Sobreviverão as empresas do Algarve às alterações climáticas?

Os riscos climáticos diretos ou indiretos podem trazer dificuldades para as empresa

É unânime que as alterações climáticas são um fenómeno cada vez mais visível e presente nas nossas vidas e na vida das empresas, sendo este um problema transversal a todos os setores e não apenas um problema das grandes empresas petrolíferas.

Falar das alterações climáticas, hoje, não é uma conversa sobre algo que ainda está para vir. As alterações climáticas já se encontram muito presentes no nosso dia-a-dia e em todo o mundo.

Os riscos climáticos diretos ou indiretos podem trazer dificuldades para as empresas, desde logo, complicações para estas anteciparem a sua atividade futura.

Por outro lado, os seus ativos podem ficar inutilizados, a sua valorização pode ser penalizada ou até mesmo os custos de financiamento podem sofrer aumentos significativos.

É claro que cada caso é um caso e o ritmo deste impacto das alterações climáticas depende também das economias onde estas empresas se encontram a operar.

Nos últimos anos, as alterações climáticas mudaram a capacidade de criação de valor por parte das empresas no longo-prazo, que tiveram de se adaptar para minorar os efeitos já presentes.

Efeitos como períodos prolongados de secas, intempéries anómalas, cheias ou furacões, tendem a ter impactos negativos na produtividade das empresas, na rentabilidade dos seus ativos, que se tornam improdutivos ou economicamente inviáveis. Ocorrem também aumentos das despesas que as empresas têm de fazer para se protegerem destes riscos associados às alterações climáticas.

No caso do Algarve, do ponto de vista económico, estes riscos climáticos são acrescidos, sobretudo porque é uma região com uma elevada dependência do setor do turismo, que é o principal motor económico da região, e com um tecido empresarial de micro e pequena dimensão.

O efeito mais evidente das alterações climáticas no Algarve é a escassez de água.

A região é amplamente conhecida pelos seus produtos turísticos de sol-praia e golfe. Quem habitualmente fornece estes serviços são empresas ligadas ao setor hoteleiro e empreendimentos turísticos que agregam todo um conjunto de stakeholders, como a restauração e similares, o imobiliário e o comércio local, que direta ou indiretamente participam neste fluxo económico de que a região vive e depende para sobreviver.

A título de curiosidade, as atividades referidas anteriormente, no global, representam cerca de 40% do valor acrescentado bruto e do emprego na região.

Perante este facto, o Algarve possui um ecossistema empresarial altamente exposto aos riscos das alterações climáticas.

Do lado financeiro do problema, o risco climático, a título de exemplo, pode afetar os cash-flows futuros das empresas, que, em vez de aplicarem os seus ganhos em investimentos de longo-prazo ou em I&D para melhorar processos ou criar novos produtos ou serviços, têm de utilizá-los em despesas e estratégias no curto-prazo, para mitigar os efeitos climáticos negativos que já estão presentes na economia da região.

Mas este problema é apenas a ponta do iceberg.

Até porque mesmo os ganhos das empresas para suportar os custos de curto-prazo podem ser comprometidos de igual forma no curto-prazo. É que, recentemente, o Governo decidiu pôr em marcha medidas restritivas ao consumo de água no Sotavento algarvio, onde por exemplo, haverá cortes de 20% (50% no caso de haver alternativas para reutilização de água) no consumo de água dos campos de golfe. É um golpe duro para muitas empresas, sobretudo as do setor do turismo e agricultura.

Não chega, porém, fazer cortes nos consumos de água. Tem de haver um plano estratégico de longo-prazo e ação da parte do Governo, para garantir a sustentabilidade económica e empresarial da região.

De igual modo, as empresas têm de fazer um esforço para se adaptarem a esta nova realidade, pois, segundo um estudo da PwC, o Net Zero Survey Portugal, 60% das empresas inquiridas afirmam não terem um plano de ação climático. É preocupante.

Apesar da amostra do estudo em si ser pequena, esta é relevadora da “não preocupação” das empresas em prevenirem os impactos das alterações climáticas nos seus negócios.

No fundo, é essencial incorporar, desde já, novos planos de ação e mitigação de riscos, bem como de transição climática mais práticos e objetivos, para que o setor empresarial ligado ao turismo na região não perca valor no longo-prazo.

As empresas têm de adotar uma atitude ativa e com um maior grau de dinamismo quanto a esta problemática, pois o problema não recai apenas “no vizinho do lado”.

Do lado do Estado, este deverá ter um papel de promotor de soluções, mobilizando e agilizando o financiamento necessário de forma a que haja uma promoção e incentivos através de diversos instrumentos financeiros públicos e privados, de suporte à transição para a sustentabilidade, nomeadamente para investimentos em soluções sem carbono ou de baixo carbono, ou, no caso do Algarve, investimentos numa ótica de capacitar a região com infraestruturas adequadas para a gestão de água e a sua utilização.

Assim, não basta apenas substituir as palhinhas de plástico por papel, pois medidas deste género apenas têm um efeito de consciencialização, uma vez que não terão grande impacto no ambiente.

Este não é o primeiro, nem será o último artigo de opinião sobre a temática das alterações climáticas, pois, infelizmente, a mensagem tem de ser reavivada constantemente para o bem comum de todos(as).

Se queremos a mudança, temos de ser a mudança!

 

Autor: Ricardo Proença Gonçalves é licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Detém também um Executive Program em Controlo de Gestão e Avaliação de Performance pela Nova SBE. É igualmente membro efetivo da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas e membro do think tank «Thinking Algarve».

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economista

 

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub