A instabilidade das soluções estáveis

Realizaram-se no domingo as eleições espanholas, com um surpreendente (ou talvez nem tanto) resultado “à portuguesa”. Esta segunda-feira, os títulos […]

Realizaram-se no domingo as eleições espanholas, com um surpreendente (ou talvez nem tanto) resultado “à portuguesa”. Esta segunda-feira, os títulos dos jornais decretam o fim do bipartidarismo e apregoam a instabilidade que surge destes resultados, à semelhança do que aconteceu com o resultado das últimas eleições em Portugal.

Curiosa esta preocupação com a instabilidade dos governos minoritários saídos de negociações parlamentares, como consequência de resultados eleitorais que não escolheram um vencedor óbvio.

Quase em simultâneo, somos surpreendidos (ou talvez nem tanto) com a notícia da falência de mais um banco em Portugal. E esta coincidência é curiosa porque bastante reveladora do que pode significar uma maioria estável: uma maioria estável pode, por exemplo, assegurar a aplicação de um programa de austeridade que vai além daquilo que a Troika lhe exigia, fazendo incidir sobre o cidadão comum todos os sacrifícios para uma “saída limpa”.

Uma maioria estável garante a aprovação de orçamentos, mesmo que algumas das suas medidas possam contrariar princípios consagrados na constituição portuguesa.

Uma maioria estável permite, no final da legislatura, aprovar uma vergonhosa alteração à Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez.

Uma maioria estável permite apregoar a proeza de uma saída limpa do processo de reajustamento, enquanto discretamente se silencia mais uma falência de um banco, só porque dá mau jeito em tempo de eleições ter que anunciar o desastre que tem sido a regulação do setor bancário em Portugal.

Uma maioria estável foi a receita certa para fazer vingar o discurso oficial de um país com cidadãos a viver acima das suas possibilidades, enquanto se assobiava para o lado em casos como o BPN, o BES, os vistos Gold, os submarinos, o BANIF e sabe-se lá que outros possam ainda estar debaixo do tapete.

Uma maioria estável permite que tudo se passe sem grande discussão num parlamento unanimista, o que significa ainda menos discussão pública e um nível de transparência nas decisões políticas que deixa muito a desejar sobre o que deveria ser uma democracia representativa e participada.

Sendo assim, e já que estamos perto do Natal, faço votos para que venham mais momentos de instabilidade para a política nacional e europeia.

Daquela instabilidade que dá voz aos pequeninos, que nos faz discutir os problemas e acabar com o faz de conta.

Daquela que não deixa pedra sobre pedra quando o que está em causa é revelar os podres que, mais tarde ou mais cedo, acabam por aparecer, e normalmente quando já é tarde demais para que haja outra solução que não a do costume: pagam todos menos os poucos que, durante anos, têm vivido à custa de uma maioria estável, opaca e propícia a equilíbrios que têm pouco a ver com os interesses do cidadão comum.

Feliz Natal e votos de um 2016 repleto de instabilidade democrática!

 

Autora: Anabela Afonso é licenciada em Relações Internacionais e mestre em Comunicação, Cultura e Artes, variante Teatro

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