Protocolo do Rîbat da Arrifana foi ponto alto de cerimónia no Centro Ismaelita de Lisboa

Antes de mais, é preciso garantir a propriedade dos terrenos onde está implantado o sítio arqueológico

Construir um centro interpretativo no Rîbat da Arrifana, no litoral do concelho de Aljezur, bem como promover a sua «pesquisa e a investigação arqueológica» ou a conservação do «espólio arqueológico existente no local», são alguns dos objetivos do protocolo que ontem foi assinado, em Lisboa, no Centro Ismaelita, numa cerimónia a que o Sul Informação assistiu.

A assinatura do protocolo que formaliza esta «parceria estratégica para efeitos da investigação, da preservação, do desenvolvimento e da divulgação» foi o ponto alto da receção diplomática alusiva ao Dia do Imamat de Sua Alteza o Aga Khan, na qual participaram perto de 400 convidados, entre os quais a ministra da Cultura Graça Fonseca.

O Rîbat da Arrifana, identificado em 2001 e classificado como Monumento Nacional desde Julho de 2013, é considerado por muitos investigadores que se dedicam ao estudo da presença islâmica medieval no Ocidente como «uma das mais importantes descobertas arqueológicas do século XXI».

O sítio arqueológico terá sido um convento de monges guerreiros muçulmanos, que começou a ser edificado por volta de 1130 da era cristã, por iniciativa de Ibn Qasi, personagem histórica natural de Silves, mahdi, cabecilha da oposição aos Almorávidas e temporariamente aliado do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.

 

O protocolo foi assinado pela diretora-geral do Património Cultural (Paula Araújo da Silva), pela diretora regional de Cultura do Algarve (Adriana Freire Nogueira), pelo presidente da Câmara Municipal de Aljezur (José Manuel Gonçalves), pela Universidade Nova de Lisboa, através da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa e do seu Instituto de Arqueologia e Paleociências (IAP), naquele ato representada pelo reitor João de Deus Santos Sàágua e pelo diretor da FCSH Francisco Caramelo, bem como por Luis Monreal, diretor-geral do Fundo Aga Khan para a Cultura, fundação privada registada em Genebra, Suíça.

A parceria entre aquelas entidades destina-se, assim, a promover a cooperação em projetos que garantam «a proteção legal do sítio arqueológico», a preservação do «contexto paisagístico» no qual se insere, a promoção da «pesquisa e investigação arqueológica», a conservação do «espólio arqueológico existente no local», a construção e implementação de «um centro interpretativo» e ainda a promoção da «investigação académica no âmbito de projetos na área da Arqueologia, História e Conservação», segundo o texto do protocolo, a que o Sul Informação teve acesso.

Todas aquelas entidades vão agora constituir e a participar num «grupo de trabalho técnico», cuja missão principal é a definição de «um plano de ação plurianual para a implementação e gestão de um centro interpretativo do Rîbat da Arrifana».

Uma das principais questões a definir por esse grupo de trabalho será a do financiamento, que deverá ser assegurado quer pelo Estado Português, quer, sobretudo, pelo Fundo Aga Khan para a Cultura.

Outra importante questão é a da compra dos terrenos onde se situa o monumento nacional, já que parte deles continua a ser de propriedade privada. É aquilo a que o protocolo se refere como «execução das ações necessárias à regularização patrimonial dos prédios onde se encontra implantado o Monumento Nacional».

 

Em declarações ao nosso jornal, no final da cerimónia, José Gonçalves, presidente da Câmara de Aljezur, salientou precisamente que «falta resolver a questão da propriedade dos terrenos». Aliás, esclareceu o autarca, foi por essa questão não estar definida que o seu Município deixou de apoiar, nos anos mais recentes, as campanhas de escavações arqueológicas no sítio, coordenadas por Rosa e Mário Varela Gomes. «É fundamental definir a propriedade dos terrenos, para se poder avançar», sublinhou.

