a resposta é não. Eu não te vou convidar para jogar à bola, que já não te consigo acompanhar, mas as minhas preocupações – e não vou dizer de que clube sou – eram essas».
Comentários