A Literacia em Saúde

Nos últimos tempos, a prática da medicina tem-se focado em centralizar os cuidados no doente e não na doença

Estas são as primeiras palavras que vos escrevo e como tal quero começar por me apresentar. Nasci em Faro e fui criada na soalheira serra do Sotavento algarvio.

Formei-me em Medicina pela paixão inerente que tenho pela ciência e fui descobrindo, ao longo do tempo, que a verdadeira arte e mestria de praticar medicina reside na compreensão e interpretação do ser humano.

Hoje, encontro-me um passo mais próxima de ser especialista em Medicina Geral e Familiar, isto é, de me tornar Médica de Família. Como tal, tenho-me deparado com alguns desafios na minha prática clínica, entre os quais, a educação na saúde.

É minha intenção que esta rubrica vos possa elucidar, no futuro, sobre dúvidas e questões que tenham sobre as várias dimensões da saúde e que causam impacto, positivo ou negativo, na vossa vida quotidiana. Mas, antes de tudo, quero começar por explorar convosco aquilo que procuro promover entre vós, a Literacia em Saúde.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define literacia em saúde como a aptidão de um indivíduo ter acesso, capacidade de compreensão e utilização adequada da informação, podendo desta forma promover e manter um bom estado de saúde.

Mas o que pergunto agora é: o que é que a população depreende deste elaborado conceito?

Neste sentido, resolvi recorrer à minha fonte de informação de eleição, a minha família. Perguntei aos meus avós o que entendiam sobre esta definição, e, de forma muito natural, explicaram-me que “fomos para a escola, aprender a ler” e, portanto, quando vão ao médico, gostam de “aprender o que é melhor para a saúde deles”, uma vez que a “informação é uma garantia” e que “temos de cuidar de nós próprios”.

A literacia em saúde, à semelhança da educação na sua generalidade, confere-lhe a si, leitor, uma inigualável capacidade de tomar decisões em várias situações, desde o seu dia-a-dia até ao contexto político geral.

Passo a explicar. Tem impacto no seu dia-a-dia, se é hipertenso e escolhe tomar a medicação diariamente, para um melhor controlo da pressão arterial.

Tem impacto em sua casa, quando cozinha para a família, refeições baseadas na, tão nossa, dieta mediterrânica, procurando a prática de uma alimentação saudável.

Tem impacto na sua comunidade, quando tem disponíveis instituições e entidades sociais que promovam o bem-estar dos seus pais ou avós.

Tem impacto no seu local de trabalho, quando a sua entidade patronal reconhece e valoriza a saúde dos trabalhadores.

Tem impacto na utilização do sistema de saúde, quando sabe gerir os sintomas de uma constipação ou gripe ligeira, sem recorrer primariamente ao serviço de urgência.

Tem impacto no contexto político, quando, enquanto cidadão, exige a aplicação de leis que abriguem medidas promotoras de um ambiente verde e livre de poluição.

Estes são apenas meros exemplos, mas posso adiantar desde já o seguinte: os países mediterrânicos têm uma esperança média de vida semelhante à dos países nórdicos, no entanto, a fragilidade – isto é, uma maior vulnerabilidade – é maior nos primeiros.

Mas então qual é a diferença, perguntam vocês? Sim, é mesmo esta noção tão simples e igualmente complexa que temos vindo a abordar hoje, a literacia em saúde.

Durante muitos anos, praticou-se a tão familiar medicina paternalista, em que, no momento da decisão e da abordagem diagnóstica ou terapêutica, nós, médicos, dizíamos “Tem de…” e a resposta era “O que o doutor achar melhor”.

A confiança e a tomada de decisões eram, assim, totalmente depositadas na pessoa que envergava a bata branca.

Nos últimos tempos, a prática da medicina tem-se focado em centralizar os cuidados no doente e não na doença. Queremos que o tratamento dos nossos doentes seja focado na Dona Maria, e não na doente da cama 35 com cirrose.

E mais, procura-se hoje adotar a decisão médica partilhada, que envolve os dois intervenientes na interação clínica, o médico e o doente, encorajando a sua participação ativa.

Serve isto para explicar que o ser educado em saúde capacita-o para ter controlo, assumir o papel principal, nesta novela intemporal que é a sua saúde, podendo desta forma estar habilitado a tomar decisões, de forma livre e informada, assim como a assumir as responsabilidades sobre elas.

Todo este processo leva o seu tempo e investimento, é verdade. Mas qualquer passo dado com esse propósito torna-se um passo mais próximo do nosso objetivo final.

Por isso, aqui estou e o meu compromisso é que, depois de ler esta rubrica, tenha vontade de gerir a sua saúde e se sinta confortável para esclarecer as suas dúvidas e inquietações.

Assim me despeço. Encontramo-nos na próxima edição!

 

Autora: Adriana Justo Correia é Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

 

 

 

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