Nos primeiros dias de Verão de 1874, o Algarve recebeu a visita do presidente do Conselho de Ministros António Fontes Pereira de Melo, como temos vindo a recordar, nos dois artigos anteriores.
Assim, depois de Vila Real e Tavira, a comitiva ministerial dirigiu-se, por estrada, para Faro. Não obstante não haver ligação terrestre com o Alentejo, a região já dispunha, por aqueles anos, como sucedia um pouco por todo o país, de estradas macadamizadas, a novidade de então, de que a Litoral do Algarve, também designada por Estrada Real nº 78, constituía um exemplo.
Construída para ligar Lagos a Vila Real de Santo António, as obras, segundo Luís Santos, em “Os acessos a Faro e aos concelhos limítrofes na segunda metade do séc. XIX”, iniciaram-se em 1856, tendo ficado, grosso modo, concluídas em 1874, embora só nos anos seguintes se terminassem algumas obras de arte, que abordaremos, ainda, neste périplo ministerial.
Importa referir que a Estrada Real n.º 78 não era mais que a “avó” da atual EN125. Salvo algumas correções de traçado, o perfil mantem-se (em abono da verdade, grande parte já vinha de épocas remotas).
Mas regressemos ao nosso objetivo, a descrição do périplo de Fontes Pereira de Melo pela região. Assim, na estrada, em Olhão, era o chefe de governo esperado pela Câmara Municipal daquela então vila, que o instou a visitar a localidade. Contudo, Fontes recusou, justificando-se por ter prevenido Faro do horário a que chegaria, prometendo, no entanto, ali regressar.
Pelas 20h30, um cortejo com mais de 30 trens dava entrada na capital do Algarve. Muitos carros haviam-se deslocado para fora da cidade para aí aguardarem o chefe de governo, juntamente com o destacamento, em grande gala, e a banda de Faro.
Fontes Pereira de Melo apeou-se nas imediações do Teatro Primeiro de Dezembro, na então rua da Sapataria (hoje 1º de Dezembro), hospedando-se na casa do comandante do vapor Lynce.
Ao contrário do que sucedeu em Tavira ou Vila Real, a Câmara de Faro alheou-se completamente da visita. A autarquia vinha a ser presidida, nos últimos anos, pelo advogado Dr. Frederico Lázaro Cortes Júnior, que, ao contrário de Fontes, não era conservador, constituindo antes um seu adversário político.
Este terá sido o principal motivo para a indiferença a que a edilidade votou a presença do presidente do Conselho de Ministros. Aliás, e como seria expectável, a visita ministerial foi vista pela “oposição”, como hoje diríamos, como inoportuna.
O periódico “Sul de Portugal” não compreendia os motivos da viagem, referindo que Fontes era o ministro mais odiado no Algarve. Também o jornal “Democracia” criticou a jornada.
Por sua vez, o “Diario Illustrado”, próximo do partido do presidente do Conselho, que descreveu minuciosamente a sua digressão, por todas as localidades, não o fez em Faro, muito provavelmente para omitir a desconsideração que aquele fora alvo pela municipalidade farense.
Assim, para a descrição da visita à capital algarvia, socorremo-nos apenas do jornal lacobrigense “Gazeta do Algarve”. De acordo com este periódico, esperavam o ministro nas imediações do Teatro Primeiro de Dezembro, as filarmónicas de Vila Real, Olhão e Moncarapacho, em coretos levantados para o efeito. Palanques que ficaram a expensas de Francisco Pedro, tal como a iluminação do teatro, “muito digna de ver-se”, de que fora construtor.
Durante a noite, as três filarmónicas tocaram alternadamente, chamando àquele local imenso povo. Cerca das 23h00, Fontes Pereira de Melo percorreu a praça e o exterior da Alfândega (também iluminada), onde foi “festejado” com muitas girândolas de foguetes. Meia hora depois recolhia, permanecendo, porém, à janela até cerca da 1h00.
