Os 50% de desconto nas portagens da Via do Infante que, afinal, são só 30%

Desconto foi aplicado ao preço original das portagens, mais alto do que o que era cobrado a 30 de Junho

Os utentes da Via do Infante que esperavam pagar, no dia 1 de Julho, metade do valor de portagem do dia anterior, tiveram uma desilusão. O Governo, apesar do anúncio de que iria baixar as portagens em 50% a partir do início deste mês, surpreendeu os cidadãos, mas também a oposição, ao aplicar a redução aos valores cobrados originalmente, em 2011.

Desta forma, os descontos reais, em relação ao que os utilizadores desta autoestrada estavam a pagar a 30 de Junho, rondam os 30% e não os 50% prometidos.

O deputado algarvio Cristóvão Norte, eleito pelo PSD, partido que, em Novembro, apresentou a proposta de redução das portagens nas ex-Scut para metade, não poupa críticas ao Governo.

«Isto é o grau zero da ética, independentemente das questões jurídicas. Eu nunca testemunhei, durante a minha atividade política, um ato tão escabroso, do ponto de vista ético, quanto este», acusou, em declarações ao Sul Informação.

Cristóvão Norte defende que a decisão do Governo «revela um desprezo pelos cidadãos, um desprezo pela Assembleia da República e uma vontade de impedir o cumprimento da lei».

É que esta medida foi aprovada em Novembro na Assembleia da República por quase todos os partidos da oposição, apesar dos votos contra do PS.

 

João Vasconcelos num protesto contra as portagens na Via do Infante

Para o também algarvio João Vasconcelos, este é «um artifício manhoso» e uma «pouca vergonha da parte do Governo».

Em declarações ao Sul Informação, o deputado à Assembleia da República e fundador da Comissão de Utentes da Via do Infante, que desde a primeira hora contesta as portagens na A22, acusou o Governo de estar «a ludibriar os utentes, as famílias e o Algarve».

É que, de facto, as coisas seriam bem diferentes, caso o executivo socialista liderado por António Costa tivesse respeitado aquele que, para João Vasconcelos e Cristóvão Norte, é o espírito da proposta aprovada em Dezembro na Assembleia da República e que está inscrita na Lei de Orçamento do Estado de 2021.

Mais do que uma questão política, esta é uma questão que diz respeito às bolsas dos que utilizam a Via do Infante, uma vez que, principalmente nos troços mais caros desta autoestrada, a diferença entre fazer o desconto usando o valor das portagens em 2011 ou o em vigor a 30 de Junho é elevada.

Quando a A22 começou a ter taxas, há nove anos, passar no pórtico existente entre o nó de Monte Gordo e o de Tavira – ao qual também é associado o troço entre Monte Gordo e Castro Marim – custava 2,30 euros. Esse valor, entretanto, baixou para os 1,75 euros, na sequência de uma portaria de 2016.

Com a redução agora operada, dos tais 50%, os utentes passaram a pagar 1,25 euros. Mas, se o desconto fosse feito tendo em conta o valor que estava em vigor em Junho, a taxa cobrada seria de 90 cêntimos, segundo as nossas contas.

 

 

Por outro lado, caso o desconto fosse aplicado ao valor cobrado há duas semanas, o preço a pagar pelos utilizadores à passagem por qualquer um dos cinco pórticos existentes entre o início da Via do Infante, em Lagos, e a Guia, não atingiria os 50 cêntimos. Assim sendo, é igual ou superior a este valor em quatro destes lanços da A22.

Continuando as comparações, quem percorrer a A22 de ponta a ponta, paga agora 6,2 euros, quando inicialmente gastava 11,6 euros. Aqui, como é fácil de perceber, a redução não chega sequer aos 50%, embora ande perto.

Caso o desconto fosse aplicado aos preços que vinham sendo aplicados antes deste redução, fazer toda a Via do Infante custaria 4,65 euros, 1,55 euros a menos do que agora.

Esta terá sido a forma de o Governo mitigar os impactos de uma medida que criticou e, inclusivamente, tentou evitar.

«Nós aprovámos isto em Novembro. E, desde então, o Governo fez tudo ao seu alcance para impedir a vigência da lei», recordou Cristóvão Norte.

«Primeiro, apodou a aprovação da proposta do PSD como ilegítima maioria negativa. Disse que era irresponsável do ponto de vista orçamental e ameaçou recorrer para o Tribunal Constitucional. Goradas todas essas tentativas de impedir que a lei avançasse, comprometeu-se que esta entraria em vigor tal e qual foi aprovada pela AR», acrescentou.

A lei acabou por ser aplicada, regulamentada por uma portaria de 30 de Junho. Mas com um pormenor que fez toda a diferença: a revogação de todas as portarias posteriores ao decreto-lei original, de 2011, nomeadamente as que estipularam os descontos que estavam em vigor até final do mês passado.

 

Cristóvão Norte

 

Desta forma, considera o deputado social-democrata, ficaram a faltar «dois aspetos nevrálgicos. O primeiro, a redução efetiva em 50%. O segundo, a majoração de 25% [além dos 50%] em relação às viaturas elétricas».

Esta última referência é à redução de 75% para veículos elétricos e não poluentes, também aprovada em Novembro, com a qual o Governo alegou que não irá conseguir avançar desde já, devido a questões técnicas, prometendo que «a regulamentação será oportunamente implementada através de portaria».

«Do ponto de vista jurídico, estamos a avaliar todas as possibilidades e condições, já que, se houver a oportunidade de garantir que a lei se venha a cumprir, nós não hesitaremos em recorrer à justiça. Se tivermos de recorrer aos tribunais, não enjeitaremos essa possibilidade», prometeu o deputado algarvio do PSD.

«O Bloco de Esquerda irá pedir esclarecimentos ao Governo, porque, de facto, não se compreende. O que exigimos é que seja feita essa redução do preço a partir dos valores de 30 de Junho. Não aceitamos esta manigância», disse, por seu lado, o deputado bloquista João Vasconcelos.

O Sul Informação tentou obter do Ministério das Finanças uma explicação sobre a opção de aplicar o desconto ao valor original das portagens, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.

 

 

 



Comentários

pub