Reforma da Justiça: dar mais dinheiro a cada juiz?

Um oportunista de aproveitamento eleitoral no imediato distribui dinheiro, na perspetiva de uns votos ocasionais, para que os poderes instalados permaneçam intocáveis

Desde o 25 de Abril que todos os Governos inscrevem no seu programa e no discurso corrente a reforma da justiça. Todavia, na prática, quase nada tem acontecido no sentido de reduzir prazos, melhorar a celeridade dos processos, democratizar as magistraturas, qualificar os juízes, etc…

Assistiremos, durante anos intermináveis, ao arrastar de processos, veja-se o caso Sócrates, o caso Espírito Santo e tantos outros semelhantes. Durante os próximos 10 anos, pelo menos andaremos nos expedientes destes casos e vai-se criando a ideia que ainda acabarão por ser indemnizados os artistas principais por eventual difamação.

Nas empresas, quem é vitima e recorre à justiça passará anos sem qualquer decisão e, quando ela chega, já nada resolve. Por sua vez, quem está de má fé tem sempre a ideia de recorrer à justiça para prejudicar a outra parte, sabendo de antemão que o assunto se arrastará anos e anos e, com isso, penaliza ainda mais a outra parte.

Esta é a realidade que todos conhecemos. Quem está de boa fé tem medo de recorrer à justiça. Sabe, apenas, que perde tempo e dinheiro, seguramente.

Todos os anos, na solenidade da abertura do ano judicial, os poderes políticos e as corporações da Justiça discursam prometendo tudo mudar, mas exatamente tudo fica na mesma como dantes. Vai assim a credibilidade destas figuras.

Em tempos, os agentes da Justiça tiveram um magno encontro do qual saiu uma rigorosa lista de medidas a tomar para melhorar o funcionamento do sistema. Alguém será capaz de identificar uma que tenha sido tomada até hoje?

É muito estranho que, entre juízes, procuradores, Ministério da Justiça, advogados e funcionários não tenhamos muita gente capaz de tomar decisões certas e sequenciadas para que sucessivamente o sistema vá melhorando. Alguns falam, mas o sistema está quase fechado e a mudança não é fácil.

Seria preciso um bom entendimento entre Governo e Oposição, quaisquer que eles sejam. Pensam, até agora, no curto prazo e não com postura de estadistas, é o que parece.

Assistimos, sim, com frequência, a condenações do Estado Português nos Tribunais Internacionais pela morosidade e pelas más decisões dos nossos juízes.

Todos conhecemos adiamentos sucessivos de diligências nos Tribunais, sem justificação nenhuma. Apenas enrolar e empatar irresponsavelmente. E ninguém é punido por isso.

E bem sabemos do carácter corporativo das magistraturas. São como a Policia Judiciária Militar. Apenas servem para se defender a si próprios. E, como eles estão em maioria nos Conselhos Superiores, são os primeiros a opor-se a qualquer mudança que mexa no sistema instalado e na proteção corporativa dos seus membros, os quais são e serão, no juízo deles, sempre intocáveis.

Por isso a confiança dos portugueses na Justiça vai caindo cada vez mais. Não se confia, nem se acredita nos Tribunais. Casos tipo Neto de Moura abundam em cada esquina e todos nós conhecemos alguns.

A irresponsabilidade é a regra geral de funcionamento das magistraturas, ou seja, não respondem pelas más decisões que tomam. E sabem que os ditos órgãos superiores nada fazem, salvo em algum escândalo gritante de flagrante incompetência.

Prendem-se a detalhes formais e deixam de lado o bom senso e a razoabilidade das coisas. Vivem num mundo fechado, de linguagem hermética, em que a razão está sempre com eles, numa sobranceria cultivada.

E, com uma Ministra procuradora, o sistema fica fechado e com a garantia que o estado das coisas ficará na mesma ou pior para os contribuintes.

Quando o razoável seria que o Governo anunciasse um conjunto de medidas para simplificar a justiça, evitando expedientes dilatórios, sujeitando os juízes e procuradores a uma avaliação democrática nos Conselhos Superiores, encurtando prazos, etc.. nada disso acontece para que possamos confiar no sistema.

Pelo contrário, estando à beira de eleições, a única medida anunciada é a de dar mais dinheiro dos contribuintes a cada um dos juízes. Sem os obrigar a nada em troca. Podem continuar a fazer o mesmo, mas a ganhar mais dinheiro.

Um estadista teria a visão da reforma do sistema e das vantagens para a sociedade a longo prazo, mas um oportunista de aproveitamento eleitoral no imediato distribui dinheiro, na perspetiva de uns votos ocasionais, para que os poderes instalados permaneçam intocáveis.

E estamos assim. Mas ou nos calamos resignados ou levantamos a voz com indignação, até que tantas vozes se levantem e quebrem o silêncio, para que este fatalismo um dia acabe.

 

Autor: José Macário Correia
Engenheiro agrónomo e agricultor

 

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