Coleção de Fruteiras de Tavira é tesouro da biodiversidade da agricultura algarvia

«Bico de Passarinho», «Rabo de Porco», «Romana», «Mulata», «Rabo de Zorra», «Lourencinha». Estes são apenas alguns dos nomes das centenas […]

«Bico de Passarinho», «Rabo de Porco», «Romana», «Mulata», «Rabo de Zorra», «Lourencinha». Estes são apenas alguns dos nomes das centenas de variedades de seis espécies de árvores fruteiras algarvias que integram a coleção do Centro de Experimentação Agrícola de Tavira, pertencente à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg).

Nos terrenos do antigo Posto Agrário de Tavira, junto à estação de comboios, alinham-se milhares de árvores de variedades tradicionais algarvias de romãzeiras, nespereiras, amendoeiras, macieiras (neste caso, de pêro de Monchique), alfarrobeiras, figueiras. Há ainda a coleção de citrinos, embora a maioria dos exemplares esteja no Patacão, perto de Faro, em terrenos também pertencentes àquela Direção Regional. Ou a coleção de castas de vinha tradicionais.

Muitas destas árvores resultam da paciente recolha feita por António Marreiros, João Costa e a sua equipa, pelos campos do Algarve, sempre à procura “daquela” árvore e “daquela” variedade de fruteira, que pode ser bem diferente da outra que fica a pouca distância. O objetivo é preservar a diversidade das variedades de árvores de fruto existentes na região, selecionadas ao longo de séculos, talvez de milénios, por gerações e gerações de agricultores, e que agora se veem ameaçadas pela introdução de variedades de fora, eventualmente capazes de garantir maiores produções e, por isso, maior rendimento.

Ao todo, disse António Marreiros ao Sul Informação, há 122 variedades de amendoeira, 19 de nespereira, 26 de pêro de Monchique, 56 de romãzeiras, 44 de alfarrobeiras e 97 variedades de figueiras.

O trabalho de prospeção, recolha, conservação e caracterização de materiais vegetais das fruteiras algarvias vem sendo feito há anos pela DRAPAlg, a exemplo do que se tem feito, com diferentes espécies e variedades, noutros pontos do país. Mas em 2011 foi submetido um projeto ao PRODER, que vai terminar no final deste ano.

Para conhecer esta coleção de árvores de fruto, foi feita esta semana uma visita ao Centro de Experimentação Agrícola de Tavira (CEAT), atividade que abriu um seminário dedicado à Dieta Mediterrânica e promovido pela Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, em parceria com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Câmara Municipal de Tavira e o Instituto Superior de Agronomia.

«A ideia da coleção de fruteiras é preservar estas variedades tradicionais, que estão a desaparecer por falta de interesse dos agricultores, mas que se sentiu que um dia podem voltar a ser importantes, até pelo contributo que podem dar para a obtenção de novas variedades, através do melhoramento genético», explicou António Marreiros ao Sul Informação, que acompanhou a visita.

«Temos aqui materiais vegetais recolhidos em todos os concelhos do Algarve. Interessa-nos, no fundo, conservar a biodiversidade. Para isso, é preferível ter material de Vila Real de Santo António e material de Aljezur, do que ter só de Tavira e Olhão, porque isso, nos garante, à partida, maior diversidade. Hoje é fácil viajar de uma ponta a outra do Algarve, mas antigamente era difícil um material de Vila Real chegar a Aljezur», explicou aquele engenheiro.

 

Pêro de Monchique já consta da coleção

Uma das coleções mais interessantes é a do chamado pêro de Monchique, na realidade uma maçã. Esta fruta já teve grande importância económica e era vendida por toda a região. Nas feiras de Outono, como na de Santa Iria, em Faro, recorda António Marreiros, «sentia-se aquele cheirinho dos pêros de Monchique, quando eu era moço».

Nos terrenos do CEAT, as árvores de pêro de Monchique, plantadas no ano passado a partir de material recolhido em vários pontos dos concelhos de Monchique, Aljezur e norte de Portimão (freguesia de Mexilhoeira Grande), não estão «no seu solar», ou seja no seu local de origem onde as condições são melhores. O terreno é diferente, a água também e o clima é bem mais quente e seco que na serra. «Mas o que interessa é que temos aqui o material preservado», explica António Marreiros. «Se um dia a Câmara de Monchique, que tem vindo a apostar na valorização dos produtos tradicionais da serra, quiser fomentar o cultivo deste pêro, pode vir aqui buscar o material», acrescenta o técnico.

O trabalho de recolha do material vegetal tem sido longo e laborioso. Os técnicos envolvidos no projeto têm calcorreado montes e vales à procura das inúmeras variedades de fruteiras daquelas seis espécies. Às vezes, chegam a uma determinada árvore através da indicação de algum vizinho, que lhes fala «daquela nespereira que ali há, que dá umas nêsperas doces como mel». É quase um trabalho de detetive, à procura das árvores (quase) perdidas.

Depois, todo o material é devidamente identificado, com o nome e a georreferenciação do local onde foi recolhido, o nome do proprietário (se o houver), o nome da variedade tal como é conhecida naquele sítio, entre muitos outros dados.

