Os jovens e a regionalização, o futuro em questão

A relação entre a regionalização e os jovens é, no mínimo, inquietante e perturbadora

Os jovens e a regionalização – confesso o meu embaraço em lidar com esta questão, uma das mais decisivas para o nosso futuro coletivo no curto, médio e longo prazo.

Num país cujas características mais marcantes das últimas duas décadas são o crescimento monótono, o envelhecimento, o empobrecimento de quase 20% da população e o abandono de uma parte crescente do território, a relação entre a regionalização e os jovens é, no mínimo, inquietante e perturbadora.

E isto por causa de um paradoxo em plena laboração.

Temos, por um lado, uma taxa crescente de população jovem escolarizada e formada superiormente, o que nos dá a esperança de um futuro melhor, mas, por outro lado, não vislumbramos nela aquele sobressalto cívico e político que é necessário para aceitar discutir em profundidade o tema da regionalização e, mesmo, em geral, a bondade do processo de descentralização.

Ou seja, suspeito que o debate público sobre os processos de descentralização e regionalização, por ser tão escasso e superficial, não seja mobilizador para os jovens com mais de 18 anos e, menos ainda, se não formos capazes de fazer a prova real de que há um nexo de causalidade direta e positiva entre descentralização, regionalização, desenvolvimento, bons empregos e salários atrativos.

E eu não estou certo de que seremos capazes de fazer essa prova, pois, após 36 anos (1986-2022) consecutivos de fundos europeus, ainda usamos os nossos crónicos problemas de convergência com a média europeia para acumularmos capital de queixa e, assim, continuarmos a receber ad aeternum verbas dos fundos de coesão da União Europeia.

E por que existe essa indiferença geral e, mesmo, bastante suspeição dos jovens em relação ao processo político de descentralização e, mais ainda, ao de regionalização?

Em primeiro lugar, as autoridades públicas e políticas não trataram um assunto de natureza constitucional (a regionalização administrativa) com a dignidade que ele merecia, ou seja, não só pecaram ao longo de décadas por omissão constitucional, como não o desclassificaram em sucessivas revisões constitucionais, ao ponto de ele ser hoje uma espécie de peso morto na política portuguesa, e isto, não obstante a sua relevante importância socio-estrutural.

Em segundo lugar, porque não há, pura e simplesmente, um debate público organizado e sério sobre o assunto e uma pedagogia política acerca da complexidade, dinâmica e faseamento próprios do tema, razão pela qual predominam os preconceitos, os equívocos e muita incultura política; a ausência de uma abordagem pedagógica e faseada no tempo deu lugar a alguns afloramentos ligeiros e superficiais no espaço público que foram imediatamente capturados e polarizados pelas redes sociais e pelos discursos mais radicais, populistas e demagogos.

Em terceiro lugar, tenho dúvidas de que a mera divisão jurídico-institucional do país em regiões seja um tema mobilizador para os jovens, embora reconheça o interesse das juventudes partidárias pelo temática; porém, em termos regionais, o acolhimento, a hospitalidade e a atratividade mede-se, hoje, pela oferta de um ecossistema tecnológico e digital inovador onde existem, lado a lado, espaços de coworking, incubadoras de start up, residências permanentes, um programa de estágios e bolsas e, se possível, o embrião de um cluster de atividades artísticas, culturais e desportivas; estes são os meios inovadores e atrativos do século XXI.

Em quarto lugar, a cultura jovem das gerações nascidas no princípio deste século e que estão agora na universidade não mereceu o cuidado e a atenção que lhe era devida pelas instituições de educação, ensino, cultura e desporto e, assim, ficou à mercê das redes sociais onde o caldo de cultura está muito contaminado,

Em quinto lugar, a revolução no mercado de trabalho e na cultura trabalhista, a mobilidade e o nomadismo digital, são, hoje, imagens de marca dos mercados de trabalho que não se compadecem com argumentos gastos e promessas de desenvolvimento regional e coesão territorial; aliás, o mercado de trabalho está de tal modo segmentado e distorcido entre litoral e interior que não há espaço para uma discussão saudável sobre a evolução desses mercados e as oportunidades que se abrem para os mais jovens.

Em sexto lugar, a persistência, nas últimas duas décadas, de um crescimento monótono, de envelhecimento e abandono do interior, de empobrecimento e fluxo migratório contínuo, que os jovens conhecem bem, gerou uma falta de confiança nas políticas dirigidas à valorização do interior, em especial, as políticas de coesão e desenvolvimento rural, e criou uma suspeição recorrente contra a própria política de regionalização.

Em sétimo lugar, a responsabilidade das instituições de ensino superior é determinante, não apenas na criação de um espaço público universitário apropriado, mas, sobretudo, na formação de uma plataforma interuniversitária inovadora de investigação-ação que interaja diretamente com os territórios e o seu sistema produtivo e com a qual os estudantes se reconheçam no que diz respeito às suas saídas profissionais.

Por último, existe uma linha de argumentação que procede por ocultação, mas que muitos jovens já perceberam; ou seja, no que diz respeito à ocupação do território, o envelhecimento e o abandono do interior desvalorizam os ativos do território que, assim, ficam à mercê de quem tem capital suficiente e disponível, seja para residir ou para investir em atividades económicas; esse capital existe, é cada vez mais de origem estrangeira e uma parte substancial passa por fundos financeiros que depois são aplicados em investimentos intensivos e superintensivos, alguns dos quais de duvidosa sustentabilidade, mas, sobretudo, com uma tributação e retenção regional muito reduzidas.

Notas Finais

Aqui chegados, não fica facilitada a tarefa de identificar os jovens com a regionalização. Quero crer, no entanto, que o processo de descentralização para os municípios não suscite tantas dúvidas, uma vez que são visíveis os resultados já obtidos.

Todavia, uma eventual captura do processo de regionalização pelas máquinas partidárias, os meios de comunicação, ou por alguma espécie de acordo interpartidário, poderá agravar ainda mais essa identificação entre os jovens e a regionalização, na medida em que for percebida como uma mera instrumentalização político-partidária sem quaisquer resultados práticos sobre as condições de desenvolvimento das comunidades intermunicipais e regiões.

Cabe aos municípios, às comunidades intermunicipais (CIM) e à administração desconcentrada regional, em conjunto com as instituições de ensino superior e as associações profissionais e empresariais, estabelecerem uma plataforma colaborativa e um modus operandi que permita criar um ambiente favorável e atrativo para os jovens, de tal modo que, no final dessa metodologia/procedimento, a regionalização seja apenas o remate final da cadeia de valor acrescentado de todo o processo participativo e colaborativo.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 



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