A 10 de setembro, celebra-se o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.
Estávamos no ano de 1994, e um rapaz americano, de seu nome Mike Emme, com uns tenros 17 anos de idade, suicidou-se. Foi encontrado no seu carro, um Mustang de 1968, de cor amarela, que o próprio Mike tinha restaurado e pintado.
Esta é apenas uma história – mas foi este o caso que espoletou uma campanha de sensibilização para a prevenção do suicídio, em que se adotou a distinta cor do Mustang de Mike, o amarelo, como símbolo. Por isso é que se trata do Setembro Amarelo – mês da prevenção do suicídio. Esta é apenas uma história, mas uma história que espera mudar muitas outras.
Suicídio. Um termo, um tema ainda quase proibido, tabu. Uma palavra e um conceito que nos assombra, um sinónimo que vai para além de “menos uma vida”. Parece-nos tão pouco natural e igualmente delicado, que quase tememos proferir essa palavra.
Mas não falar, não saber, não é solução. Por isso, faço-vos um apelo especial durante este mês – coloquemos de parte os nossos receios e estigmas, e exploremos em conjunto, sem pudor e com seriedade, tudo o que o suicídio acometa na vida humana.
Comecemos por dissecar o próprio léxico da palavra. Derivada do latim (sui, «de si», caedĕre, «matar»), apercebemo-nos da conotação negativa logo impregnada na palavra, uma vez que a raiz da própria, -cídio, «matar», é também ela aplicada em atos criminosos, como homicídio ou genocídio.
Assim, de forma muito crua e simples, podemos interpretar como é que a cultura ocidental europeia descrevia o suicídio no século XVIII (quando a palavra foi criada) – uma forma de matar. Uma forma de matar e não uma forma de morrer.
A discussão em torno do suicídio centrava-se, então, na sua legitimidade, uma vez que, até à data, era encarado pela sociedade como um ato imoral e condenável, de vergonha para o próprio e familiares.
Foi apenas no ano de 1897 que o suicídio foi então estudado sob outro olhar. O pai da Sociologia, Émile Durkheim, defendeu na sua obra Le Suicide, que o suicídio deveria ser encarado sob uma perspetiva macrossocial – em que as causas da morte estariam associadas a transformações sociais, ou seja, para além de/fora do indivíduo.
Certamente que todos nós já nos deparámos com a morte e pensámos no nosso próprio fim. É uma realidade, uma certeza, que faz parte da vida. Mas o suicídio diverge do curso natural e esperado da vida humana.
A Organização Mundial de Saúde estima que, todos os anos, ocorram 800 mil suicídios – isto significa que, quando terminar de ler este parágrafo, mais uma pessoa decidiu pôr termo à sua vida.
Em Portugal, esta é a segunda causa de morte mais comum entre os jovens (15 e 34 anos), e a taxa é superior à da União Europeia.
É mais frequente nos homens e aumenta proporcionalmente com a idade, salientando que apresentamos a faixa etária de suicídio mais idosa do continente europeu.
Outro aspeto a evidenciar é que, geograficamente, as taxas de suicídio são maiores no sul do país e em meios rurais, nomeadamente no Alentejo.
Por isso, mais do que um mero assunto de conversa ou de um tema de um artigo de jornal, o suicídio deve ser uma questão e uma prioridade na saúde pública de qualquer sociedade, de qualquer país.
Pode ser visto como o fim de uma vida sem sentido, carregada de sofrimento, em que a pessoa se torna prisioneira do seu próprio corpo e mente. Ou seja, não se deve a algo instantâneo, mas sim ao que se acumula, dia após dia.
Torna-se, portanto, fundamental conhecer que determinantes predispõem ou protegem deste fim de história, tendo em conta que cada pessoa é única, assim como as circunstâncias a ela associadas.
Quando abordamos a saúde de um indivíduo, temos de nos distanciar do sintoma, de forma a podermos avaliar a pessoa como “um todo”, contextualizando a sua queixa com fatores biológicos, ambientais e sociais.
Particularmente no suicídio, há que ter em atenção que, para além do sexo masculino, fatores sociodemográficos como o desemprego, a viuvez, o divórcio ou separação, uma educação e nível socioeconómico baixos, ou o isolamento e emigração, estão associados a um maior risco.
No entanto, o grande fator de risco para o suicídio (e onde queria que nos centrássemos também hoje) é a saúde mental. Estima-se que cerca de 90% das pessoas que cometeram suicídio apresentavam algum tipo de perturbação mental, e cerca de 60% estariam deprimidas.
São números gritantes, mas são a realidade. Todos estes fatores são cumulativos e o resultado final pode ser a desesperança, que traduz expectativas negativas, um pessimismo generalizado; para com o próprio, o mundo, para com o futuro. Uma pessoa começa então a questionar o seu papel, a sua existência – “valerá a pena viver?”. Podem começar a surgir ideias recorrentes de autolesão ou a estruturação de um plano de suicídio.
Por cada suicídio consumado, verificam-se 20 tentativas. E, atenção, uma tentativa de suicídio não é uma mera chamada de atenção. É um sinal de alarme, que pede e exige o nosso cuidado e dedicação. Quem sabe, é a oportunidade única de salvarmos uma vida.
Por outro lado, os fatores estudados que se denominam “protetores” são aqueles que proporcionam estabilidade e apoio à pessoa, incluindo: um bom suporte social, com relacionamentos significativos, o casamento, a religião, a integração social no emprego e/ou em atividades de lazer, a gravidez, a ausência de doença mental e sem descurar, o acesso a serviços e cuidados de saúde mental, e este último é essencial.
A verdade é que a saúde mental continua a ser encarada como uma mera figurante no panorama de saúde nacional. Está na hora de todos nós, sociedade, profissionais de saúde e políticos convergirmos na tomada de decisões e apostarmos na prevenção, sensibilização e educação para o que é a saúde mental e o suicídio.
Temos de apostar e investir na promoção da saúde mental, para que não seja necessário tratar uma doença mental. Não viremos mais uma vez as costas, deixemos de ser observadores passivos – temos de enfrentar este assunto de frente e com a seriedade que merece.
A questão já não é só a iliteracia em saúde, mas também a iliteracia emocional. É importante ouvir as pessoas, interpretar as suas emoções e não fugir às perguntas diretas.
Falar ou perguntar sobre suicídio não ofende, não o normaliza. Falar ou perguntar sobre suicídio proporciona a criação de um espaço com a abertura necessária para que a pessoa possa desabafar, verbalizar o que sente ou simplesmente perceber que está a ser ouvida. Quem sabe se uma simples pergunta não será o ponto de luz de que, a pessoa que tem à sua frente, precisa.
Porque, citando o escritor franco-argelino Albert Camus, eterno explorador do “absurdo” da vida: “É preciso ter mais coragem para viver do que para se matar”.
Permitam-me agora esta analogia. Quando uma estrela morre, torna-se num buraco negro. Não deixa simplesmente de existir, mantém, de forma extraordinária, a capacidade de absorver matéria e colidir, tem carga elétrica.
Independentemente da religião de cada um, uma coisa é certa: ninguém desaparece após a morte, continua a existir na memória dos seus familiares, amigos e conhecidos.
É esta a energia, a carga elétrica que uma pessoa nos deixa, em cada um de nós. Enquanto comunidade, enquanto sociedade, é nossa responsabilidade aproveitar e incrementar esta energia, para que possamos viver numa galáxia cheia de estrelas, brilhantes e vivazes, da cor amarela, do Mustang do Mike.
Cuidemos da nossa mente. Cuidemos de nós, cuidemos dos nossos.
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