Janeiro, o mês Branco

Janeiro é o mês Branco, o mês em que a depressão é matéria de conversa

«A depressão é a melancolia desprovida do seu encanto»
Susan Sontag

Esta não é a primeira vez que escrevo sobre este tema ou que utilizo esta citação. Nunca é demais falar sobre algo que nos estremeceu e ainda prevalece.

Não pretendo, com esta crónica, explorar dramas pessoais, mas não descuro a possibilidade de estes se conectarem com a realidade de quem lê. A nossa história pessoal é sempre um espelho, que o diga Annie Erneaux. As palavras, quando ponderadas, têm o condão de transformar o particular em universal, de ressoar além do que é íntimo. E, em certos momentos mágicos, contribuir positivamente para a mudança no Outro.

Janeiro é o mês Branco, o mês em que a depressão é matéria de conversa. Uma realidade que deveria ser mais abordada, sem mácula, sem apontar o dedo a quem os dias acordam nublados e a cama grudada ao corpo.

Olho para dentro e percebo que a depressão surgiu, no meu caso, por diversos motivos: contrariedades da vida, desilusões, medos, ansiedades, conflitos internos, cansaço da mesmice, expetativas goradas, uma pitada disto, um pouco daquilo, uma mistura de tudo, juntando ainda a maravilhosa e inesperada química cerebral (explore as páginas de «Incógnito: Como o inconsciente comanda as nossas vidas», de David Eagleman, para compreender melhor a relação entre as circunstâncias externas e o funcionamento do nosso fabuloso cérebro).

Não é fácil pedir ajuda. Não é fácil perceber que os medicamentos são a alternativa. Lutei muito contra esse caminho, porque o julguei perigoso. Temia não ser mais eu, ganhar peso, ficar disforme, transformar-me numa versão zombie.

Recentemente, li um artigo em que alguém falava que tinha conseguido deixar a medicação (neste caso, ansiolíticos). «Cuidou-se e conseguiu deixar a medicação», era a parangona, quase em jeito de slogan. Esta desinformação afasta muitas pessoas daquela que poderá ser a sua salvação. Importa diferenciar os ansiolíticos dos antidepressivos, contextualizar. A prática de exercício físico, optar por uma alimentação regrada, dormir o suficiente, devem fazer parte do cardápio da existência humana que se quer cuidada, não uma prescrição em caso de necessidade. Ostracizar os psicofármacos contribui mais ainda para aumentar o estigma de quem deles tanto precisa.

A depressão e os estados de ansiedade que me dificultavam o quotidiano fazem parte do passado. Os antidepressivos, continuam. Iniciar o tratamento não foi um processo simples. Não compactuo com positividades tóxicas, um «vai ficar tudo bem»: antes de melhorar, o estado de ansiedade piorou. Foram semanas em que precisei de me agarrar com força às cordas.

Mas quando a medicação começou a atuar, experienciei uma estabilidade como nunca tinha sentido antes, uma desaceleração interna, uma capacidade de discernir o essencial do banal, que ainda hoje se mantém. Há dias em que o sol desperta entre as nuvens, mas sei que ele está lá. A melancolia faz parte da existência. Não nos esqueçamos disso.

Como estaria, se não tivesse encontrado coragem para pedir ajuda, para iniciar a terapia psicofarmacológica? Não sei se permaneceria agarrada à vida. Talvez não fosse notícia, mas haveria quem sentisse a minha ausência.

Como diz José Carlos Barros, no seu «As pessoas invisíveis»: «É sempre sozinhos que nos confrontamos com o nosso próprio destino e o seu novelo espesso. É sempre sozinhos que caminhamos no meio da multidão.» Mas quando temos a ajuda necessária, estar sozinho pode ser uma escolha. Solitude não é solidão, melancolia não é depressão, mas suicídio é morte.

Linhas de Apoio e de Prevenção ao Suicídio em Portugal

SOS Voz Amiga Lisboa
Das 15h30 às 00h30 213 544 545 — 912 802 669 — 963 524 660

Conversa Amiga Inatel
Das 15h às 22h 808 237 327 210 027 159

Vozes Amigas de Esperança de Portugal Voades-Portugal
Das 16h às 22h 222 030 707

Telefone da Amizade Porto
Das 16h às 23h 228 323 535

Voz de Apoio Porto
Das 21h às 24h 225 506 070

SOS Estudante Linha de apoio emocional e prevenção do suicídio
Todos os dias das 20h à 1h (excepto férias escolares) 915246060 (Yorn) — 969554545 (Moche) — 239484020 (Fixo)

Todas estas linhas são de duplo anonimato — garantido tanto a quem liga como a quem atende. Para encaminhamento, a linha do SNS24 (808 24 24 24) é assumida por profissionais de saúde.

 

 

Autora: Analita Alves dos Santos é autora e mentora literária

 

 



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