Europa, 9 de maio, uma agenda para a década

Nesta década que termina em 2030 é fundamental que possamos salvaguardar o projeto europeu e a sua legitimidade política

Celebramos hoje, dia 9 de maio, o Dia da Europa, o Dia da Paz, às portas de uma guerra devastadora entre a Ucrânia e a Rússia. É, por isso, o dia apropriado para redigir uma agenda para a década. Eis os tópicos principais dessa agenda:

1) É fundamental, mais do que nunca, um novo multilateralismo, para uma globalização regulada e uma governação multiníveis reforçada, seja para implementar o Acordo de Paris, a ajuda humanitária, a transição energética ou os efeitos de uma guerra;

2) É fundamental estabelecer uma nova ordem jurídico-política para a economia digital que regule e penalize os abusos de posição dominante dos gigantes tecnológicos, acrescente uma proteção adicional para os trabalhadores em consequência das profundas alterações introduzidas nos mercados de trabalho e respeite a privacidade pessoal dos cidadãos europeus de acordo com os princípios mais elementares de justiça social;

3) É fundamental um contrato de solidariedade intergeracional para lidar com o inverno demográfico e as relações entre as gerações e ao mesmo tempo estar atento aos continentes menos desenvolvidos e à condição humana irrecusável dos seus cidadãos, às migrações e aos refugiados, sob pena de eles nos devolveram todos os seus males em forma muita mais agravada;

4) É fundamental pensar numa União Europeia para a Saúde Pública de acordo com o princípio de que só há um planeta e uma só saúde; os efeitos longos da covid 19 e o plano de vacinação, as consequências das alterações climáticas e as próximas pandemias, irão reclamar passos importantes no que diz respeito a uma Agenda Europeia para a Saúde;

5) É fundamental acautelar o problema da nova condicionalidade macroeconómica europeia pós-covid e pós-guerra; se pensarmos que foi necessário suspender o pacto de estabilidade e o tratado orçamental para lidar com os efeitos da crise pandémica, se pensarmos nos défices orçamentais e na dívida pública acumulados, temos aqui uma bomba-relógio pronta a explodir em qualquer momento; só uma solução de mutualização da dívida conjunta europeia parece responder a esta necessidade fundamental;

6) É fundamental acautelar o problema da reindustrialização e do confronto eventual entre os campeões europeus e os campeões nacionais; uma vez que a União Europeia quer promover mais fusões e concentrações industriais e bancárias com o objetivo maior de criar campeões europeus, podemos estar na iminência de assistir a uma colisão entre os interesses nacionais e os interesses europeus, a propósito, por exemplo, das exceções e derrogações em matéria de concessão de ajudas de estado;

7) É fundamental acautelar o problema da política monetária do BCE, em particular a sua declarada proatividade no que diz respeito à compra de ativos financeiros públicos e privados; até que ponto esta liquidificação do mercado monetário irá inverter e subverter as expetativas dos agentes económicos, em especial em consequência da estagflação que está em curso, com a subida das taxas de juro de referência do BCE?

8) É fundamental acautelar as questões relativas aos novos recursos próprios e o voto por unanimidade em matéria fiscal, os problemas de soberania e extraterritorialidade em matéria de evasão e fraude fiscais, a corrupção e a proteção dos interesses financeiros da União, que continuarão a estar na agenda política europeia e a suscitar muita controvérsia;

9) É fundamental acautelar a autonomia estratégica da Europa em matéria de Defesa e Segurança face aos efeitos cruzados da guerra, mas, também, aos novos realinhamentos comerciais, financeiros e tecnológicos que dela decorrem; refiro-me às relações transatlânticas com os EUA e o Reino Unido, ao acordo de proteção de investimentos com a China após o acordo de comércio no sudeste asiático, às novas relações com a Índia e aos realinhamentos que alimentarão muitas discussões sobre o neoprotecionismo e a regionalização de algumas cadeias de valor globais;

10) Finalmente, e em todos os casos referidos, é fundamental acautelar o problema dos choques assimétricos entre os Estados membros da União Europeia por virtude das diversas transições em curso, mas, também, como resultado de decisões políticas precipitadas sobre os próximos alargamentos; é um problema muito sério que precisa de ser devidamente acautelado no plano europeu, pois podem criar-se divisões políticas graves que aumentam o número de estados membros relutantes, que tornem inevitáveis novas saídas e, em especial, a coabitação entre democracias liberais e democracias iliberais no espaço da União pode tornar-se irrespirável.

Nota Final

Nesta década que termina em 2030 é fundamental que possamos salvaguardar o projeto europeu e a sua legitimidade política, que não deixemos balcanizar a política europeia, pois é o único ator da comunidade internacional que pode, ainda, jogar nos vários tabuleiros que enunciámos.

Está a chegar ao fim o multilateralismo liberal do pós-2ª guerra e não faltarão equívocos e mal-entendidos para nos abeirarmos do precipício de uma terceira guerra mundial.

Esperamos todos que prevaleça o bom senso e a moderação e que a esperança da política e a política da esperança façam ganho de causa ao longo desta terceira década do século XXI.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 



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