Oficina Bartolomeu dos Santos quer ser «polo vivo» de Cultura

A oficina de gravura Bartolomeu dos Santos ainda cheira a tinta apesar de já ninguém trabalhar nela desde 2008. Mas, […]

A oficina de gravura Bartolomeu dos Santos ainda cheira a tinta apesar de já ninguém trabalhar nela desde 2008. Mas, na noite desta sexta-feira, dia 24, a oficina reabriu as suas portas com uma festa, para assinalar uma nova fase.

A oficina, situada num armazém adaptado das antigas escadinhas de Santa Ana, que descem do Alto de Santa Ana para o Rio Gilão, em Tavira, acolheu durante treze anos o trabalho de Bartolomeu Cid dos Santos, artista plástico e um dos maiores gravadores europeus.

Com a morte do artista, em 2008, a oficina fechou portas e assim se manteve durante quatro anos, com todo o seu equipamento e acervo, entretanto adquirido pela Casa das Artes de Tavira aos herdeiros do Mestre.

Mas agora um grupo de cidadãos, entre os quais se contam a viúva de Bartolomeu, amigos seus como Henrique e José Delgado Martins, e ainda antigos discípulos como Margarida Palma e Miguel Martinho, uniram esforços, juntaram vontades e criaram a comissão instaladora da associação Oficina de Bartolomeu dos Santos (OBS), que na noite de sexta-feira promoveu a reabertura do espaço.

«Com o apoio de um forte núcleo de discípulos, amigos e admiradores é agora possível recuperar as instalações e relançar a sua atividade, com a criação de uma associação sem fins lucrativos, a OBS, restituindo a Tavira esta prestigiada Oficina que acreditamos seja o ponto de partida para novos cometimentos», salientou José Delgado Martins, responsável pela vizinha Casa das Artes de Tavira e amigo de infância de Bartolomeu dos Santos.

José Delgado Martins e Fernanda dos Santos no terraço da oficina

A Oficina de Gravação foi fundada em 1995 por Bartolomeu dos Santos, após a sua jubilação da Slade School of Fine Art de Londres, onde ensinou durante 30 anos.

Esta Oficina, para além da atividade própria, com cursos, edições e residências, constituiu um privilegiado ponto de encontro de artistas vindos das mais diversas paragens, até ao seu encerramento em 2008, com o falecimento do artista plástico.

«Esta oficina é uma cópia da que ele tinha na Slade School, em Londres», contou José Delgado Martins. «O meu irmão cedeu metade de um armazém e a minha sobrinha, arquiteta, a Bárbara [Delgado Martins] fez o projeto de arquitetura. A oficina tem todas as valências necessárias, distribuídas de modo funcional». E até tem uma pequena cozinha, um quarto e uma casa de banho, que eram ocupados pelo mestre e pela sua mulher.

«Esta casa não tem uma única janela para a rua, não tem vistas. Entra luz, muita luz, mas sem vistas. Isto é de propósito, para favorecer a concentração dos artistas», sublinhou Delgado Martins.

E, muito importante, tem ainda uma varanda com vista para os telhados de Tavira, para o rio Gilão logo ali abaixo e para a ponte do caminho de ferro. «Neste terraço estivemos muitas vezes até às tantas da noite, com convívio e em tertúlias», recorda José Delgado Martins. A oficina e o pequeno terraço eram poiso certo de artistas de todas as idades e proveniências geográficas, que Bartolomeu dos Santos gostava de receber.

«Um dos meus maiores prazeres era assistir à passagem do último comboio e do primeiro comboio ali na ponte», recorda, por seu lado, Fernanda dos Santos, viúva do artista.

Na oficina, as duas prensas, a prensa litográfica, a guilhotina de metal («à qual chamávamos Maria Antonieta», recorda Delgado Martins), os arquivos, tudo está pronto a (re)começar a funcionar.

«O que queremos agora é por isto a funcionar de novo, com cursos, workshops, mas também com produção de gravuras dos nossos artistas residentes [Margarida Palma e Miguel Martinho, que foram os últimos discípulos de Bartolomeu] ou com a impressão das gravuras de outros artistas que venham cá. A Câmara de Tavira, se quiser oferecer uma prenda a alguém, pode mandar produzir aqui gravuras», explicou José Delgado Martins.

«Isto está ligado à cidade, estamos aqui e queremos que isto volte a ser um polo vivo que funcione. É mesmo uma oficina que produz bens múltiplos», acrescenta.

Na sexta-feira, para assinalar a reabertura da oficina, foram editadas «as três primeiras gravuras desta segunda fase de ressurreição», da autoria de Margarida Palma, Miguel Martinho e José Faria. As gravuras, segundo disse Delgado Martins ao Sul Informação, vão ser oferecidas em primeira mão aos sócios fundadores da OBS, que contribuíram para este ressurgimento pagando uma jóia ou oferecendo obras, enquanto outras serão postas à venda. A tiragem é curta, de apenas 50 exemplares.

A festa, que se estendeu até às escadinhas com vista para o rio, contou ainda com a leitura de trechos dos diários do próprio Bartolomeu dos Santos pelo ator Pedro Ramos, diretor do Al-Masrah Teatro, ilustrada por imagens da vida do artista, numa recolha de Manuel Augusto Araújo.

