Abastecimento de água e tratamento de águas residuais: Modelo de Gestão para o Algarve

Os denominados Serviços Públicos (Abastecimento de Água, Águas Residuais e Resíduos Urbanos) estão divididos em dois tipos de exploração e […]

Os denominados Serviços Públicos (Abastecimento de Água, Águas Residuais e Resíduos Urbanos) estão divididos em dois tipos de exploração e de entidades gestoras: a gestão em ‘’alta’’ e a gestão em ‘’baixa’’.

A gestão em ‘’alta’’ é caracterizada por entidades que operam na captação, tratamento e distribuição, desde as barragens (no caso da água) e ecopontos (no caso dos resíduos) e na receção de Águas Residuais (saneamento) e aterros (RU).

São exemplo deste tipo de entidades, as Águas do Algarve SA e a Algar SA. As ineficiências e erros de gestão são transferidos através do tarifário para as entidades em ‘’baixa’’.

A gestão em ‘’baixa’’ é caracterizada por entidades que operam ao nível das infraestruturas municipais, desde a receção da entrega pela entidade gestora em ‘’alta’’, até ao consumidor final. São exemplo deste tipo de entidades a Fagar (Faro) e a EMARP (Portimão).

A gestão em ‘’baixa’’ nos 16 Municípios Algarvios encontra-se a ser explorada por 19 entidades. Destas entidades, 11 são Municípios e 8 empresas municipais em regime de concessão/delegação.

Neste momento, e de acordo com a análise efetuada aos vários Relatórios & Contas da entidade gestora Águas do Algarve SA, a situação financeira é débil (apesar de alguns “entendidos” apregoarem a excelente performance económica desta, ignorando a enorme falta de liquidez compensada por empréstimos bancários, suprimentos do acionista Águas de Portugal, bem como o não cumprimento dos prazos de pagamento acordado com a maioria dos fornecedores e empreiteiros), devendo-se isso sobretudo às inexistentes consequências para os clientes/Municípios incumpridores.

A dívida destes cresceu 52 milhões de euros, ou seja 432%, em cinco anos (2007-2011), sendo que, além da sua antiguidade preocupante, representa um valor superior ao volume de negócios da empresa.

Adicionalmente, a Águas do Algarve SA manteve e continua a manter um plano de investimentos desadequado à realidade algarvia que, por pressões políticas, fez com que o endividamento total fosse oito (8) vezes o EBITDA da empresa (i.e. cresceu 90 milhões de euros de 2007 a 2011). Ainda assim, apesar de não conseguir cobrar aos Municípios, prosseguiu com o Plano de Investimentos.

As situações descritas agravaram, em 2011, os rácios de Autonomia Financeira (6%), Liquidez Geral (0,30), e o prazo médio de recebimentos passou de 110 dias para 440 dias em 2011.

Embora algumas destas situações possam ser atenuadas com a adesão dos Municípios ao PAEL, o setor não apresentará melhorias porque apenas se transferirá dívida da entidade em ‘’alta’’ para as entidades em ‘’baixa’’.

A acrescer ao descrito anteriormente, existe um défice tarifário a rondar os 16 milhões em 2012, que mais tarde ou mais cedo, e porque não existem almoços grátis, serão cobrados aos consumidores finais (a desenvolver num artigo futuro).

Ainda assim, a responsabilidade da situação das Águas do Algarve não é só das equipas de gestão que por lá passaram nos últimos 10 anos, uma vez que se trata de um setor integrado, mas também dos Municípios (excetuando-se Portimão, Loulé, Faro e Tavira) que, na qualidade de acionistas e clientes, não têm conseguido criar um modelo de gestão em ‘’baixa’’.

É necessário que este modelo garanta uma cobertura tarifária adequada aos custos e investimentos e que não financie atividades diversas (limpeza urbana/limpeza de jardins/requalificação urbana), com os proveitos gerados pela água e saneamento, e que reduza as perdas de água avultadas nas infraestruturas.

É intenção desde Governo privatizar o setor dos Resíduos (Algar) e, numa primeira fase, verticalizar o setor das Águas, dando-lhe escala, com o pretexto de que só assim será possível a tão desejada harmonização tarifária no território nacional, tornando o setor bastante apetecível para eventuais investidores.

No caso do Algarve, poderá significar uma fusão/alargamento da intervenção das Águas do Algarve para o Baixo Alentejo, passando a ficar refletido no tarifário dos algarvios os investimentos por realizar nas infraestruturas daquela região.

Como consequência, poderemos estar a falar de um acréscimo de 30% na tarifa em ‘’alta’’, a ser transferido para os consumidores finais algarvios.

A resolução destas situações passa pela aplicação da legislação em vigor, pela profissionalização da gestão, definição de objetivos claros nos contratos de concessão e seu cumprimento (redução de perdas, autoconsumos, etc…), responsabilização e penalização real dos Municípios devedores e um aumento da concorrência e benchmarking em ‘’baixa’’.

A única forma de aumentar a eficiência e eficácia de um setor, bem como controlar os preços praticados é através da concorrência e comparação entre prestadores de serviços, ao invés do pretendido pelo Governo, que pretende criar no setor uma espécie de EDP.

Na verdade, a concorrência não precisa de ser feita por privados (tema para outro artigo), conforme fica provado pela expansão da EMARP para o concelho de Lagoa. Um excelente exemplo de intermunicipalidade.

 

Autor: Carlos Manso
Membro Efetivo da Ordem dos Economistas
Membro da Comissão Instaladora da Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas
Diretor Financeiro da Infralobo (empresa de Água e Resíduos)
Autor do blogdomanso.pt

 

Nota: Artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 


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