Residentes obrigados a deixar Parque de Campismo de Quarteira «sem sítio para ir»

«Queríamos sair todos, de forma ordeira, mas agora é impossível. Não temos sítio para onde ir», diz um dos utentes

Cerca de 20 famílias que têm residência permanente no Parque de Campismo de Quarteira estão a ser obrigadas a abandoná-lo até 15 de Abril. A Orbitur, empresa que gere o espaço, foi notificada de que tinha de entregar o terreno ao proprietário – um fundo imobiliário – até essa data, mas garante que está «a fazer tudo» para tentar alargar o prazo devido ao Estado de Emergência em vigor. 

Esta é uma história com vários capítulos e vicissitudes e que importa contar desde o início.

Tudo começou, em 2008, com a compra, à Orbitur, do terreno onde funciona o Parque de Campismo, por parte do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado — Invesfundo VII, do grupo Novo Banco.

O objetivo seria implementar aí um resort chamado “Quinta do Oceano”, com 9,7 hectares e um total de 499 fogos, localizados em prédios de dois ou seis andares, incluindo um aparthotel, e albergando um total de 1831 habitantes.

O projeto esteve anos na gaveta , apesar de ter obtido uma avaliação de impacte ambiental favorável, mas condicionada, datada de Fevereiro de 2018. Ou seja: tudo estava pronto para avançar.

 

Foz do Almargem e Trafal

 

Só que a “Quinta do Oceano” sempre teve a contestação vincada de associações ambientalistas, como a Almargem. Em causa, estava o facto de o resort ser implementado nas zonas do Trafal e Foz do Almargem, «duas notáveis zonas húmidas do litoral de Quarteira» e de reconhecido valor ambiental.

Os argumentos convenceram também o executivo socialista da Câmara de Loulé que, em Março do ano passado, decidiu tomar uma medida drástica: suspendeu o Plano Diretor Municipal (PDM) para aquela zona, impedindo a construção do resort. 

A decisão, justificava a autarquia, tinha sido tomada perante a «constatação da existência de um conjunto de fragilidades ambientais».

Apesar de todo este enquadramento, a Orbitur recebeu «há meses», da parte do fundo imobiliário, a indicação de que tinha de entregar o terreno até 31 de Maio deste ano.

Em declarações ao Sul Informação, Beatriz Santos, diretora da Orbitur, explicou que, «como precisamos de algum tempo para limpar o parque e o terreno, avisámos as pessoas de que tinham de sair até 15 de Abril».

Segundo a responsável, esse aviso está «a ser dado há meses».

«Em Fevereiro, fizemos um aviso às pessoas e notificámo-las por escrito. Houve meia dúzia de utentes que se recusaram a receber as cartas porque já conheciam o teor. Certo é que nós os procurámos a todos e, àqueles que recusaram, entregámos uma cópia da carta, sempre perante duas testemunhas. Todas as pessoas estão perfeitamente notificadas e cientes do que se passa», explica.

Mas os utentes, pessoas que têm residência permanente no Parque de Campismo de Quarteira, não aceitam esta justificação.

«Já sabíamos desta situação há algum tempo, sim, e até fomos notificados por carta, antes do Estado de Emergência. Mas agora, com tudo isto da Covid-19, não podemos ir para outro lado e querem fechar o parque», lamentou Miguel Matias, uma das pessoas que têm residência no Parque de Campismo, ao Sul Informação. 

O grande ponto é mesmo esse: o facto de Portugal estar em pleno Estado de Emergência impede que estas pessoas, que têm arrendada uma parcela de terreno para estacionarem a sua autocaravana, possam ir, neste momento, para outro lado.

 

Parque de Campismo de Quarteira

 

«O que queríamos é que isto não acontecesse numa altura destas. Queríamos sair todos, de forma ordeira, mas agora é impossível. Não temos sítio para onde ir», reforça Miguel Matias.

Com a entrada em vigor do Estado de Emergência, no passado dia 18 de Março, e hoje renovado, a Secretaria de Estado do Turismo tomou a decisão de encerrar os parques de campismo em todo o país, mas com uma ressalva: apenas os residentes permanentes podem permanecer nestes espaços.

De acordo com o decreto-lei, «os utentes dos parques de campismo e de caravanismo que, no momento da declaração de estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14 -A/2020, residam a título permanente nestes estabelecimentos turísticos, podem neles permanecer para assegurar a resposta à necessidade habitacional».

Neste caso, as entidades exploradores dos parques de campismo e caravanismo até têm «a obrigação de assegurar a prestação dos serviços mínimos de abastecimento de eletricidade, água, segurança de pessoas e bens e tratamento de resíduos sólidos urbanos».

Da parte da Orbitur, há a «compreensão da situação excecional destas pessoas».

«O que posso dizer é que nós próprios estamos a tentar uma extensão da utilização do terreno. Neste momento, ainda não temos uma resposta, mas estamos a tentar junto do proprietário [o fundo ligado ao Novo Banco] esse alargamento. Vamos tentar gerir a situação à medida que formos tendo feedback», disse Beatriz Santos, nas suas declarações ao Sul Informação.

 




 

E que reações tem recebido a Orbitur do fundo imobiliário proprietário do terreno?

«Foi-nos dito que a pessoa que pode formalizar uma eventual extensão do prazo de saída está impedida de viajar porque está em Espanha e que é necessário fazer uma reunião e tomar uma decisão. Portanto, nós estamos na expetativa», explicou Beatriz Santos.

No que toca aos utentes, queixam-se também de que a Orbitur, nestes últimos meses, aumentou as rendas de forma exponencial de «200 para quase 700 euros», acusações que a empresa que gere o parque refuta.

«O que acontece é que, estando a Orbitur impedida de renovar os contratos mensais, tendo-os rescindido porque não é dona do terreno e tem que o entregar ao senhorio, caso se verifique a permanência além de 31 de Março, aplicam-se os preços especiais para membros Orbitur Camping Club, mais baixos que a tabela de balcão e que nada têm a ver com os montantes indicados», disse Beatriz Santos.

De resto, segundo a Orbitur, a estas pessoas foi «dada a oportunidade de se transferirem para outro Parque Orbitur no Algarve, nomeadamente Valverde/Lagos, caso assim entendessem e houve quem já o fizesse».

Na perceção desta responsável, com a entrega já do terreno, «o fundo imobiliário poderá estar a querer fazer alguma pressão junto da Câmara que suspendeu o PDM».

 

Contactado pelo Sul Informação, Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, garantiu que essa «suspensão é para vigorar».

Quanto à questão da saída das pessoas, o autarca considerou ser algo «de uma insensibilidade absoluta». «Não se admite que se faça isto agora numa altura em que vigora um Estado de Emergência», disse.

Da parte da Câmara, Vítor Aleixo garantiu que a situação «será acompanhada». «Estaremos sempre numa posição de ajudar, apesar de respostas imediatas serem muito difíceis», acrescentou.

A Orbitur deixa a mesma garantia: «não somos nós que vamos pôr as pessoas na rua. Estamos a gerir a situação dentro daquilo que nos é possível, percebendo a inquietação das pessoas. Vamos fazer o que está ao nosso alcance».

Certo é que a empresa já tem um projeto «pronto a avançar» para outro Parque de Campismo, em Quarteira, também na zona da Fonte Santa.

«Até hoje, duram as burocracias e esperamos a emissão de licença para construir», concluiu Beatriz Santos.

 

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