Ser paciente para não ser paciente

Todos se esquecem que a liberdade é isso mesmo: o olharmos para nós, para os nossos interesses, sem esquecer os interesses dos outros

É com uma certa raiva e descrença que escrevo estas linhas, com palavras nada abonatórias ou brandas, mas este não é tempo de lenidades.

À luz de tantos acontecimentos passados, pode-se considerar, sem receios, o ser humano, como uma espécie de comportamentos desprezíveis, ou melhor dizendo, uma espécie incongruente na sua verdadeira essência: capaz de atos de extremo heroísmo, empatia, bondade e abnegação e, em simultâneo, o vilão mais miserável da sua própria História.

Portugal vive momentos inesquecíveis pelas piores razões. Em 18 de janeiro, foi anunciado que tínhamos os piores registos mundiais em mortes e novos casos (por cada milhão de habitantes).

Há filas de ambulâncias à porta dos hospitais, os médicos estão a ser obrigados a escolher entre os que têm mais probabilidades de sobreviver, as morgues estão lotadas, em alguns cemitérios, os crematórios têm lista de espera. E mesmo assim, há quem desdenhe o poder destrutivo deste vírus e continue na senda dos comportamentos irresponsáveis.

No Natal, fomos convidados a ser cientes dos nossos atos, a partilhar a mesa com poucos, para que no Natal seguinte fossemos mais. Mas, não. Não conseguimos ser pacientes. No fim do ano multiplicaram-se as festas às escondidas, como se o vírus não nos conseguisse encontrar.

Depois, há aqueles, que estando assintomáticos, fazem a vida normal — se eu não disser nada, ninguém ficará a saber — como se o vírus se escondesse atrás de uma mentira.

E, impaciência atrás de impaciência, os mortos vão-se empilhando. Números anónimos, com rosto, nas famílias que entraram — muitas delas — de forma involuntária nas estatísticas, mães, avós, avós, tios, primos, filhos, filhas…

Não são só os velhos que partem, que entram nos cuidados intensivos e enchem as enfermarias. O som contínuo do fim não escolhe idades.

É fácil julgar quem governa. Se aperta demais, é criticado; se afrouxa e dá ao cidadão a liberdade de escolher, governa mal. Parece que todos se esquecem que a liberdade é isso mesmo: o olharmos para nós, para os nossos interesses, sem esquecer os interesses dos outros.

Por falar em liberdade e a continuar no registo de quase cólera, é com pesar que assisto ao desenrolar da vida política nacional, às intenções não veladas de asfixia da nossa democracia.

O declínio da democratização é uma tendência a que estamos a assistir na Europa (e não só) e que procura dar passos largos em Portugal.

Devíamos, definitivamente, aprender com os erros do passado, mas o ser humano — e, aqui, está mais um dos nossos problemas enquanto espécie — tem memória curta e deixa-se deslumbrar por palavras desprovidas de conteúdo, sussurradas ao ouvido, por quem só deseja o poder pelo poder. O brilho do ouro é tão fácil de imitar.

Polarização política — ou és do bem ou és do mal —, populismos, xenofobia, machismo, entram-nos descaradamente pela casa adentro e a única solução é escancararmos as janelas para que saiam à mesma velocidade!

Dia 24 de janeiro precisamos, apesar de tudo, de votar. De mostrar que os portugueses sabem ler nas entrelinhas das palavras ocas e que não se ficam só pelas parangonas.

As escolas vão fechar e o confinamento vai apertar.

Precisamos, mesmo, de ser mais pacientes, para não sermos pacientes.

 

 

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