Nessa noite algumas das filarmónicas percorreram a cidade acompanhadas de muitos foguetes. Para o “Gazeta do Algarve” ,foi “uma noite de verdadeira festa, cujas honras, quasi todas couberam ao ill.mo sr. Francisco Pedro”. Afinal, “poupou a Faro, este senhor só, sem auxilio de commissão, o desaire de receber o presidente de ministros menos dignamente, que o devia a capital da província”.
No dia seguinte, 26 de Junho, ao meio dia, foi o presidente do Conselho ao Paço Episcopal, onde recebeu os cumprimentos de todas as autoridades, associações e particulares, à exceção da já referida Câmara Municipal, que não o foi cumprimentar oficialmente.
Facto que o periódico lacobrigense condenava, por então constituir uma das maiores aspirações de Faro, a “collocação d’um regimento ou batalhão aqui e parece que devia ser agora feito o pedido e competia á câmara fazel-o”, contudo, rematava “Emfim lá teriam suas rasões”.
Quem não perdeu a oportunidade foi a Associação dos Artistas, que fez sentir a sua satisfação por tão honrosa visita, lembrou as necessidades da província e concluiu pedindo ao ministro que aceitasse o diploma de sócio honorário daquela coletividade.
Ao que o chefe de governo, “n’um bonito improvizo”, agradeceu a honra, denotando também o empenho que tinha na prosperidade da província, pelo que “contribuiria com todas as suas forças agora que de perto lhe via as necessidades e melhor as poderia defender”.
Às duas da tarde, Fontes Pereira de Melo partiu para Olhão, cumprindo a promessa de ali regressar, para uma hora depois já percorrer as ruas daquela vila. Artérias que, segundo o “Diário de Notícias”, na edição de 27/06/1874, se encontravam bem decoradas e com imensa concorrência, reinando “grande enthusiasmo no povo” e não só, pois Fontes estava também, “satisfeitíssimo”. Na Câmara Municipal foi-lhe ofertado, pela autarquia, um “lunch”.
O ministro regressou a Faro às 18h00, para as 22h30 entrar nas salas dos Bívares, onde, em sua honra, foi dado um baile.
O espaço estava deslumbrante, as senhoras ricamente vestidas, o serviço abundante, “bom e dirigido com muito acerto”, coadjuvados com a amabilidade dos donos da casa, tornaram a noite agradável, terminando o baile às 5h00 da manhã.
Para o “Gazeta do Algarve”, os “srs. Bivares empregaram todos os exforços para que o baile não desmerecesse no conceito do illustre hospede e, ouso afiançal-o – conseguiram”.
Pelas 15h00 Fontes Pereira de Melo deslocou-se ao local onde começara a ser construído o caminho de ferro e se tencionava erguer a estação, obras entretanto suspensas, dando esperanças que estas se concluiriam.
Visitou depois a Alfândega, Governo Civil, Misericórdia, Liceu, Seminário e o Quartel de São Francisco. Este último albergava 80 homens, comandados por João José de Almeida, que envidaram todos os esforços para que o espaço estivesse à altura de receber tão insigne visita. Recorde-se que Fontes acumulava também a pasta da Guerra.
Nessa tarde, foi o chefe de governo igualmente recebido no Teatro Lethes, pelo Dr. Cúmano e direção, tendo ainda visitado o castelo.
A noite tornou a ser de festa, junto à casa onde se hospedou, com iluminações, concertos, foguetes, etc. O ministro surgia por vezes à janela, chegando a conversar com algumas senhoras que estavam mais próximas.
Na manhã de 28 de junho, pelas 7h30, saía o séquito ministerial de Faro, por estrada, agora, em direção a Barlavento, concretamente para Vila Nova de Portimão.
(Continua)
Nota: As imagens utilizadas são meramente ilustrativas e correspondem a postais ilustrados.
Nas transcrições, manteve-se a ortografia da época.
Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação
Artigos anteriores:
Em Junho de 1874, “primeiro ministro” Fontes Pereira de Melo visitou Alentejo e Algarve
A 24 de Junho de 1874, o “primeiro ministro” Fontes Pereira de Melo visitou Tavira
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