Assim que chegamos à praia da Luz, em Lagos, para estender a toalha na areia, dar um mergulho no mar ou simplesmente passear, a beleza das suas arribas invade os nossos olhos. Mesmo para quem há muito a frequenta, surge a questão: “Porque é que as rochas nesta praia têm cores tão diversas?”.
Uma questão simples tem uma resposta um pouco complexa, tal como a Geologia desta praia. Aqui, podem observar-se os três principais tipos de rochas: sedimentares, magmáticas e metamórficas.
Temos de recuar até ao período Cretácico (entre os 145 e os 66 milhões de anos) para compreendermos as cores das arribas e da Geologia da praia da Luz. É uma viagem do Aptiano ao Campaniano, períodos geológicos em que se formaram estas rochas.
Nestes tempos, o planeta Terra era muito diferente do atual. Os dinossauros e outros grupos de animais hoje extintos dominavam na terra e, no mar, os répteis marinhos eram os maiores predadores, com os primeiros mamíferos ainda a tentar singrar neste ambiente.
Os continentes encontravam-se um pouco mais próximos, continuando a movimentar-se até às posições atuais. A Península Ibérica era uma ilha à deriva no meio de um oceano que se ia alargando, oceano que deu origem ao atual Oceano Atlântico. Sim, porque os oceanos também nascem, crescem e morrem.
O clima mais quente levou a uma ausência de calotes polares, convidando a um mergulho em águas tropicais que poderiam rondar os 27ºC.
Foi nestas condições que há cerca de 120 milhões de anos se começaram a formar as rochas que hoje observamos nas arribas a este da praia da Luz.
Na base da arriba, riscas horizontais de cores avermelhadas, acinzentadas, esverdeadas e violáceas, dão uma palete diversa a estas camadas. Mas a que se devem estas riscas horizontais multicoloridas?
Estas rochas sedimentares são argilitos e margas, dependendo as suas cores variadas dos diferentes minerais que as constituem. Os minerais de argila que compõem quer os argilitos, quer as margas, têm diferentes quantidades de ferro, alumínio e magnésio, em diferentes estados de oxidação, sendo estas diferenças os fatores que contribuem para distintos padrões coloridos das camadas.
Fragmentos de algas carófitas e de pequenos crustáceos presentes nestas camadas, bem como a composição química destas rochas são indicadoras de um ambiente continental próximo de lagoas de água doce.
Gradualmente, em termos geológicos, o nível da água foi subindo, levando a que a praia da Luz ficasse mais próxima do mar. As rochas que se formavam neste momento tinham uma tonalidade mais monótona, de cor acinzentada e, se olharmos ao pormenor, observamos uma imensa variedade de grãos, de composição, tamanho e cor.
Mas onde é que já vimos algo idêntico? Mesmo por baixo dos nossos pés, quando pisamos a atual areia da praia.
A formação destas rochas sedimentares, há milhões de anos, deu-se num ambiente costeiro bastante semelhante ao do presente. Próximo de uma praia depositaram-se estas camadas de arenitos onde, para além dos vários grãos de areia, é frequente encontrar fragmentos de plantas. Contudo, e devido às condições de temperatura e de falta de oxigénio, muitas delas foram transformadas em carvão.
O nível do mar continuava a subir e as rochas que agora se iam formando já se encontravam submersas, já em meio marinho, embora ainda próximo da costa. Não é de estranhar que, nestas camadas, se encontrem bastantes fósseis, alguns de grandes dimensões, como gastrópodes e ostreídeos.
É precisamente a dissolução e a precipitação do carbonato de cálcio existente nas conchas destes animais marinhos que originam estas rochas sedimentares, os calcários.
De cor esbranquiçada a amarelada, estas rochas acumulam-se no topo da arriba e contrastam com as rochas como os arenitos e argilitos, indicando a passagem de um meio continental para um meio marinho.
No extremo este da praia da Luz, deixamos uma zona de rochas claras e observamos agora uma rocha essencialmente de cor escura, com uma estrutura maciça, que forma uma barreira natural que impede a passagem para a praia de Porto de Mós.
Para contar a história desta rocha escura, temos de avançar cerca de 40 milhões de anos, até ao final do período Cretácico. Durante o Campaniano, há cerca de 72 M.a, existiu uma intensa atividade magmática a nível planetário, que em Portugal originou do Maciço de Monchique (plutão magmático), de Sines e de Sintra (vulcânica).
Devido a esta intensa atividade, uma chaminé vulcânica conduzindo um magma a altas temperaturas que atravessou e cortou as várias rochas sedimentares que já aqui existiam, alterando a sua composição e cor, num processo designado por metamorfismo.
À superfície, o magma arrefeceu rapidamente, originando uma rocha vulcânica. Esta rocha motivou os habitantes locais a que darem-lhe o nome de Rocha Negra ou Ponta das Ferrarias.
Na Rocha Negra, encontramos minerais de grande tamanho de cores escuras, esverdeadas e alguns geodes, que dão pontualmente uma cor clara e um brilho natural a este pontão de cor escura.
Esperamos que tenham gostado desta viagem pelo mundo Cretácico e que, agora, olhem de outra forma para a cor das rochas. São elas, as cores, que por vezes nos contam antigas histórias.
Autores: Renato Godinho e Luís Azevedo Rodrigues (Centro Ciência Viva de Lagos)
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto PaNReD – Património Digital transformado em Recursos Didáticos Digitais, financiado pelo Programa CRESC Algarve 2020, através do Portugal 2020 e do Fundo Social Europeu (FSE).
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