Jornalismo: Queremos fechar os olhos?

«Diz-se que o jornalismo é um pilar da democracia. E isso é, para mim, e espero que para todos os que me leem, inequívoco»

Mês após mês, ouvimos falar de greves: de professores, de funcionários públicos, enfermeiros, médicos ou até de polícias.

Quando se diz que ouvimos falar é porque é, praticamente, um dado adquirido. Nem nos questionamos porque é que sabemos que aquilo está a acontecer.

A verdade é que houve alguém que, para nos dizer que alguém não compareceu em determinado turno, acordou antes desse turno começar.

Falou com os grevistas, muito provavelmente, com o patronato, com o Governo, irá enquadrar os motivos da paralisação e fará o seu balanço.

Hoje, se tudo correr bem, nada disso irá acontecer. E porquê? Porque são os jornalistas que estão em greve.

Uma greve que, ao contrário de outras, será mais relevante quanto maior for o “silêncio” das primeiras páginas, dos telejornais e da rádio.

Talvez um dia de paralisação, no espaço de décadas, não seja suficiente para sentirmos falta do trabalho que os jornalistas fazem.

Diz-se que o jornalismo é um pilar da democracia. E isso é, para mim, e espero que para todos os que me leem, inequívoco.

No entanto, uma vez que, apesar de tantas dificuldades, esse pilar, em décadas, teimou em não ceder totalmente, tornou-se um garante, que acabamos por desvalorizar.

Permitam-me a comparação arriscada com os familiares mais velhos. Não lhes damos, às vezes, a devida importância. Podem, em alguns momentos, parecer um empecilho, mas, se não existissem, nós também não existiríamos.

É um pouco assim que vejo a relação entre o jornalismo e a democracia.

Quando se pergunta a alguém sobre profissões essenciais, arrisco, quase ninguém se lembrará do jornalista. E entendo porquê.

Diretamente, o jornalista não salvará vidas como o médico, o bombeiro, ou o polícia. Não alimenta bocas, como o agricultor, não cria riqueza, como o empresário.

No entanto, a perceção que temos da importância de cada uma destas profissões vem, exatamente, da importância que a opinião pública lhe dá.

E é aí, na criação desta opinião pública, que o jornalista é essencial.

Se pensarmos bem nas qualidades que um bom jornalista deve ter, este deveria ser muito bem pago.

Um jornalista deve saber escrever (pelo menos) tão bem como um professor de português, deve falar línguas, saber de história, de geografia, de ambiente, de política, de literatura, de música…. No fundo, deve ter uma cultura geral muito acima da média e sempre atualizada.

Deve ainda ter a capacidade de argumentação de um político, a capacidade de improviso de um artista, ter boa dicção e uma excelente capacidade de síntese. Tem, claro, de ter conhecimentos de informática, pelo menos, “na ótica do utilizador”.

Se for bem parecido/a, para ficar bem na câmara, é um bónus (neste caso, alguns dos requisitos anteriores podem não ser determinantes no recrutamento).

No entanto, o salário de um jornalista, tendo em conta os requisitos básicos para o bom desempenho da profissão e a sua responsabilidade social é baixo, muito baixo. De tal forma que é pouco maior, no início de carreira, do que o salário mínimo (e isto graças ao novo Contrato Coletivo de Trabalho que entrou em vigor no ano passado).

Engana-se quem acha que venho para aqui falar de questões salariais como o principal problema da classe. Não. Esse é apenas um dos muitos motivos desta greve convocada pelo Sindicato dos Jornalistas.

E, ou muito me engano, ou a grande maioria dos profissionais que fazem greve hoje não o fazem apenas para ter um aumento salarial.

Esta é uma greve necessária para que se olhe para um setor que, como já defendi, é essencial, mas pouco valorizado.

E sim, existe bom e mau jornalismo. E, por vezes, o mau sobrepõe-se ao bom. E, sim, os jornalistas ajudaram a cavar o buraco onde se encontra a profissão.

Podemos perguntar: então os jornalistas não viram onde se estavam a meter? E eu direi que sim, que viram. E veem. E até acho que os jornalistas são os seus principais críticos, porque, quando um jornalista faz merda, sabe que está a fazer merda.

Se não sabe – e aí entramos noutro problema, que tem a ver com a formação – deveria saber.

Mas, então, porque é que há mau jornalismo?

Porque o mau jornalismo “paga” melhor do que o bom a quem o promove (e não a quem o faz), isto é, a quem decide fazer negócio da venda de notícia “a metro” e a quem mede o valor-notícia pelo valor monetário.

Quando assim é, o jornalismo abandona parte da sua missão, sem que os jornalistas possam fazer muito em relação a isso, sob pena de perderem o emprego com que sonharam (e como vimos acima não é por falta de capacidade para trabalharem noutras áreas).

É claro que, na teoria, os jornalistas podem negar-se a fazer determinados trabalhos, de acordo com a sua consciência. Mas, na prática, quem é o precário que vai fazer finca pé perante uma chefia repetidas vezes?

Por isso, para que os jornais e as rádios e as televisões possam continuar a fazer o seu papel, espero que esta greve possa servir, pelo menos, para que o Estado olhe para este setor como ele merece.

Ninguém questiona o investimento e o papel do Estado na Educação, pois não?

Se a Educação prepara o Futuro, a Informação constrói, no Presente, as suas fundações!

Os sinais de alerta estão aí. Queremos fechar os olhos?

 

Autor: Nuno Costa é fundador do Sul Informação, jornalista desde 2008, mas “em suspenso” desde 2022. Atualmente é diretor comercial do Sul Informação. Mas não deixa de ter alma de jornalista

Nota: Esta crónica foi escrita ontem, 14 de Março, dia da Greve Geral dos Jornalistas e todas as referências temporais têm a ver com este dia.

 

 

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