Murais com memórias da cidade combatem degradação urbana em Olhão [com fotos]

As memórias de outros tempos espalham-se pelas paredes dos edifícios e não deixam ninguém indiferente. Para alguns, ver os murais […]

As memórias de outros tempos espalham-se pelas paredes dos edifícios e não deixam ninguém indiferente. Para alguns, ver os murais que estão a ser pintados no Largo e na Rua da Fábrica Velha, no limite do Bairro do Levante, em Olhão, é um verdadeiro regresso ao passado ou até a momentos que viveram. Para outros, como os muitos turistas que a cidade acolhe por estes dias, é uma oportunidade para conhecer o Olhão de antigamente, através de arte urbana, com o selo de artistas algarvios.

Os graffiti writers Pedro “Mistik”, “Gnose” e “Kaset”, da Associação Artística Satori, e “Dgiphi”, seu convidado, estão desde há semanas a transformar a zona envolvente do largo da Fábrica Velha, um trabalho encomendado pela Câmara de Olhão.

O largo em si foi recentemente alvo de uma intervenção, no âmbito do projeto «Caminho das Lendas», que passou pela criação de uma zona pedonal e a colocação de uma estátua alusiva à lenda de Marim.

Mas, mesmo ali ao lado, edifícios que antigamente albergaram fábricas iam ficando cada vez mais degradados. «O grande objetivo deste projeto é embelezar a zona contígua ao Caminho das Lendas. A criação destes murais foi a forma que encontrámos de qualificar esta zona até agora degradada», explicou ao Sul Informação António Pina, presidente da Câmara de Olhão.

Com esta intenção em mente, a autarquia olhanense foi à procura de um parceiro, que encontrou na associação Satori. «Fizemos um protocolo com a associação, que tem muita experiência nesta área, e obtivemos o acordo dos proprietários dos edifícios. Ao mesmo tempo fomos buscar as memórias da cidade, da indústria conserveira e da pesca», contou António Pina.

Criadas as condições, os artistas chegaram com latas de spray, rolos e muita tinta, para colocar nas paredes as memórias que estão guardadas em fotos do Arquivo Municipal de Olhão. Isto leva a que estes graffitis sejam autênticos documentos históricos.

«Um dia chegou aqui uma senhora idosa e disse: olha, aquela sou eu! Houve outra senhora que também veio ter comigo a pedir para tirar uma fotografia com ela, porque está aqui a sua mãe e ela tem a fotografia original em casa», contou Pedro “Mistik”, apontando para o mural em que ainda está a trabalhar, em conjunto com Gnose, mas que já ocupa a quase totalidade da fachada virada a poente da antiga fábrica da Conserveira do Sul.

Nesta pintura, é representada uma imagem da vida na fábrica, com mulheres e homens a trabalhar. Noutras, são barcos de pesca de velas ao vento, os pescadores a tratar das redes ou o bulício de uma rua na então zona industrial de Olhão.

Imagens que, para muitos habitantes de Olhão, particularmente desta zona mais antiga da cidade, são familiares. Talvez por isso, revelou o writer algarvio, a reação da parte da população tem sido a melhor.

«Isto é um orgulho para Olhão. A maioria das pessoas não olha para isto como um graffiti, dizem que é uma obra de arte. Eu tento explicar, mas para as pessoas o graffiti é outra coisa», disse o artista que, à semelhança de Gnose e Kaset, é de Quarteira.

Também há muitos transeuntes que param para apreciar o trabalho dos quatro artistas e aproveitam para fotografar.

Já concluído está o mural que ocupa a fachada de outro edifício, que retrata saveiros de velas lançadas, no mar. Este graffiti foi pintado por “Dgiphi”, writer de Albufeira que foi convidado pela Satori a juntar-se ao projeto.

À semelhança de “Mistik”, que anda «nas latas» há 13 anos, “Dgiphi” já se dedica praticamente em exclusivo à atividade de artista urbano, fazendo trabalhos como que está a desenvolver em Olhão, mas também outros, «como restaurantes, bares e quartos».

«Apesar de pintar coisas assim, às claras e legalmente, também gosto de pintar “fora”. É disso que nós também gostamos», confessou.

«Deram-me um conjunto de fotografias e eu escolhi as que gostei mais, para as pintar aqui. Mas isso não quer dizer que sejam um decalque. Algumas coisas sou eu que acrescento e também jogo com  as cores e com as sombras. Temos de colocar um bocado de nós, senão era uma autêntica fotocópia e não tinha piada», disse “Dgiphi”.

Os quatro writers ainda têm algum trabalho pela frente e só devem concluir os murais «em Setembro», segundo “Mistik”. Depois, tudo indica que se possam seguir novos desafios em Olhão.

Esta é, segundo António Pina, «uma primeira experiência», que, «pela avaliação que já podemos fazer, está a ser bastante positiva». «Pensamos que a podemos repetir noutras zonas da freguesia [de Olhão]. Esta é uma forma de transformar casas e espaços degradados em arte urbana, apelando sempre à nossa memória», disse o edil de Olhão.

E o exemplo da Câmara até poderá ser seguido por privados. «Sabemos que há a intenção da família Ferreira, dona da Conserveira do Sul, a quem pertence o edifício da Fábrica Velha, em custear a pintura com murais das outras fachadas», contou o autarca olhanense.

 

Fotos: Hugo Rodrigues|Sul Informação

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