A espuma das coisas

  Desde o início da criação da medida, em 2007, já 16 mil estudantes universitários pediram empréstimos à banca para […]

 

Desde o início da criação da medida, em 2007, já 16 mil estudantes universitários pediram empréstimos à banca para poderem estudar.

Ao todo, segundo revelou na sua edição de ontem o Jornal de Negócios, os estudantes portugueses já se endividaram em 200 milhões de euros para conseguir o almejado canudo, recorrendo a este sistema de crédito com garantia mútua para estudantes do Ensino Superior, que tem o Estado como “fiador”.

Só no primeiro mês das candidaturas para este ano letivo de 2011/2012, foram concedidos mais 725 empréstimos, no valor de nove milhões de euros.

Mas o incumprimento, ainda segundo o Jornal de Negócios, ou seja, aquilo que os estudantes não conseguem pagar destes empréstimos, já atinge 1,4 milhões de euros.

Para mim, a criação deste sistema de empréstimos a estudantes universitários e os valores que eles atingem demonstram à exaustão a forma como em Portugal se olha para o Ensino, que até já foi declarado uma paixão. Mas que, como todas as paixões, depressa se extinguiu.

Os números ontem revelados demonstram que em Portugal há 16 mil estudantes universitários aos quais o Estado não deu condições para estudar, mas a quem abriu a porta para que eles se possam endividar.

Tudo isto seria muito bonito, se vivêssemos num tempo em que os jovens acabados de formar nas Universidades encontram emprego mal acabam o curso.

Mas a realidade é bem diferente, como infelizmente bem sabemos. Cada vez mais jovens saem das universidades com o canudo na mão e não têm oportunidade de emprego.

Por isso, o que o Estado está a fazer é aprofundar o fosso entre ricos e pobres, entre os que podem e os que não podem – e, não podendo, recorrem ao crédito e assim se endividam ainda antes, sequer, de saber se algum dia poderão ganhar dinheiro para pagar esse empréstimo.

O que o Estado faz é tornar-se “fiador” do incumprimento desses jovens. Mas será que ao Estado, como a qualquer fiador normal, é mesmo exigido que pague aquilo que os jovens endividados não conseguirem pagar? Duvido.

O modelo dos empréstimos a estudantes foi copiado pelo Governo, em 2007, de modelos estrangeiros, como o dos Estados Unidos da América. Mas, para além de Portugal e Estados Unidos serem realidades bem diferentes, por aqui, pela nossa santa terrinha, apenas ficámos pela aparência, pela espuma das coisas, e não se levou o modelo até às suas últimas consequências, que passariam por garantir aos jovens que se endividam e que conseguem terminar os seus cursos com boas notas uma oportunidade de 1º emprego.

E são séculos e séculos desta atitude de ficar apenas pela espuma das coisas, que tiveram consequências nefastas para o país e para a nossa economia. A nossa crise atual é bem um reflexo disto!

O facto de 160 mil estudantes, em cinco anos, terem tido que se endividar seriamente para poderem concluir os seus estudos universitários em Portugal apenas demonstra, na minha opinião, que em Portugal continua a ser necessário ser-se filho d’algo para singrar na vida!

A aposta na Educação é a chave do desenvolvimento de qualquer país, como o foi em países que os nossos governantes – de agora e de antes – tanto gostam de citar, como a Finlândia.

Mas em Portugal ficamo-nos pela citação, pela espuma das coisas e não há uma aposta séria, continuada, avaliada, consequente na Educação. Há fogachos de interesse, paixões passageiras, que depressa se extinguem.

Em Portugal, o que há é 160 mil estudantes endividados e sabe-se lá quantos jovens que nem conseguem estudar ou que desistem das suas matrículas e dos seus sonhos.

Há um Estado que lhes diz: lamento, mas não há emprego. Emigrem!

Porque Portugal é o país das aparências, da espuma das coisas. Até naquilo que é decisivo para o futuro, continuamos a ser apenas e só isso.

Nota: A partir da próxima quinta-feira, dia 15 de março, começarei a fazer semanalmente uma crónica na Rádio Universitária do Algarve, a RUA FM, no âmbito da rubrica «Tenho Dito», que em cada dia dá voz à opinião de um convidado. A minha crónica é transmitida todas as quintas-feiras, pouco depois da 9h00 da manhã.

Sendo assim, irei igualmente retomar o hábito semanal de escrever uma crónica, que será aqui publicada também.

Comentários

pub