«O que é importante salientar é que isto é uma iniciativa de cidadãos que estão envolvidos com a arte a um nível pouco interesseiro», salientou Tela Leão, promotora cultural brasileira há anos radicada em Tavira.

José Delgado Martins, por seu lado, fez questão de sublinhar que a oficina «foi recuperada sem ajuda de qualquer instituição pública. Foram os artistas e os amigos do artista, cidadãos, que puseram isto de pé».

Para a festa de reabertura vieram artistas e amigos de todas as partes do mundo. Um deles é o irlandês Bill Penney, que foi aluno de Bartolomeu dos Santos na Slade School de Londres entre 1990 e 1992 e que com ele colaborou na produção de algumas obras, nomeadamente em Portugal, como a da Estação do Metropolitano de Entrecampos ou o mural em Grândola.

«Bartolomeu era um homem excitante, que tinha uma abordagem internacional à vida, queria sempre aprender com outras culturas e transmitia isso aos seus alunos. Ele transmitia essa alegria da diferença. Ele próprio, para mim, era um ser de outra cultura», recorda Bill Penney.

«Quando fui para Londres estudar, para mim era tudo muito diferente. Eu era um jovem irlandês, vinha da Irlanda do Norte que nessa altura ainda estava mergulhada em problemas, e fui exposto a um mundo internacional, com professores das mais diversas nacionalidades e origens, como o Bartolomeu dos Santos. Foi muito educativo».

Bill Penney, que depois foi assistente do artista plástico português («Fui seu escravo, mas muito bem alimentado…e bebido», confessou, com um grande sorriso), garante que passou «um tempo maravilhoso com ele. Ele era um homem tão poderoso!».

O artista plástico irlandês, que agora é ele próprio professor no Art College de Belfast, visitou Bartolomeu dos Santos várias vezes em Tavira e por isso acha que a tal «abordagem internacional» que o mestre promovia entre os seus alunos e no seu próprio trabalho também «continua aqui».

E é isso mesmo que os membros da OBS pretendem: que o legado humano e artístico de Bartolomeu dos Santos perdure na sua oficina de gravação em Tavira.

 

Os membros da associação Oficina Bartolomeu dos Santos

Honorários

Fernanda Paixão dos Santos . José Faria . Maria Gabriel . Henrique Delgado Martins . John Aiken . Manuel Augusto Araújo . Manuel Costa Cabral . Pedro Tamen.

Fundadores

Ana João Romana . Ana Maria Freire . António Almeida . Barbara Delgado Martins . Bill Penney . Carlos Freire . Carlos Oliveira Luz . Christopher Weatherley . David Evans . Dora Iva Rita . Doris Sender . Duarte Nuno Simões . Emma Wood .- Helena Lapas . Ileana Pardal Monteiro . Ilidio Salteiro . Jo Volley . Jorge Justo Pereira . José Delgado Martins . José Graça . José Martins Dias . Júlio Moreira . Liliane Silva Araújo . Marcelle Hanselaar . Margarida Maria Martins . Margarida Palma . Maria Tomás . Marta Delgado Martins . Max Werner . Miguel Martinho . Miguel Proença .- Penny Brewill . Rachel Ramirez . Raquel Delgado Martins . Rita Vargas . Rogério Gonçalves . Samuel Rama . Susanne Themlitz . Urbano Resende . Valter Vinagre

Coletivos

Casa das Artes de Tavira . Galeria Ratton

 

Quem era Bartolomeu Cid dos Santos?

 

Bartolomeu Cid dos Santos nasceu em 1931 em Lisboa, em cuja Escola Superior de Belas Artes estudou de 1950 a 1956, prosseguindo a sua formação na Slade School of Fine Art em Londres, de 1956 a 1958, com Anthony Gross.

Nesta mesma escola de belas artes londrina viria a ser professor, de 1961 a 1996, no Departamento de Gravura, tendo sido igualmente artista visitante em numerosos estabelecimentos similares na Grã-Bretanha.

Foi ainda professor visitante da Universidade de Wisconsin, em Madison (Estados Unidos da América), em 1969 e 1980, na Konstkollan Umea, Suécia, em 1977 e 1978, no National College of Art em Lahore, Paquistão, em 1986 e 1987, e na Academia de Artes Visuais de Macau em muitas ocasiões.

Realizou a sua primeira exposição individual em 1959, na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa. Desde então expôs individualmente 82 vezes.

Trabalhos da sua autoria integram o acervo de instituições públicas e privadas nacionais e internacionais.  Têm assinatura de Bartolomeu Cid dos Santos os painéis da estação do Metro de Entrecampos em Lisboa.

Depois de se jubilar da Slade School, o artista instalou-se em Tavira, na sua oficina de gravação que foi inaugurada a 12 de agosto de 1995, com a presença de Maria Barroso, esposa do então Presidente da República Mário Soares.

Bartolomeu Cid dos Santos faleceu aos 77 anos em Londres, em 21 de maio de 2008, e as suas cinzas foram lançadas depois, a seu pedido, nas águas do rio Gilão, em Tavira.

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