Monchique viu o fogo passar e deixar uma destruição maior «que a de 2003»

Há casas que foram totalmente consumidas pelo fogo e locais onde o fogo só deixou destruição para trás

«Foi muito pior que o de 2003!». A certeza é dada por muitos dos que viram o fogo passar lesto e destruidor pelas suas propriedades, na freguesia do Alferce, em Monchique, na noite de domingo.

Desde Monchicão até Alferce, passando pela Laranjeira, pela Fornalha e por outras pequenas localidades, o cinzento e o negro são os tons dominantes. Seguindo pela estrada, veem-se casas semi-destruídas, mas também outras quase intactas.

O cheiro das plantas aromáticas que Vitorino Rodrigues cultiva na Laranjeira, em modo biológico, é hoje o do fumo. Mas o sorriso persiste no rosto deste jovem agricultor. «Há que levantar a cabeça e andar para a frente», acredita.

«Em 2003, foi diferente, foi mais tranquilo. O cenário, hoje, é mesmo desolador. Num instantinho, o fogo estava aqui em cima. Passou na Fornalha às 20h30 e às nove e pouco já estava cá em baixo [na Laranjeira] e estávamos a ser evacuados», contou Vitorino ao Sul Informação.

No seu caso, perdeu a maior parte da produção. «Eu e a minha mulher temos aqui um projeto de agricultura biológica, que estava a correr muito bem. Estávamos muito empolgados e a caminhar com muita força. Agora, vamos continuar», assegurou.

 

Hoje, o fogo continua a lavrar não muito longe dali. Mas, tendo em conta que pouco restou para arder, quem vive nesta zona do concelho de Monchique já pensa no dia de amanhã. Mas não esquece o de ontem.

Na Fornalha, «nem sequer veio ninguém para ajudar», assegura quem lá esteve. A maioria dos habitantes desta localidade fugiu, antes do fogo chegar, mas houve quem tivesse ficado para proteger os seus pertences, correndo risco de vida.

Para chegar a este sítio, há que ter cuidado com as árvores caídas na estrada. Um pouco por toda a via que liga o Porto de Lagos a Alferce, que também dá acesso à Barragem de Odelouca, veem-se postes de eletricidade e de telefone queimados. Em alguns locais, os fios estão derrubados na estrada ou a meia altura, o que obriga quem passa de carro a ter um cuidado redobrado.

 

João Augusto bem tentou chegar a casa do seu pai, que estava vazia, na zona da Portela da Pedra Branca, mas já não o deixaram passar. «Só consegui chegar cá de manhã e tinha ardido tudo», diz, desconsolado. A casa de Diamantino Augusto ardeu quase totalmente, bem como o seu recheio.

«Perdeu tudo o que aqui tinha: as recordações da tropa e as memórias todas dele», disse ao Sul Informação. No local onde existia a casa e uma pequena oficina, só se vêm escombros e material fumegante. Também os carros que ali estavam arderam por completo.

«O meu pai foi passar uma semana à do meu irmão. Acabou por ser a sorte dele. Vem agora a caminho», concluiu João.

Esta foi uma das casas que ardeu perto de Alferce. Na Junta de Freguesia local, a manhã desta segunda-feira era de balanço, para perceber quem ficou sem nada e quem precisava de ajuda. Segundo apurou o Sul Informação, terá ardido «mais de uma dezena de casas». Uma delas foi da senhora de 72 anos que acabou por ser transportada de helicóptero, em estado grave, para Lisboa, «com queimaduras de primeiro e segundo grau». A sua casa situava-se às portas de Alferce.

Ao subir a serra, além das cinzas, também se vão encontrando, amiúde, queixas em relação às autoridades.

Vitorino questionou as opções do comando da proteção civil. «Diziam que havia um plano B. Aparentemente, era deixar arder tudo», disse, com ironia.

Também a atuação da GNR merece críticas dos populares, que, em alguns casos, não aceitaram de ânimo leve o facto de serem obrigados a evacuar as suas casas e a terra onde vivem. Houve mesmo quem se revoltasse e resistisse à ordem de evacuação, para além de pessoas que acabaram algemadas. Mas a verdade é que, em muitos dos locais onde as pessoas foram retiradas à força ardeu tudo. Ou quase.

 

Fotos: Gonçalo Dourado|Sul Informação

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