Pedro Cabrita Reis fez do Jardim da Alameda uma «floresta de pensamento»

Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, agradeceu toda a disponibilidade do artista e a forte relação que tem tido com o concelho

Pedro Cabrita Reis ainda se recorda daquele «encanto» que sentiu quando viu, pela primeira vez, o mosaico do Deus Oceano, no Museu de Faro. A peça, que o fez sentir «o som da história», acabaria por marcar um «passo muito importante» na obra do artista plástico. E assim nasceu “Neptuno”, uma escultura imponente, que desde esta quarta-feira, 6 de Setembro, tem uma nova casa: o Jardim da Alameda. 

Inaugurada em 2020, a peça estava, desde então, nos claustros do Museu.

Concebida por ocasião da exposição “Quatro Esculturas e um Auto-Retrato”, com obras da Coleção de Serralves e trabalhos inéditos do artista, a escultura acabou por ser deslocada para o renovado Jardim da Alameda. Mas não por acaso.

É lá que se ergue agora esse enleado de ferros das obras – em Cabrita Reis, como ele próprio diz, tudo é muito «telúrico» – que o artista usou para representar o tapete romano do mosaico do Deus Oceano.

A inauguração contou com a presença do autor que havia de explicar ao Sul Informação, já no final, qual é a génese de “Neptuno”. Aquilo que poderia ser apenas uma breve conversa, acabou por se tornar numa reflexão sobre o percurso dos artistas e muito mais, acompanhada por um gin tónico.

«Há artistas que optam por ter uma espécie de obra de assinatura: o que tem vantagens no mercado porque acaba por ser expectável. Eu, ao longo da vida, fui mudando várias coisas», começou por dizer.

É que, defendeu, «um artista tem de ser uma espécie de um barómetro, de um termómetro, da forma como vê e integra o mundo e isso está em permanente mudança».

 

 

 

E o que é que esta reflexão diz sobre esta peça em específico?

«Esta escultura é um pouco de tudo isso e também foge a isso; é uma escultura que representa o começo de uma coisa que não fazia até aqui: olhar para outras obras de arte e produzir a partir delas», responde o artista.

É, por isso, uma obra que marca um «primeiro passo muito importante» no vasto percurso de Cabrita Reis, que já expôs no Museu do Louvre (Paris) ou na Bienal de Veneza.

«Neste caso, foi o mosaico “Oceanus” que, na altura, me transmitiu logo encanto pela sua beleza. Depois, fica-se sempre – não sei se acontece o mesmo contigo – num estado de emoção quando vês uma coisa com milhares de anos que sobreviveu, quando te apercebes de que aquilo esteve numa casa, que houve pessoas a andar em cima daquilo, crianças…», diz o artista.

«Aquilo traz até nós a vida que imagino que se perpetue nas pedras do mosaico. Sentes o som da história, quase que vês as pessoas, e isso tudo inspirou-me, produzindo um estado de encantamento que se reflete na decisão de, a partir daí, fazer uma escultura», acrescenta.

De todo o mosaico, o artista decidiu «isolar um elemento» menos óbvio e usá-lo como mote. Não foi a cara do Deus Oceano, mas, sim, uma «espécie de padrão decorativo».

«É um círculo, com um pentágono no meio, que está repetido. Preferi focar-me num elemento quase anónimo, sem voz, mas que era decorativo e que se repetia, dando uma consistência formal e gráfica a esse mosaico», explica Cabrita Reis.

Toda a escultura é feita de ferro e pintada a branco, escolhas que não foram casuais.

«Hoje, julgamos saber que o “empreendedor” romano que mandou pôr este mosaico em sua casa seria alguém que estaria ligado ao mar. O branco é também a espuma das ondas, além de, para mim, ter aquela coisa interessante que é ser a mistura ótica de todas as cores. O branco não é apenas o branco das espumas das ondas, é também o lugar em que tudo se funde», reflete o artista.

 

 

 

 

Quanto à composição da escultura – toda feita com ferros – vem na onda da obra de Cabrita Reis.

«Eu sempre tive, ao longo da minha vida, um particular interesse em estabelecer pontes com o mundo do trabalho, os trabalhadores, os materiais. Para esta peça, usei um ferro que é de uma humildade extrema: é o que se usa para armar colunas ou pilares», explica.

A localização da peça também não foi escolhida ao acaso.

«Fui eu que escolhi o local! Viemos visitar este jardim, ainda antes de ser requalificado, e fui eu que decidi o sítio. Ali, onde está, tem, atrás, um anfiteatro de árvores muito bonito, um fundo que não está poluído visualmente com casas. Olhas para a peça e, através dela, tens a negrura do escuro das árvores».

Agora, como ele próprio disse durante a inauguração, a escultura «passa a ter o mesmo valor que estas árvores».

«Passa a fazer parte de uma floresta de pensamento».

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

 

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