Faro e as trotinetes: novos paradigmas, velhos hábitos!

É preciso salientar que não é a medida em si que está em causa, mas sim a maneira como está a ser implementada

Segunda-feira, dia 11 de Fevereiro de 2019, foi um dia que fica na história da cidade de Faro. Neste dia, o executivo municipal lançou a mobilidade suave partilhada sob a forma de trotinetes, cerca de 75 para começar. As bicicletas partilhadas irão para concurso público e espera-se que cheguem até ao fim do ano.

Esta mobilidade partilhada é desejável num contexto de desenvolvimento sustentável e, à primeira vista, coloca Faro numa lista de cidades da vanguarda. No entanto, há que contextualizar melhor esta medida.

O Plano de Mobilidade e Transportes de Faro (PMT), aprovado em Assembleia Municipal a 26 de Novembro passado, é um documento estratégico desenvolvido ao longo de mais de quatro anos por uma empresa externa especializada em planeamento e gestão da mobilidade e que contou com contributos de vários setores da sociedade farense e entidades nacionais.

O plano foi financiado com a verba dos contribuintes e contemplava já esta medida: “Proposta 15 – Implementar um sistema de partilha de bicicletas em pontos chave da cidade”, calendário de execução a médio e longo prazo (Volume II – Fase III – PMT).

Nesta proposta 15, porém, também se pode ler que “o sistema de partilha de bicicletas deve ser implementado logo após a execução da primeira fase da rede de ciclovias da cidade”.

Aqui não há dúvidas que este sistema de partilha deve surgir depois de estarem reunidas as condições mínimas de segurança para o uso destes meios e para a coexistência saudável dos vários meios de transporte. Esses seriam os passos correspondentes à proposta 12, cujo calendário de execução é a curto, médio e longo prazo.

Deste modo, o executivo camarário dá início à execução do seu plano pela ordem inversa.

A desordem!

É preciso salientar que não é a medida em si que está em causa, mas sim a maneira como está a ser implementada.

Gastou-se tempo e dinheiros públicos na conceção de um plano, bem fundamentado e estruturado, com calendarização de ações de execução concretas, de forma a permitir o sucesso no cumprimento e objetivos a atingir, para depois se optar por ignorar a ordem de planeamento e se implementar as medidas constantes no mesmo de forma avulsa e anárquica.

Saltar um conjunto de etapas de um planeamento poderá fazer a diferença entre o sucesso ou o fracasso das medidas executadas.

“A goal without a plan is just a wish” ― Antoine de Saint-Exupéry

O edil farense afirmou que não podemos estar sempre à espera das condições ideais, caso contrário, nunca se faz nada e que com a implementação na cidade destes sistemas, vão surgir novos problemas não previstos até ao momento.

Embora estas afirmações sejam válidas, os planos servem exatamente para minimizar cenários adversos, prevendo-os e tentando solucioná-los a priori. Resumindo, o planeamento serve para tentar criar as situações mais próximas das ideais e maximizar assim o potencial de cada medida que se implementa.

“O exercício de planear é, talvez, o mais sustentável que existe, independentemente da matéria em si. É o que consegue fazer a caracterização do problema, o diagnóstico, e, perante estes, encontrar as tendências, as estratégias, que têm a ver com a visão e a missão, a criação de cenários de propostas para antecipar o futuro“ – Paula Teles, Smart Cities, arquiteta responsável pelo PMT de Faro.

Em boa verdade, estes sistemas não trazem problemas novos ao município.

A crescente utilização da bicicleta registada nos últimos três anos, como meio de transporte diário de vários munícipes, veio colocar muitas das questões que agora virão acentuar-se com esta implementação avulsa do sistema partilhado de velocípedes elétricos na cidade.

Vejamos: as trotinetes são velocípedes equiparados às bicicletas, de acordo com a lei portuguesa e o Código da Estrada em vigor, motivo pelo qual só podem circular nas vias rodoviárias ou ciclovias, sendo estritamente proibido circular no passeio (exceção se for menor de 10 anos e/ou em caso de autorização de regulamento local com respetiva sinalização) – artigo 17º, Código Estrada.