«Há muitas variedades que nem nome têm. Quando isso acontece, damos o nome do propietário dessa árvore ou do local, se não for muito conhecido». E é assim que há no pomar dos pêros de Monchique variedades com o nome de «Perna da Negra» ou «Bemparece», em homenagem aos locais onde o material foi recolhido.

João Costa, responsável pelas variedades de árvores produtoras de frutos secos – alfarrobeiras, amendoeiras e figueiras – recorda o caso da «famosa alfarrobeira dos Arrifes», na zona de Cacela. «Toda a gente nos falava dessa alfarrobeira, dizendo que era aí que tinha ido buscar o material para enxertar as suas alfarrobeiras. Claro que a fomos descobrir».

Ou ainda o caso da «Mulata da Parra», uma alfarrobeira gigante existente na zona da Parra, perto de Moncarapacho, que está classificada como monumento, «tem um tronco com doze metros de perímetro e chegou a dar 60 arrobas de alfarroba». É um material genético de grande valor e, por isso, sublinha João Costa, «claro que a Mulata da Parra também está aqui, na nossa coleção».

 

Região pequena mas com enorme diversidade

«O Algarve é uma região pequena, mas este nosso trabalho permitiu verificar a imensa riqueza desta diversidade de variedades de árvores de fruto. É todo um património que foi selecionado pelos nossos antepassados e que não podemos deixar perder», sublinhou António Marreiros.

«Os nossos antepassados foram grandes melhoradores. Eles é que fizeram isto que aqui temos. São variedades que foram selecionadas para se adaptarem melhor ao nosso clima, aos nossos terrenos, às nossas condições. E que, se já fizeram muito pelo Algarve no passado, podem fazer ainda muito mais no futuro», disse, por seu lado, João Costa, o outro responsável pelo Projeto.

João Costa defende que esta coleção de fruteiras não tem apenas uma função de preservação de um imenso património que, de outra forma, se perderia. «O mais importante desta coleção é que todo este material, este património, seja utilizado para garantir o futuro da nossa lavoura».

E dá um exemplo: «a alfarrobeira foi a espécie mais plantada pelos jovens agricultores no Algarve, nos últimos tempos, com os apoios do PRODER. Mas um pomar de alfarrobeiras atualmente produz 3,5 toneladas por hectare e tem que produzir 10 toneladas. Para isso, temos que utilizar as melhores variedades e as boas técnicas. E essas melhores variedades estão aqui».

 

Futuro brilhante, futuro incerto

As perspetivas para a preservação das variedades tradicionais de árvores de fruto são agora melhores, numa época em que «as preocupações ambientais são crescentes, ao mesmo tempo que cresce a procura de produtos diferenciados, que possam ser uma alternativa à massificação e que permitam a criação de nichos de mercado», disse António Marreiros. Os pêros de Monchique, as saborosas nêsperas algarvias, os figos lampos de maio e junho, são produtos que só na região se produzem e que, com a moda do gourmet, podem ter um mercado que volte a viabilizar a sua produção. Mas para tirar partido dessa diversidade que diferencia o Algarve é preciso, em primeiro lugar, preservar.

Jorge Queiroz, diretor do Museu de Tavira e responsável pela candidatura do município, enquanto comunidade representativa de Portugal, à vitoriosa classificação da Dieta Mediterrânica como património da Humanidade, também acompanhou a visita à coleção de fruteiras e fez questão de dizer que «todas estas coleções casam muito bem com os objetivos da Dieta Mediterrânica».

«Isto é fundamental em termos de manutenção da biodiversidade do país e do próprio Planeta. São recursos imprescindíveis para o futuro dos agricultores. Por isso, é muito importante este trabalho de conhecer, estudar e depois pôr todo este património ao serviço dos agricultores».

Jorge Queiroz disse ainda ao Sul Informação que, mais do que questões de nutrição, a Dieta Mediterrânica tem a ver com «formas de produzir os alimentos» e com toda uma riqueza «de variedades e utilizações». Por isso, considera, este projeto está «a fazer um trabalho extraordinário!»

No entanto, sublinhou, «há agora uma grande interrogação em relação ao futuro: o PRODER terminou, como é que este projeto vai continuar? É que o país não pode perder isto!».

Com os técnicos responsáveis pelo projeto a caminhar a passos largos para a reforma e com os escassos recursos humanos do CEA de Tavira (os trabalhadores agrícolas têm que vir do Patacão para dar apoio à coleção de fruteiras), surge agora o receio de que todo o trabalho possa ficar pelo caminho.

Para mais quando, como sublinhou António Marreiros e João Costa, ainda há muito para fazer, não falando já dos cuidados que os pomares da coleção de fruteiras necessitam em permanência. «Isto não é um trabalho fechado. Há sempre a possibilidade de aparecerem mais variedades no campo», disse João Costa.

E depois, há todo o trabalho relativo à caracterização que falta fazer, nomeadamente genética. E há fruteiras que também interessaria preservar e que não constam ainda da coleção, como as ameixeiras, as pereiras ou mesmo os marmeleiros. E… «Este é um trabalho que nunca tem fim. Mas precisamos de continuar a ter condições para o fazer», frisou António Marreiros.

Vítor Barros, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, membro da Animar, concluiu: «este projeto tem que continuar, porque é muito importante para o país». Esperemos que alguém o oiça.

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