Algumas notícias referem que o recém eleito Papa, Francisco, é técnico químico, outras que tem um mestrado em química, outras, ainda, que é engenheiro químico.
Analisando as notícias, a verdade parece ser que se formou numa escola técnica como técnico de química mas, aos 21 anos, resolveu seguir o apelo da fé e tornar-se sacerdote, tendo a sua vida tomado o rumo que o levou a Papa.
Pode ser que a formação em química de Jorge Bergoglio tenha influenciado a sua personalidade e modo de encarar o mundo, mas pode também ser o caminho normal de um jovem inteligente, filho de pais com recursos modestos.
Só Francisco poderá indicar a importância que a química teve (ou tem) na sua vida. O que parece certo é que a sua eleição está a gerar uma química muito favorável entre os católicos.
Embora não tenham relevância para a definição da sua personalidade e para a esperança que o mundo coloca em Francisco, estas notícias contraditórias espelham a confusão que existe entre química e engenharia química.
De facto, da mesma forma que não se confundem farmacêuticos, médicos e enfermeiros, embora todos estejam ligados à saúde, também não se devem confundir engenheiros químicos e químicos, apenas porque ambos estão ligados à química.
A química tem como tema as propriedades e transformação dos materiais ao nível das pequenas quantidades. Trata da análise e síntese de materiais que já existem ou participa na invenção de novos materiais (por exemplo, novos medicamentos).
A engenharia química é um ramo da engenharia que trata de produzir esses materiais em grandes quantidades, otimizando e controlando os processos industriais. Dito de uma forma mais sucinta: o químico analisa e sintetiza os materiais e as moléculas enquanto o engenheiro químico os produz em larga escala.
Claro que há químicos a fazer engenharia química e vice-versa mas isso não é razão se confundirem estas áreas da atividade humana.
As notícias dizem também que Francisco, natural de Buenos Aires, gosta de futebol, música clássica e de Jorge Luís Borges. Vem, por isso, a propósito referir alguns textos de Borges em que se cruzam fé, alquimia e química. Também estas não devem ser confundidas e Borges não o faz. A fé e a alquimia são do domínio do religioso e filosófico enquanto a química é do domínio da ciência e da técnica. Podem complementar-se mas não se excluem.
Há pelo menos dois contos de Borges em que a química aparece sob a forma de leis de conservação. O «Livro de Areia» é infinito e por isso não pode ser queimado porque criaria um fumo infinito que sufocaria a Terra.
Também na «Rosa de Paracelso» aparece um enunciado de conservação químico, neste caso associado à alquimia e à fé. Trata-se de um conto que, evoca, na minha opinião, uma das mais profundas parábolas da Bíblia sobre a Fé e os milagres.
Um candidato a discípulo faz uma longa jornada para encontrar Paracelso. Vê os seus alambiques cheios de pó e as fornalhas apagadas. Pergunta pela rosa e Paracelso admoesta-o por ser crédulo. Exige fé ao candidato mas este espera provas. Paracelso diz-lhe que o milagre não lhe trará a Fé. Atirada a rosa ao fogo, o candidato vê apenas cinza. Afinal, diz Paracelso, «a rosa é eterna, só a sua forma muda».
Os átomos da rosa não desaparecem quando esta se decompõe ou arde, apenas mudam para outros arranjos moleculares, formando novas substâncias. O candidato a discípulo julga perceber, deixa de ser crédulo mas continua sem Fé. E parte sem esperar pelo renascimento da rosa a partir das cinzas.
Autor: Sérgio Rodrigues (Professor Departamento de Química da Universidade de Coimbra)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
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