Tendo em consideração o disposto anterior e igualmente:

– o estado físico atual das vias da cidade de Faro – centro cidade composto por paralelepípedos desnivelados por falta de manutenção; restante área com asfalto em péssimo estado de conservação (buracos, tampas de saneamento urbano desnivelados, entre outros); a quase inexistência de ciclovias em perímetro urbano, e a deterioração das poucas existentes

– que não foram implementadas medidas de acalmia de tráfego, por exemplo com introdução de perímetros urbanos destinados à circulação automóvel de baixa velocidade (zonas 30 km/h), e simultânea introdução de sinalética, medidas que constam igualmente no PMT como medidas de execução a curto prazo

Conclui-se assim, que as condições (quase) perfeitas estão longe de existir no município, mas foram, sim, identificadas, estudadas e planeadas segundo uma ordem de execução, mas por opção do Executivo Municipal não foram asseguradas.

Os custos de utilização destes velocípedes partilhados não incentivam a uma utilização frequente e continuada pelos munícipes, mas apenas utilizações ocasionais, o que não promove mudanças de hábitos de deslocação, de forma a implementar um novo paradigma de mobilidade, que obrigue a uma diminuição efetiva na utilização diária do automóvel.

E, uma vez mais, não vai ao encontro das diretrizes do PMT, que sugere explicitamente que “é fundamental que haja a disponibilização das mesmas aos residentes da cidade a preços simbólicos (recomenda-se um pagamento anual)” (Proposta 15 – Volume II – Fase III – PMT).

A introdução avulsa das trotinetes não vai assim “roubar” o lugar do carro, como referido na apresentação, com o objetivo de desincentivar o uso do automóvel.

Esse objetivo é conseguido dando lugar a ciclovias que retiram algum espaço destinado ao uso do carro e dão segurança aos utilizadores de meios suaves de deslocação, conforme explicado e programado no PMT.

Não deveria o Município ter dado primazia à execução ordenada, simultânea e/ou sequencial das propostas constantes no PMT, mostrando respeito e preocupação por acautelar as condições básicas que muitos dos seus munícipes utilizadores diários de velocípedes há muito aguardam?

Desta forma, demonstraria simultaneamente respeito e preocupação pelos peões e automobilistas, permitindo e promovendo a ordem em detrimento do caos.

Referimo-nos tanto às estruturas viárias, como aos equipamentos de apoio, que são fundamentais para o correto e legal parqueamento dos veículos na cidade.

Os únicos equipamentos existentes foram colocados em 2009, e 10 anos decorridos – pedidos e sugeridos por munícipes para colocação de mais e melhores e contemplada a sua implementação no PMT – não houve qualquer colocação até ao momento de mais estruturas de parqueamento (Proposta 13, Volume II – Fase III – PMT).

Situação que será felizmente atenuada conforme proposta cidadã vencedora no recente Orçamento Participativo da União de Freguesias de Faro, para que novos e tão aguardados pontos de estacionamento para bicicletas sejam adquiridos e colocados em vários pontos das freguesias abrangidas, até ao Verão.

Todos os anteriores problemas há muito identificados estão em Faro, pelo país e pelo mundo, com a introdução das trotinetes sem planeamento, assim como identificadas e planeadas estão as suas soluções.

Fica a questão primeira: Seria mesmo este o primeiro passo?

Faça-se cumprir o PMT!

 

Autores: “Faro a Pedalar”
Movimento cidadão – www.facebook.com/faroapedalar
O movimento “Faro a Pedalar” tem como mentores Humberto Glória, engenheiro e utilizador diário de bicicleta, Joana Magalhães, médica e utilizadora diária de bicicleta, Joana Cabrita Martins, empresária e utilizadora diária de bicicleta, e Ricardo Martins, engenheiro e utilizador diário de trotinete elétrica, todos farenses.

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