Hospital público de Lagos muda-se para novas instalações em unidade até agora privada

As velhinhas instalações do Hospital de Lagos vão finalmente ser abandonadas, para que o equipamento passe a funcionar no edifício moderno que acolhia unidade privada

«É a primeira vez que, em Portugal, um hospital privado passa a público». Foi assim que Paulo Neves, membro da administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), resumiu o contrato que esta terça-feira, 25 de Janeiro, foi assinado no Hospital de São Gonçalo, em Lagos, unidade que, a partir de agora, passa a integrar o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

E foi também desta forma que, quase de um dia para o outro, a cidade de Lagos passou a ter aquilo que a vereadora Sara Coelho descreveu como «um sonho antigo»: um hospital público com novas instalações.

Em termos formais, o que foi assinado, entre os presidentes e vários membros dos Conselhos de Administração quer do CHUA, quer do grupo privado HPA Saúde, foi um «contrato de cessão de posição contratual entre o HPA e o CHUA sobre o Hospital de São Gonçalo de Lagos», na realidade um «trespasse», como também explicou Paulo Neves.

Isto significa que, a partir de agora e «a pouco e pouco», as funções, equipamentos e até o pessoal médico e não médico do atual hospital de Lagos – que está instalado num edifício propriedade da Misericórdia local datado de 1496 – serão transferidas para este novo espaço, o do até agora privado Hospital de São Gonçalo, construído em 2005 e dotado de instalações modernas.

O atual edifício do velhinho hospital, com 500 anos, «não tem as mínimas condições para continuar a funcionar como tal» e, de qualquer modo, o Estado pagava uma renda pela sua utilização. Agora, a renda vai passar a ser paga à Caixa Geral de Depósitos, proprietária do Hospital de São Gonçalo, mas por instalações condignas e que, além de permitirem voltar a criar dois blocos operatórios numa unidade do SNS em Lagos, permitem ainda, caso venha a ser necessário aumentar a capacidade hospitalar, construir mais um piso.

O novo Hospital de Lagos vai ser dotado de 44 camas de internamento, dois Blocos Operatórios, Consultas, laboratório, Imagiologia e Serviço de Urgência Básico.

 

Ana Varges Gomes, presidente do CA do CHUA, sublinhou que «hoje é um dia de festa para o CHUA, mas também para toda esta população deste lado do Barlavento algarvio, porque desde que nós tomámos posse, que esta administração sabia que as instalações do atual Hospital de Lagos não são condignas dos nossos profissionais e dos nossos utentes, e portanto era um dever nosso procurar alternativa».

A ideia de instalar o hospital público de Lagos no edifício do hospital até então privado surgiu em Janeiro de 2021, quando parte das instalações do São Gonçalo foram cedidas pelo Grupo HPA ao CHUA, para aí criar uma enfermaria destinada a doentes não covid. «A partir de Março, começámos as conversações, para podermos chegar agora, quase um ano depois, finalmente, a este momento», sublinhou aquela responsável.

No fundo, a mudança do hospital público para estas novas instalações mais não é que sair de um local arrendado já sem condições, para outro, também arrendado, mas com todas as condições. No entanto, admitiu Ana Varges Gomes, não foi fácil fazer o Ministério da Saúde entender e aceitar a troca. Daí que tenha elogiado a «paciência» do Conselho de Administração do Grupo HPA Saúde, na pessoa do seu presidente João Bacalhau, ao longo destes meses de negociações: «Paciência, porque foi um processo, também pela sua novidade para a tutela, que demorou mais tempo. Nunca se fez algo deste género, o que criou aqui mais dificuldades».

Respondendo a uma pergunta do Sul Informação, Ana Varges Gomes anunciou que a equipa de saúde do Hospital de Lagos será reforçada, uma vez que «teremos valências que, neste momento, aqui vão ser possíveis e que não tínhamos lá nas instalações antigas, nomeadamente os blocos operatórios. Mas vamos também reforçar a oferta a nível de consultas de especialidade, trazendo os profissionais para fazerem essas consultas na proximidade. Isso que implica que os doentes não terão que se deslocar até Portimão».

Quando é que o Hospital de Lagos estará a funcionar na totalidade nas suas novas instalações é algo que não está ainda definido, pelo menos não foi anunciado. A presidente do CHUA admitiu apenas que a mudança será feita «gradualmente».

 

E será que estas novas instalações significam maior despesa para o Serviço Nacional de Saúde?, quis saber o Sul Informação. Embora sem revelar quais os montantes envolvidos, Ana Varges Gomes disse que sim, mas sublinhou que «também as condições são outras, são coisas completamente diferentes».

A vereadora Sara Coelho, por seu lado, recordou que «esta é uma velha batalha, não só do concelho de Lagos, mas também dos outros dois que compõem as Terras do Infante: Aljezur e Vila do Bispo». É que, frisou, «era público e reconhecido que o nosso velhinho hospital de Lagos já não tinha a capacidade para dar resposta às necessidades, nem as valências que foi perdendo ao longo do tempo podiam ser retomadas naquele local».

