Coro Filarmónico de Câmara da Estónia atua com grande brilho no “País das Uvas”

Música, património e biodiversidade trouxeram nova vida ao “País das Uvas”, este fim-de-semana, numa jornada do Festival Terras sem Sombra […]

Música, património e biodiversidade trouxeram nova vida ao “País das Uvas”, este fim-de-semana, numa jornada do Festival Terras sem Sombra que suscitou enorme entusiasmo.

A igreja matriz de Vila de Frades recebeu, na noite do dia 19, o Coro de Câmara Filarmónico da Estónia que, sob a direção do maestro Daniel Reuss – considerado pela crítica da especialidade um verdadeiro génio na interpretação da música contemporânea –, cantou com intensa emoção e impecável virtuosismo as Vésperas de Serguei Rachmaninov, encantando os mais de 600 espetadores que afluíram a esse belo monumento do Barroco meridional.

A apresentação da versão integral das Vésperas do grande compositor russo deu voz ao empenho do Festival em recuperar patrimónios pouco conhecidos ou mesmo esquecidos, lançando um olhar transversal e de certo modo inovador sobre o Alentejo e contribuindo, assim, para a irradiação deste território outrora periférico.

Isto está a transformá-lo numa verdadeira pedra angular no contexto internacional da arte sacra, permitindo encontros insuspeitos entre diversas tradições, como explicou o diretor-geral da iniciativa José António Falcão.

Essa sensação de encantamento contagiou a comitiva da Estónia que visitou a Vidigueira e foi recebida com o calor de uma terra amistosa, repleta de história e arte. Não faltou até, no dia anterior ao concerto, um encontro com o coro local “Vindimadores”, dirigido pelo padre Manuel Reis, que os músicos vindos da Estónia ouviram com assombro.

Isto mesmo seria sublinhado pela “convidada-surpresa” para a audição das Vésperas, a poetisa Kristiina Hein, a mais aclamada escritora estoniana da atualidade, cuja obra, muito conhecida internacionalmente, está a suscitar interesse em Portugal.

O dia 20 foi consagrado à preservação daquela que os diversos intervenientes consideraram “a nossa maior arma em tempos de crise e o bem que mais nos é precioso”: a biodiversidade.

Numa ação organizada em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza, a Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, a comunidade local associou-se aos músicos e espetadores do Terras sem Sombra para uma marcha, no meio de vinhedos históricos, entre Vila de Frades e a villa romana de S. Cucufate, que percorreu, com José Miguel Almeida, diretor da Adega, quase 2000 anos de tradição vinícola da região.

Com gente das mais variadas idades, este grupo integrava crianças das escolas locais, jovens “ajudas” dos Bombeiros Voluntários, agricultores, catequistas, autarcas, ecologistas, arqueólogos, reformados, monges e outros voluntários.

Em ambiente descontraído, no seio da natureza, trocaram-se experiências: saber ouvir as mais de vinte espécies de aves que buscavam alimento nas vinhas e no arvoredo; saber distinguir as parras das diferentes vides; saber respeitar o papel de cada planta e cada animal; saber ler a sobreposição de várias épocas nos monumentos e na organização dos campos; saber cantar e rezar em plena natureza; tudo isto foi alvo de partilha entusiástica, nem sequer detida pela chuva que intermediava breves assomos do sol.

Da herança do tempo do 1.º Conde de Vidigueira, D. Vasco da Gama, às paisagens marcadas pelo património natural e edificado, os participantes testemunharam a importância desta zona privilegiada do Alentejo.

Como salientou Arlindo Ruivo, antigo presidente da Cooperativa, “qualquer parcela desta terra é um pedaço de história”.

Afirmação visível nos cultivares tradicionais, nas castas de uva típicas da região, nomeadamente a famosa Antão Vaz, e ainda, nas vinhas seculares defendidas ao longo dos séculos pelos vilafradenses.

Para finalizar, no centro de interpretação das ruínas de S. Cucufate, bebeu-se um branco fresco e generoso, que fez justiça à milenar riqueza desse património genético.

No encerramento da ação, Carlos Carrapatoso, técnico do Parque Natural do Vale do Guadiana, lançou um apelo à necessidade de se desenvolver uma consciencialização ambiental, entre a agricultura moderna e a vida urbana, que faça da conservação da natureza uma prática enraizada no quotidiano, de modo a garantir a sustentabilidade deste setor, que encara atualmente muitos desafios à escala global e necessita de um novo fôlego: “basta querer, basta acreditar”. Algo que as crianças presentes celebraram com uma estrondosa salva de palmas misturada com sorrisos. É este poder da música – criar cumplicidade. É este, também, um dos mais belos contributos do Festival Terras sem Sombra.

 

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