As Cidades CIM, uma cidade para todas as idades

A Cidade CIM é um caso particular da cidade para todas as idades

À medida que envelhecemos, percebemos melhor a razão de ser de uma cidade para todas as idades. Por isso, a cidade inteligente e criativa do século XXI só pode ser um espaço socialmente construído para o exercício pleno da cidadania.

A minha tese para o futuro da cidade inteligente e criativa assenta num princípio de prudência e bom senso: as tecnologias digitais tornam a cidade mais inteligente, mas é o urbanismo nas suas várias dimensões que torna as tecnologias digitais muito mais inteligentes e criativas.

E mais ainda do que o urbanismo é a relação entre urbanidade e humanidade que está em causa na cidade para todas as idades. A este respeito, há uma revolução urbana cada vez mais iminente. A Cidade CIM (Comunidade Intermunicipal) é um caso particular de cidade para todas as idades.

 

Urbanidade e humanidade

Uma cidade para todas as idades é, em primeiro lugar, uma cidade com maior conexão das suas funções urbanas, espaços mais compartilhados e maior hibridação de funções públicas e privadas e, sempre que possível, uma cidade coproduzida com os seus cidadãos, em especial, por via do acesso aos dados públicos.

Uma cidade para todas as idades é, em segundo lugar, uma cidade mais circular e solidária, não apenas pela mutualização em rede de áreas de trabalho com outras cidades, mas, sobretudo, uma cidade que tem a ética do cuidado como seu símbolo distintivo, em especial com a sociedade sénior, não apenas na sua mobilidade, mas em todos os aspetos relativos à sua qualidade de vida.

Uma cidade para todas as idades é, em terceiro lugar, uma cidade em que as novas funcionalidades e utilizações permitidas pelas tecnologias digitais interagem com a arquitetura do espaço público e as aglomerações habitacionais e, na mesma linha, em interação com o ator-urbano, um cidadão multitarefas e multifunções, mais personalizado e solidário, o símbolo da urbanidade diligente do século XXI.

Uma cidade para todas as idades é, em quarto lugar, uma cidade com um modelo económico e social muito diversificado, uma relação privilegiada com as áreas naturais e agrícolas adjacentes tendo em vista a produção e os consumos de proximidade, mas, também, a criação de espaços terapêuticos de recreio e lazer para todas as idades.

Uma cidade para todas as idades é, em quinto lugar, uma cidade muito interativa em termos culturais, artísticos e recreativos, uma cidade que mostra o seu virtuosismo tecnológico e digital, mas que pratica a arte da dissimulação para não afrontar ostensivamente o bem-estar e a liberdade do cidadão e contribuindo, dessa forma, para uma nova estética urbana, a formação do génio e o espírito do lugar, enfim, para uma comunidade de destino.

Uma cidade para todas as idades é, por último, uma cidade assente no espírito colaborativo, na entreajuda e cooperação ajustadas à natureza de cada bem comum e com um risco moral mínimo entre os seus concidadãos, isto é, uma cidade-rede, aberta e cristalina, onde todos os efeitos de rede e aglomeração, custos e benefícios externos, são conhecidos e devidamente explicitados.

 

A nova cartografia digital do território

Os territórios digitais abrem o caminho para uma outra perspetiva de olhar para os problemas de desenvolvimento territorial. Estou, desta forma, a sugerir que a cartografia convencional de fazer território dá lugar a uma outra cartografia menos convencional e mais virtual de desenhar o mapa territorial.

O modo convencional tem uma determinada georreferenciação, se quisermos, um padrão de mobilidade mais fixo, mas, também, um modo de sociabilidade e comunicação mais presencial e emocional. O modo digital tem uma georreferenciação diferente, um padrão-fluxo e uma cartografia mais móvel, bem como uma sociabilidade e comunicação mais intangíveis e virtuais.

Se observarmos os dois modos de ocupação do território pelo prisma das três inteligências (racional, emocional e artificial) verificaremos que a inteligência emocional sai claramente perdedora quando passamos do modo convencional para o modo digital.

Ora, é a inteligência emocional que melhor consubstancia quer a ocupação do território e a nossa relação com a natureza, quer a provisão sentimental para a comunicação e a sociabilidade humanas.

Ora, esta constatação é plena de consequências quando olhamos a política de ordenamento e o planeamento urbanístico das grandes cidades, pois na mesma cidade temos dois universos significantes em profunda interação.

Como se fossem duas cidades na mesma cidade: o universo dos problemas materiais e tangíveis que precisam de ser digitalizados e virtualizados (a virtualização da realidade) e o universo dos imaginários virtuais (o realismo virtual) que aguarda para ser convertido em realidade tangível e material e outras tantas comunidades reais.

