Plano de Recuperação e Resiliência: o caso particular do Algarve

Urge apostar nos setores industrial e tecnológico, suavizando a importância e o peso relativo do turismo na região do Algarve.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um plano de âmbito nacional, que visa implementar um conjunto de reformas e investimentos destinados a recuperar o tecido produtivo, articulado com as transições climática e digital, reforçar a criação de emprego, reforçar a coesão económica, social e territorial e retomar o crescimento económico sustentado, num período pós-pandemia, reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década.

Perante os severos e inesperados impactos da pandemia nas economias europeias, o Conselho Europeu criou o Next Generation EU. Este, por sua vez, é um instrumento estratégico europeu de recuperação para mitigar o impacto económico e social da crise provocada pela pandemia da covid-19, num período de execução até 2026.

Este instrumento contém o mecanismo de recuperação e resiliência onde se enquadra o PRR que, por sua vez, é um plano de reformas e investimentos que foi estruturado em três dimensões estruturantes: resiliência, transição climática e transição digital.

O PRR português será financiado por fundos Next Generation EU, num valor total de 16,6 mil milhões de Euros distribuídos por 13,9 mil milhões de Euros (i.e., 84% do valor total) sob a forma de apoio não reembolsável a fundo perdido (subvenções) e 2,7 mil milhões de Euros (i.e., 16% do valor total) na vertente de empréstimos.

No caso específico da região do Algarve, o PRR deverá complementar os investimentos estruturais do programa operacional regional com um reforço da sua dotação em 300 milhões de Euros, tendo como incremento de foco a criação de valor, a criação de emprego e a diversificação da base económica do Algarve, assegurando a importância estratégica do turismo para a balança de pagamentos, aliciando o desenvolvimento de outros setores de atividade alinhados com a RIS3 regional (mar, agroalimentar e alimentação saudável, indústrias culturais e criativas, energias renováveis e saúde e bem-estar).

A maior incidência da crise socioeconómica provocada pela pandemia da covid-19 verificou-se na região do Algarve devido à sua base económica altamente dependente do turismo.

Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) regional do Algarve cifrou-se em 8706 milhões de Euros, o que representou uma quebra histórica de -16,7% face ao período homólogo de 2019, sendo este o dobro do decréscimo verificado a nível nacional (-8,4%).

O contributo do Algarve para o PIB nacional foi de 4,4% (i.e., -0,4 pontos percentuais do que em 2019). Na região do Algarve, o PIB per capita aferido em paridades de poder de compra fixou-se em 78% da média da UE (i.e., -10 pontos percentuais face ao ano de 2019). Para a contração real do PIB regional do Algarve contribuiu significativamente o decréscimo do Valor Acrescentado Bruto (VAB) dos ramos do comércio, transportes e alojamento e restauração de -33,9%, mais acentuado que a média nacional (-17,5%).

Estes ramos de atividade económica têm relevância significativa na estrutura produtiva da região e foram fortemente afetados pela diminuição da atividade turística associada às restrições impostas pela pandemia.

Ao mesmo tempo, o Algarve foi a região do país com o aumento mais acentuado da taxa de risco de pobreza (i.e., + 3,9 pontos percentuais face ao ano de 2019). O forte impacto da crise pandémica na região do Algarve teve consequências ao nível do crescimento e do emprego, algo que se refletiu no rendimento e nas condições de vida das famílias.

Os efeitos severos da crise pandémica aceleraram e agravaram a desigualdade social, tendo um forte impacto na economia e na sociedade, atingindo significativamente os grupos sociais mais vulneráveis.

Estes dados sugerem que a região do Algarve precisa de apostar na diversificação da sua base económica com outros setores de atividade alternativos ao setor do turismo que criem mais emprego e gerem elevados níveis de valor acrescentado e que sejam capazes de tornar a economia algarvia mais competitiva, dinâmica, inclusiva, resiliente, atrativa, coesa, estável, verde e sustentável para enfrentar possíveis choques externos futuros, independentemente da sua natureza.

Assim, e em relação à região do Algarve, o PRR apresenta os seguintes investimentos estruturais:

>> O plano regional de eficiência hídrica, com uma dotação de 200 milhões de Euros, que visa a adoção de medidas de eficiência do lado da procura (setor urbano, agrícola e turismo), a promoção do uso de água residual tratada e o reforço da gestão e monitorização do recurso.
Do lado da oferta, é de salientar a promoção do aumento das disponibilidades hídricas da região recorrendo à otimização da exploração das infraestruturas existentes e ao reforço do sistema com origens de água complementares;

>> A requalificação da variante a Olhão da EN125;

>> A ligação transfronteiriça entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana que irá representar um investimento promotor do desenvolvimento do interior.

