Cultivo de robalo e dourada podem estar em causa em Portugal e Espanha devido às alterações climáticas

São apontados caminhos que incluem “melhorias na conceção das jaulas”, melhoria dos sistemas de monitorização dos peixes e de previsão meteorológica

Foto: Pablo Arechavala | Fishethogroup

O impacto das alterações climáticas já se sente na aquacultura, mas pode alterar profundamente a produção e o bem-estar de peixe em tanques ou jaulas flutuantes em Portugal e Espanha, apontam os investigadores.

A mais recente publicação da série “Doenças de peixes cultivados em jaulas” (Diseases and Disorders of Finfish in Cage Culture, no original) debruçou-se pela primeira vez sobre a problemática das alterações climáticas e este terceiro livro inclui também um inédito capítulo sobre o bem-estar dos peixes em cativeiro, onde são apontados problemas, mas também algumas soluções.

João Saraiva, um dos autores do capítulo “Bem-estar dos peixes cultivados em jaulas no contexto das alterações climáticas” afirma que “já não se consegue fugir” a este tema e destaca a “enorme” importância da sua inclusão naquela que é uma “pedra basilar” no conhecimento do cultivo de peixes no mar aberto.

“O bem-estar animal é um tópico inescapável tanto por razões éticas, como políticas ou consciencialização pública, mas também porque cada vez mais se sabe que a qualidade do que comemos está diretamente relacionada com a forma como os animais vivem e como são abatidos”, defende o líder do grupo de investigação em etologia e bem-estar animal do CCMAR (Centro de Ciências do Mar) na Universidade do Algarve.

Segundo o biólogo, a indústria “começa a prestar atenção” a esta questão, havendo já “muita evidência” que “se estiverem bem”, à partida, os peixes são “mais resistentes às doenças”, conseguindo “lidar melhor” com os desafios que a aquacultura lhes coloca, como a densidade e quantidade de peixes nos tanques ou o seu manuseamento, por exemplo”.

E é esse bem-estar que pode estar em causa com as alterações climáticas e que, num futuro próximo, pode ter impacto no cultivo de peixes nos tanques de terra (antigas salinas), tradicionalmente usados em Portugal e sul de Espanha. O aumento de temperatura que “já se verifica” e o consequente “abaixamento dos níveis de oxigénio” na água, levam a “um aumento de stress”, à diminuição das “defesas imunitárias” e ao “possível aumento de doenças”, aponta.

Para o especialista, os sistemas de cultivo em jaulas em mar aberto “também irão sofrer consequências”, já que há parâmetros da qualidade e composição da água que “não se conseguem controlar” e que estão (e irão) sofrer alterações. Os fenómenos climáticos extremos de temperatura, tempestades ou furacões, também se vão tornar “mais frequentes” atingindo regiões onde não eram habituais, o que trará desafios à indústria.

“O cultivo de salmões na Noruega é muitas vezes feito em fiordes – por serem zonas muito paradas e calmas – mas tem havido episódios de aumento de temperatura com muita aglomeração de microalgas que consomem oxigénio e dá-se a mortalidades de milhões de indivíduos o que, para além de consequências para a produção, contamina também um ecossistema inteiro”, alerta.

Por cá, a dourada é um dos peixes mais cultivados, crescendo bem em águas ligeiramente “mais quentes”, por isso é colocada “em jaulas na Madeira e nas Canárias”, mas os seus limites de tolerância à temperatura “podem já estar a ser atingidos” ou isso acontecer “num futuro mais ou menos próximo” colocando em causa a sua produção.

No capítulo, escrito em conjunto com dois investigadores das Universidade de Glasgow e de Stirling, na Escócia, são apontados alguns caminhos que incluem “melhorias na conceção das jaulas” – tornando-as mais resistentes e submersíveis -, melhoria dos sistemas de monitorização dos peixes e de previsão meteorológica, para que permitam detetar “mais rapidamente” alterações nos parâmetros e que se façam os necessários ajustes.

Será preciso também modificar os “sistemas de engenharia das jaulas e dos seus materiais” e criar “sistemas móveis” quer para curtas deslocações – levando-as para zonas mais abrigadas – ou mesmo mais longas – deslocando-as para latitudes onde encontrem temperaturas mais favoráveis ou estejam mais salvaguardadas das intempéries.

A seleção artificial de linhagens das espécies mais cultivadas, que sejam mais resistentes ou mais adaptadas às novas condições, é outra das medidas apontadas e muito semelhante ao que se fez durante centenas de anos na pecuária.

A subida da temperatura da água pode mesmo vir a criar condições onde “não seja viável o cultivo” de espécies como o robalo a dourada a médio prazo, e se passem a cultivar “espécies mais adaptadas ao clima que se vai vivendo em cada zona e que já vão surgindo nas águas portuguesas”, conclui.

O livro “Mudanças Climáticas e Saúde dos Peixes” publicado pela organização internacional, intergovernamental e sem fins lucrativos CABI, conta ainda com a contribuição de investigadores portugueses do CCMAR, do IPMA e do CIIMAR sobre “Doenças não infeciosas dos peixes de água quente” e pretende ser um bom texto de referência para workshops ou cursos académicos como os de aquacultura e saúde dos peixes.

 



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