Sejam bem-vindos atrás do pano

Desta vez, o habitual artigo mensal da Glocal Faro chega em forma de uma entrevista

Diana Bernedo e Miguel Martins Pessoa

A apresentação no Largo do Carmo em Faro, a 9 de abril último, de peças dos grupos de teatro comunitário Matemurga da Argentina e Teatro dos Vizinhes de Faro foi entusiasticamente acolhida pelo numeroso público presente, provando que o teatro pode ser uma forma de comunicação divertida, mas muito eficaz para reforçar a consciência sobre problemas coletivos.

Há várias pessoas do Glocal Faro que participam no teatro comunitário, pelo que desta vez apresentamos a nossa crónica num formato particular – uma entrevista aos mentores do teatro comunitário no Algarve, Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo.

Como é que nasceu a ideia do teatro comunitário no Algarve e que ligações existem com outros grupos?

A ideia de criar um grupo de Teatro Comunitário, primeiro em Quarteira, depois em Faro, surgiu em 2013, de uma viagem que realizei (Miguel Pessoa) à América do Sul, para conhecer vários grupos de Teatro Social que ali trabalham, muitos deles há mais de 30 anos.
Na Argentina, visitei Grupos de Teatro Comunitário, nomeadamente Circuito Cultural Barracas, Catalina Sur, Los Villurqueros, Matemurga, Las Desatadas e Patrícios Unidos de Pié. Tive a oportunidade assistir a ensaios, ver espetáculos, entrevistar encenadores e integrantes, e vendo o impacto que os grupos têm na comunidade e no território onde se inserem, foi clara a urgência em criar um primeiro grupo na cidade onde cresci, Quarteira.
A nível nacional, há alguns grupos de Teatro Comunitário, com fórmulas e metodologias diversas. Estamos em contacto com alguns, no sentido de criarmos a primeira rede de Teatro Comunitário em Portugal.

 

Grupo de Teatro Comunitário – Quarteira Fora da Caixa

Quando nasceram os grupos de teatro comunitário no Algarve, quais são, como têm evoluído e qual é o seu ponto da situação?

O Grupo de Teatro Comunitário – Quarteira Fora da Caixa nasce em 2018, com uma proposta da nossa parte à Junta de Freguesia de Quarteira, que desde o primeiro momento abraçou a ideia, à qual, posteriormente se juntou a Câmara Municipal de Loulé.
Os ensaios decorrem no Auditório Municipal em Quarteira e o grupo tem vindo a crescer desde a sua fundação. Temos um espectáculo e uma curta-metragem e de momento estamos a iniciar a criação do segundo espetáculo.
O Teatro de VizinhEs – Faro nasce em 2020, através de um convite do Teatro das Figuras para fazermos um projeto de quatro meses, cuja ideia era criar um espetáculo de Teatro Comunitário em Faro e uni-lo com o grupo argentino Matemurga. Desse projeto surge o grupo Teatro de VizinhEs – Faro, que se mantém até hoje.

Que metodologias utilizam para criar as peças que têm apresentado ao público?

Cada grupo tem a sua natureza. No nosso caso, os grupos são fortemente inspirados pelas metodologias e filosofias do teatro comunitário argentino, mas também através da nossa própria maneira de funcionar como encenadores e artistas.
As fontes que dão início a um processo criativo são muito diversas, a participação comunitária no processo é essencial.
Existem várias fases, desde o treino em diversas disciplinas cénicas; prácticas que vão proporcionar ferramentas ao grupo que facilitam a transposição teatral; primeiras conversas sobre possíveis temáticas e assuntos que nos ‘despertam fome’ ou que nos preocupam como território e como povo, passando por improvisações, criação de letras e música para canções, criação de textos, criação de personagens e das suas relações com a história.
Lançámos propostas aos Vizinhes, provocações para extrair material bruto, daí sintetizámos em composições que farão parte de dramaturgias. TODOS E TODAS participam nestas etapas de criação, porque são partilhadas e postas de acordo com aquilo que os vizinhes querem contar.
Parte da participação é, além de artística, humana, preparamos lanches, fazemos picnics, jantares, etc.

 

Teatro de VizinhEs – Faro

E quanto aos temas? As peças apelam à participação cívica e a causas sociais, nomeadamente a questões ambientais?

Sim, o teatro reflete o comportamento humano em infinitas perspetivas. No Teatro Comunitário, sendo um teatro que apresenta realidades coletivas, inevitavelmente aparecem estas questões, porque são assuntos que nos preocupam. Preocupa-nos o futuro do planeta, dos jovens, o presente das pessoas idosas, e o nosso dia a dia, nesta sobrevivência numa sociedade capitalista que não funciona.

Com que recursos e apoios contam para manter os grupos de teatro comunitário?

O Teatro Comunitário tem uma parte de autogestão e uma parte de apoios das autarquias.

E quais são as características das pessoas integram os grupos de teatro?

A característica principal é ter vontade de participar num Grupo de Teatro Comunitário. Não há condições específicas, todos e todas são bem-vindes! Só é preciso atrever-se.

Que objetivos e resultados esperam e/ou já conseguiram com o teatro comunitário?

Recebemos testemunhos maravilhosos de pessoas muito diferentes, a relatar as suas impressões como participantes ou como público, sobretudo impressionadas por verem tantas pessoas de diferentes idades, a actuar, jogar, cantar e trabalhar juntas. Isto é verdadeiramente transformador. Ninguém é mais nem menos que ninguém, todos e todas têm voz e lugar. Os mais velhos aprendem dos mais pequenos e vice-versa. Criar e actuar juntos empodera-nos.

Como é que perspetivam o futuro do teatro comunitário no Algarve?

Oxalá surjam mais grupos!

Querem acrescentar mais alguma coisa?

Se quiserem experimentar, juntem-se a nós. Agora que já espreitaram atrás do pano, querem experimentar ser atores? Podemos garantir é muito divertido e estimulante participar em todas as fases – da criação à apresentação das peças!

 


Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo são fundadores e mentores do coletivo JAT e dos grupos de teatro comunitário do Algarve: Teatro dos Vizinhes de Faro e Quarteira Fora da Caixa.

 

 

 



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