Ao que o Sul Informação apurou junto de várias fontes, a Direção Regional de Cultura já definiu que parte do local de implantação do sítio arqueológico é domínio público, ou seja, pertence ao Estado. Falta agora negociar com o proprietário da área restante a sua compra, por um preço «bem mais razoável do que ele pede». Caso o proprietário não aceite o valor definido por um avaliador oficial, o Ministério da Cultura poderá avançar para a expropriação.

O grupo de trabalho vai ainda ocupar-se do «planeamento e execução das acessibilidades ao centro interpretativo, incluindo locais de estacionamento», da «coordenação da sua gestão diária» , da continuação das escavações arqueológicas e da conservação do sítio em si, bem como da criação de base de dados sobre o espólio arqueológico do Rîbat da Arrifana, entre outras tarefas.

A arqueóloga Rosa Varela Gomes, responsável pelas várias campanhas de escavações que têm sido feitas no Rîbat da Arrifana e diretora do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de Lisboa, salientou, em declarações ao nosso jornal, que a constituição formal do grupo de trabalho vai permitir «começar a ver o que se pode fazer, quais os gastos envolvidos, o que será musealizado e como, onde será criado o parque de estacionamento e o próprio Centro Interpretativo, como dar informação à população, não impedindo, por exemplo, que as pessoas possam continuar a ir pescar para aquela ponta». No entanto, advertiu, «novas escavações» ou mesmo a concretização de algumas intervenções só podem avançar «depois de a propriedade dos terrenos estar definida».

Enquanto este problema não estiver resolvido, não há prazos para que tudo isto avance e esteja concluído.

 

No fim da cerimónia, a ministra da Cultura salientou que o protocolo é «uma ocasião singular», para «dar a conhecer esta pérola arqueológica, inserida num lugar sublime da paisagem portuguesa».

Graça Fonseca frisou que o protocolo também evidencia um «encontro de culturas, do qual a cultura islâmica faz parte», sendo também «um encontro com o nosso passado», de «conhecimentos multidisciplinares» e «entre a esfera pública e a iniciativa de privados».

A ministra fez ainda um «profundo agradecimento ao Imamat Ismaili», «pelo seu empenho em colaborar de forma significativa com as instituições culturais portuguesas».

Isso mesmo já tinha sido sublinhado pelo Comendador Nazim Ahmad, representante diplomático do Imamat Ismaili, referindo que, desde a década de 70, tem havido uma «colaboração estreita».

Quanto ao protocolo, Nazim Ahmad considerou-o «um passo relevante» e um «instrumento dinamizador do estudo e da divulgação da presença muçulmana em Portugal», que é «parte do nosso património».

José Gonçalves, presidente da Câmara de Aljezur, saudou o momento: «eis-nos aqui chegados, em boa hora reunindo várias vontades e sinergias».

Nas suas declarações ao Sul Informação, no final da cerimónia, o autarca aljezurense disse ainda que a assinatura do documento «significa o reconhecimento formal de 20 anos de trabalho e de insistência para que o Rîbat possa ser o que pretendemos, no futuro».

Para José Gonçalves, trata-se de «um passo fundamental de compromisso entre entidades que têm toda a responsabilidade de fazer o que é necessário para garantir a preservação, o estudo e a valorização» do sítio arqueológico.

«Foram 20 anos, durante as quais houve importantes escavações arqueológicas que determinaram a importância deste sítio, de tal forma que foi classificado como monumento nacional. Este protocolo foi um passo muito importante, mas ainda está muito por fazer», advertiu o presidente da Câmara de Aljezur.

Na cerimónia no Centro Ismaelita de Lisboa, estiveram perto de 400 convidados, incluindo membros do Governo (a ministra e a secretária de Estado da Cultura) e da Assembleia da República, corpo diplomático, representantes de instituições governamentais e de equipas ministeriais, academia, líderes de organizações da sociedade civil e comunidade empresarial, representantes de comunidades religiosas, bem como a liderança do Imamat Ismaili, da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento e da Comunidade Ismaili.

 

 

 

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