Não disputando as opções anteriores, sendo o Algarve uma região fortemente dependente do turismo, seria interessante considerar ainda as seguintes áreas/projetos de investimento:

>> A construção do Hospital Central Universitário do Algarve;

>> A criação de uma estratégia regional de habitação para resolver os problemas de acesso à habitação na região para promover a coesão social.
O Algarve é a região do país com maiores dificuldades no acesso à habitação e tem as casas mais caras do país, logo depois de Lisboa, devido aos efeitos que o turismo tem provocado na região.
Logo, para fixar a população local e atrair novos residentes, a região tem que garantir habitação a custos acessíveis para a classe média e para os jovens.
É importante salientar também a criação de alojamento universitário a custos acessíveis para os estudantes portugueses, mas também para os estudantes internacionais que a Universidade do Algarve nos últimos anos tem atraído através do slogan “Estudar onde é bom viver”;

>> A criação de um metro ligeiro de superfície com ligação ao Aeroporto Internacional de Faro, à Universidade do Algarve, a Loulé e a Olhão, bem como o desenvolvimento do estudo de viabilidade da ligação ferroviária do Algarve a Andaluzia.
É importante salientar também a criação de uma rede de transportes públicos mais sustentáveis, do ponto de vista ambiental e investimentos na eletrificação da linha ferroviária do Algarve;

>> O apoio ao desenvolvimento do projeto mobilizador do Algarve Biomedical Center (ABC), que resulta do consórcio estabelecido entre a Universidade do Algarve e o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), potenciando o desenvolvimento do conhecimento na saúde, bem-estar e ciências da vida e sua transferência para o mercado gerando efeitos multiplicadores sectoriais;

>> O investimento no porto de cruzeiros de Portimão, no Barlavento algarvio, com a reintrodução e consolidação da ligação marítima com a Madeira e Marrocos, integrando soluções limpas e sustentáveis do ponto de vista energético de forma a minimizar custos de contexto e consumos.
Para afirmar o potencial desta infraestrutura portuária e o seu contributo para complementar e diversificar a oferta turística é preciso proceder ao desassoreamento do rio Arade até Silves.
O investimento desta infraestrutura portuária poderia ser um fator potenciador do setor turístico e de novos investimentos na reparação naval, contribuindo significativamente para a dinamização da economia local e para o desenvolvimento económico regional.

Paralelamente, e no mais longo-prazo, urge apostar nos setores industrial e tecnológico, suavizando a importância e o peso relativo do turismo na região do Algarve.

Em particular, é necessário mudar o paradigma da estrutura económica regional, apostando nomeadamente no setor agrícola, destacando-se os produtos agrícolas tradicionais como a laranja, limão, alfarroba, amêndoa e figos. É de salientar a importância de otimizar a produção tradicional da região, recorrendo à tecnologia de ponta e do desenvolvimento de novas culturas.

É também importante criar uma estratégia para comercializar os produtos tradicionais da região nos mercados externos, criando mais emprego e gerando mais riqueza no Algarve, bem como valorizar os recursos endógenos e a associação das produções tradicionais da região à dieta mediterrânica e de potenciar a promoção da vida saudável.

Seria interessante criar um cluster do Mar no Algarve, apostando em atividades como a pesca, aquicultura, biotecnologia marinha, construção e reparação naval e energias renováveis marinhas, contribuindo para criar emprego e para o desenvolvimento de uma economia do mar mais competitiva, coesa, inclusiva, descarbonizada e sustentável.

Finalmente, há que desenvolver o setor das novas tecnologias através da construção do cluster TIC, recorrendo ao Algarve Tec Hub, atraindo players internacionais, empreendedores, investidores e nómadas digitais.

Autora: Ana Correia é uma algarvia de gema e com muito orgulho. É membro efetivo da Ordem dos Economistas.
É licenciada em Economia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa e Mestre em Finanças Empresariais pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
Considera-se uma apaixonada pela vida, pelo Algarve e por viagens. E, claro, é uma sportinguista ferrenha.

 

 



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