Como já tinha referido a presidente do CHUA, «se fossemos construir um novo hospital, mesmo que ele fosse autorizado, se calhar nem daqui a cinco anos tínhamos essas instalações prontas. Desta maneira, conseguimos ter de facto um novo hospital, tornando real aquilo que era uma necessidade premente».

E porque razão só hoje, a cinco dias das Eleições Legislativas, foi assinado este contrato e anunciada a mudança?, quis saber, mais uma vez, o Sul Informação.

Ana Varges Gomes garantiu que «é uma coincidência. Porque começámos as negociações em Março do ano passado e, desde essa altura, que estamos à espera. Foi preciso falar com a senhora ministra, pedir os pareceres necessários, ACSS, secretário de Estado da Saúde, secretário de Estado do Orçamento…». Todo esse processo culminou hoje, com a publicação, em Diário da República, da Portaria de Extensão de Encargos. «Só com essa Portaria publicada podíamos assinar o contrato».

Além do mais, acrescentou Paulo Neves, a renda já começou a ser paga pelo CHUA à CGD/SaudeInveste este mês de Janeiro.

 

João Bacalhau, presidente do CA do Grupo HPA Saúde, aproveitou, por seu lado, para sublinhar o bom relacionamento entre o grupo privado e o CHUA, salientando a importância de Lagos ter um bom equipamento de saúde público. «Se tivermos aqui na zona um hospital público, do SNS, de qualidade, é bom para todos. Esta concorrência saudável é importante, até para nós, porque nos obriga a elevar a qualidade da nossa oferta».

Mas o médico e administrador garantiu que o Grupo HPA «não sai de Lagos», apesar de sair do São Gonçalo. «Vamos fazer uma expansão significativa ao Hospital de Alvor, que vai ter mais unidades funcionais. Por isso, aqui em Lagos, deixamos de precisar de uma unidade tão grande, mas vamos ter uma clínica para dar a resposta necessária aos nossos clientes desta zona».

O Grupo HPA Saúde irá reforçar a sua presença na região do Barlavento com a inauguração de duas novas unidades na cidade de Lagos e mais uma ampliação ao Hospital Particular de Alvor. As unidades em Lagos serão dedicadas ao diagnóstico e atendimento ambulatório, enquanto as melhorias no HPA-Alvor incidirão na área da Oncologia, Oftalmologia, Exames Especiais, Bloco Operatório e respetivo recobro.

«Lagos e toda esta zona do Barlavento estão em crescimento, pelo que é preciso que haja respostas de saúde adequadas», tanto públicas, como privadas, enquadrou João Bacalhau.

Ou, como disse a vereadora Sara Coelho, «o crescimento dos serviços de saúde é também o crescimento da região, vai permitir que a região se desenvolva a outros níveis, nomeadamente económico, com benefício para todos»

 

Cronologia

Janeiro de 2021 | Através de contrato de arrendamento entre ARS Algarve e HPA, por força da Lei de declaração do estado de emergência, o CHUA assume a gestão, ocupação e operação do piso de internamento do HSGL, até 26 camas, com os seus recursos humanos próprios para resposta aos doentes SNS;

Março de 2021 | Em ofício à tutela e em reunião presencial com a Ministra da Saúde, o CHUA dá conta do interesse em desenvolver esforços para realizar, com acordo de princípio do HPA, a transferência do antigo hospital de Lagos para o HSGL se para tanto conseguir as mesmas condições de exploração desta unidade com o Fundo Imobiliário da CGD (dono das instalações);

Agosto de 2021 | Na presença do SE Adjunto e da Saúde, no aniversário do CHUA em Faro, dá-se a assinatura do entendimento com HPA e mantem-se ocupação do internamento de doentes SNS no HSGL até conclusão das negociações com o Fundo SaudeInveste da CGD;

Setembro de 2021 | Obteve-se acordo de princípio para renegociação contratual direta entre CHUA e CGD e entendimento das tutelas sobre competência legal para a sua conclusão, condicionando-se a autorização de assunção de encargos plurianuais;

Novembro de 2021 | Submete-se às tutelas (saúde e finanças), o pedido de Autorização de Encargos Plurianuais;

Dezembro de 2021 | Fecho do acordo com HPA para a Cessão de Posição Contratual;

Janeiro de 2022 | Conclusão das negociações com o fundo da CGD/Saude Investe;

25 de Janeiro de 2022 | Assinaturas de contratos entre o CHUA e HPA e de seguida, entre o CHUA e a CGD/SaudeInveste, a 27 janeiro, para transmissão e arrendamento da unidade hospitalar exclusivamente para o CHUA/SNS até 44 camas, Bloco Operatório, Consultas, laboratório, Imagiologia e Serviço de Urgência Básico.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação e CHUA

 

 



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