No modo convencional, os cidadãos vão ter com os serviços que estão fisicamente estabelecidos nos locais de residência de acordo com uma certa geografia urbana.

Os percursos são familiares: o quiosque, a casa das apostas, o café, a loja, o serviço público, a agência bancária, o posto dos CTT, a farmácia, a livraria, a biblioteca, o consultório, o restaurante, a galeria, a sala de conferência, entre muitos outros locais. No modo digital, e em muitos casos, são os serviços que vêm ter connosco, em linha e no terminal do nosso smartphone: o jornal online, o jogo online, as compras online, as encomendas online, o e-government e e-banking, a refeição takeaway uberizada, o teletrabalho e a telemedicina, as visitas digitais aos museus e galerias, o e-book, os eventos nas redes sociais, os webinares, entre outros

Nesta cidade a duas velocidades fica, assim, por saber como evoluem as respetivas cartografias territoriais e as representações do espaço público, como se acomodam os espaços ditos verdes, qual é a adequação da arquitetura urbana a esta dupla velocidade e como se distribui o nosso padrão de mobilidade nesse contexto. Parece, assim, que o fixo virou fluxo.

A Cidade CIM, a cidade-rede para todas as idades

A Cidade CIM é um caso particular da cidade para todas as idades, em particular nas áreas de baixa densidade onde funciona bem o princípio ativo das redes. Neste caso, todas ou quase todas as funcionalidades das Smart Cities podem ser transferidas para as Smart CIM, refiro-me a um pacote de serviços muito variado que inclui a infraestruturação digital, as redes integradas de energia e a eficiência energética, a gestão dos bairros inteligentes, as conexões e a mobilidade urbana, a administração em linha, as plataformas urbanas e a sua interoperabilidade, o ambiente e os indicadores de qualidade de vida, a recolha e tratamento de dados, a segurança dos cidadãos e, em geral, todas as utilities em operação na Smart CIM.

A Smart CIM é um produto híbrido da inteligência racional, emocional e artificial, mas, também, da inteligência institucional e da inteligência colaborativa P2P (peer to peer). É essa hibridação que permite a produção de conteúdos e serviços muito variados e, também, de várias expressões simbólicas, artísticas e culturais que são outros tantos sinais distintivos territoriais da cidade inteligente e criativa.

Em jeito de síntese, deixo aqui, para reflexão, uma caixa de instrumentos da Smart CIM para a próxima década:

– O Centro de Dados CIM e respetiva plataforma analítica territorial,
– Os Espaços de Starting up e Coworking CIM,
– As Lojas do Cidadão CIM,
– As Lojas do Empresário CIM,
– O Programa de Literacia Digital CIM,
– O Laboratório Colaborativo CIM para a economia verde e circular,
– As Plataformas CIM para os bens comuns e as utilities CIM,
– A Escola CIM de Artes e Tecnologias,
– A Agência Regional CIM para a promoção de investimento,
– A Rede de Associações CIM de jovens empresários.

Esta caixa de instrumentos diz-nos que estamos perante uma revolução urbana iminente composta de tecnologia, ecologia e humanidade que nos revelará, a breve prazo, uma nova teoria de lugares centrais da cidade-rede policêntrica de que a Smart CIM será um dos melhores exemplos.

 

Notas Finais

Aqui chegados, talvez possamos resumir a trajetória provável da cidade inteligente e criativa do século XXI como uma espécie de guerra fria entre três tipos de inteligência: a inteligência racional com prolongamento na inteligência artificial e na realidade aumentada e virtual, a inteligência emocional como suporte da criatividade e da inventiva, a inteligência institucional, solidária e colaborativa, como uma nova intermediação política e democrática.

Se a guerra das inteligências for conduzida com moderação, teremos um paradigma territorial mais policêntrico, com mais redes de cidades e maior integração do sistema natural com o sistema urbano, ciclos sucessivos de inovação tecnológica e digital cada vez mais curtos, uma pequena revolução na administração de dados abertos, novas cadeias de valor e outras tantos modelos de negócio empresarial, uma nova organização do mercado de trabalho e outras tantas formas de sociabilidade, muitos serviços de proximidade em regime ambulatório, novas linguagens simbólicas e uma outra cultura de relação, uma novilíngua, quem sabe, novos modos de regulação e governação políticos.

No final, esperamos todos que esse cadinho de humanidade, que é a cidade inteligente e criativa para todas as idades, tenha efetivamente ocorrido, de preferência num lugar privilegiado da nossa pessoal circunstância, por exemplo, numa CIM da nossa preferência.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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