Terras sem Sombra: Um diálogo ibérico em Ferreira do Alentejo, com o rio Sado ao fundo

O diálogo peninsular vai ser aprofundado em Ferreira do Alentejo no próximo sábado, 27 de Maio, às 21h30. Sobem ao […]

O diálogo peninsular vai ser aprofundado em Ferreira do Alentejo no próximo sábado, 27 de Maio, às 21h30. Sobem ao palco do Festival Terras sem Sombra dois intérpretes que suscitam enormes aplausos do público e da crítica: a mezzosoprano extremenha Elena Gragera e o pianista catalão Antón Cardó.

A iniciativa ocorre num monumento de grande interesse histórico e cujo espólio artístico se tem vindo a valorizar: a igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção, conhecida pelas tradições musicais e pela excelente acústica.

Espanha é, em 2017, o país convidado do Terras sem Sombra, facto que abre o Alentejo a uma pioneira apropriação do universo ibérico, permitindo assinalar inúmeras pontes, visíveis e invisíveis, entre os dois lados da fronteira.

Como fio condutor desta proposta de Juan Ángel Vela del Campo, o director artístico do festival, divisa-se uma realidade peninsular extremamente rica do ponto de vista musical, em que sobressai a herança lírica comum. Descerrar portas antes muradas, eis o mote.

O concerto «Um Espaço Comum: Aspetos da Tradição Lírica em Portugal e Espanha» centra-se nesta herança poético-musical tal como ela foi descoberta (e, de certo modo, reinventada) por grandes compositores dos sécs. XIX e XX, a partir de textos medievais e renascentistas – dos cancioneiros galaico-portugueses a Gil Vicente, Luís de Camões e Sá de Miranda.

Estes autores escreveram boa parte das suas obras em castelhano, língua com enorme expressão literária no período quinhentista, muito antes da temporária união das coroas de Castela e Portugal.

Resultou daqui um extraordinário património lírico comum, em termos literários e musicais, que Elena Grajera e Antón Cardó dão a conhecer com mestria, revisitando igualmente peças fundamentais do lied alemão e da chanson francesa que se inspiram em textos de escritores peninsulares daquelas épocas, com realce para as composições de Schumann, Schubert e Gounod.

Gragera é uma exímia cultora do repertório romântico e contemporâneo, que tem sabido glosar com uma técnica impecável e uma gama emotiva cheia de colorido. As suas interpretações, no entanto, vão muito para além do virtuosismo expressivo: caracterizam-se pela originalidade, suscitando programas inovadores que conquistam projeção internacional.

A cantora, oriunda da Extremadura, região onde os laços com o nosso país fluem com naturalidade, é uma apaixonada pela música portuguesa, que domina como poucos e tem difundido em palcos de todo o mundo.

Antón Cardó, por seu turno, revela-se um pianista de finíssima sensibilidade, formado entre a França, a Polónia e a Rússia, que faz parte do escol dos intérpretes do lied.

Um aspeto a sublinhar: os belos textos em castelhano de Gil Vicente, Camões e Sá de Miranda figuram, no catálogo desta edição do Festival, em traduções do poeta alentejano Ruy Ventura. É a primeira vez, pelo menos na época moderna, que este tesouro literário passa a estar disponível no idioma português, pela mão de um grande escritor, deveras familiarizado com as duas línguas, não fosse ele também oriundo de uma terra próxima da raia, Portalegre.

 

 

Revelar os segredos do património local e do rio Sado

A tarde de sábado é consagrada a uma visita ao centro de Ferreira, com início na matriz, às 14h30, sob a orientação do historiador da arte José António Falcão.

O percurso tem como principais alvos, depois dessa igreja, a capela do Calvário, templete de forma circular, que corresponde a uma velha tradição alentejana; a ermida de Nossa Senhora da Conceição, ligada à devoção de um natural da terra que acompanhou Vasco da Gama à Índia; e o Museu de Arte Sacra, na antiga igreja da Misericórdia.

Ao longo do périplo, concebido em parceria com o Museu Municipal, serão igualmente observados outros aspetos do património local, com destaque para a arquitetura civil, o urbanismo e as indústrias tradicionais.

Na manhã de domingo, 28, realiza-se uma ação de salvaguarda de biodiversidade, que levará os voluntários do Terras sem Sombra ao Sado, um rio ilustre, mas ainda desconhecido, cuja presença na opinião pública anda sobretudo ligada à reserva natural do seu estuário.

Porém, existe um “outro” rio, ainda cheio de segredos: um rio continental, afastado da influência marinha, mas que possui enorme valor ambiental e constitui um forte elemento identitário para as populações vizinhas.

Ao longo de um percurso de 180 quilómetros, desde que nasce na Serra da Vigia, em Ourique, a 230 metros de altitude, até ao estuário, junto à cidade de Setúbal, o Sado sofre várias agressões, causadas não só pelas barragens, mas também pelos rejeitados de minas, pela agricultura intensiva, pelos efluentes urbanos e pelos areeiros, entre outros fatores. Torna-se necessário, por isso, valorizar o seu conhecimento e sensibilizar para a sua preservação.

Esta iniciativa, fruto da colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, o Município de Ferreira, a Agência Portuguesa do Ambiente e a Universidade de Évora, visa promover um diagnóstico do curso médio do rio, de modo a inventariar a biodiversidade (particularmente das galerias ribeirinhas) e avaliar a qualidade da água.

A aldeia de Santa Margarida do Sado e a sua igreja gótica, enquadrada por notáveis vestígios arqueológicos, vão igualmente reter a atenção dos visitantes, com destaque para os músicos, espectadores, membros da comunidade local, autarcas e técnicos.

De entrada livre, o Festival Terras sem Sombra prolonga-se até  2 de Julho e segue depois para Sines e Beja. Um hino ao Alentejo: à beleza dos seus espaços naturais e ao prazer da descoberta dos tesouros artísticos e paisagísticos.

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