Parque Natural Marinho do Recife do Algarve já tem data para nascer

Proposta, que irá agora para Discussão Pública, acautela compensações aos pescadores por perda de rendimento

Foto: João Rodrigues

O Governo quer ter o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado oficialmente criado em Janeiro de 2024, a mesma altura em que pretende ter já aprovados e prontos a funcionar os mecanismos para compensar os pescadores locais por eventuais perdas de rendimento, devido à criação desta Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário.

A garantia foi dada tanto por João Paulo Catarino, secretário de Estado do Ambiente, como por Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, na sessão de apresentação da proposta de classificação desta área protegida, que teve lugar no Campus das Gambelas da Universidade do Algarve,  em Faro, na segunda-feira, dia 5.

Esta não foi a primeira apresentação da proposta de criação do PNMRA – já tinha sido apresentada em 2021, na sequência de um processo colaborativo inédito em Portugal -, mas foi a derradeira antes de ser submetida ao escrutínio da sociedade em geral.

A proposta foi aprovada ontem em reunião de secretários de Estado, «para depois seguir para discussão pública».

«Depois, o processo seguirá o calendário que foi apresentado, para, até ao final do ano, se tornar uma realidade», revelou aos jornalistas Duarte Cordeiro, à margem da sessão de segunda-feira.

Esta calendarização começa, precisamente, com a Discussão Pública da proposta, que começará já este mês – «10 dias/aviso, mais 20 dias para pronúncia».

Segue-se a apreciação das pronúncias e o relatório de ponderação, que deverá estar concluído em Setembro, e a aprovação, em Conselho de Ministros, da resolução que criará o novo Parque Natural Marinho.

«Em Outubro, queremos assinar os contratos-programa de compensações, para colocarmos o valor no Fundo Ambiental do próximo ano», explicou Duarte Cordeiro.

«Este é um processo que ainda vai ter alguns passos que são exigidos por lei, mas acreditamos que, até ao final do ano, conseguiremos concretizar todos os passos a que a lei obriga, para a classificação ser concretizada», acrescentou.

 

Duarte Cordeiro

 

No início do próximo ano, além da instituição oficial do Parque Natural Marinho, o ministro conta que seja possível atribuir as compensações previstas na proposta, que, na sessão de dia 5, foram elencadas por Jorge Gonçalves, do Centro de Ciência do Mar do Algarve (CCMar), que, com a Fundação Oceano Azul, coordenou todo o processo.

«Os pescadores vão ter direito a uma compensação de eventuais perdas, que não é o pagamento daquilo que eventualmente poderão perder. É um valor que foi convencionado», explicou ao Sul Informação o investigador da Universidade do Algarve.

«E a compensação é dada à partida, o que lhes permite alguma folga e a preparação para a mudança. As pessoas que costumavam pescar naquele local e vão deixar de o poder fazer, têm de acomodar essa diferença de rendimento», acrescentou.

Em causa, estão não só compensações financeiras por perda de rendimento, mas também a possibilidade de abate recompensado, no caso das embarcações em que as perdas sejam muito elevadas.

Jorge Gonçalves acredita que tudo isso «ficou acautelado, não só com as compensações financeiras, mas também com as medidas de valorização. Se tudo correr bem, como nós pretendemos, será possível aumentar o rendimento geral dos pescadores, que é um dos objetivos desta Área Marinha Protegida».

Ao criar o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado, com uma área total de 156 quilómetros quadrados (km2), desde a costa até aos 50 metros de profundidade, frente aos concelhos de Albufeira, Silves e Lagoa, será instituída uma zona de proibição de pesca, com um total de 20 km2.

Destes últimos, 4 km2 serão de exclusão total e os restantes 16 km2 correspondem a áreas de proteção parcial, que irão garantir a preservação do recife com caraterísticas «únicas em Portugal», que se distingue pela sua riquíssima biodiversidade.

Para a pesca local (embarcações até aos 9 metros), está reservada uma área de 50 km2 e, para a pesca geral, uma área de 80,7 km2.

 

 

A valorização do pescado, através da criação «de uma imagem de marca, de certificação, etc.», é uma das formas de conseguir que os pescadores passem a ter mais rendimento, algo que o investigador tem «quase a certeza» de que se conseguirá fazer.

Também há uma medida específica, a pensar na comunidade piscatória de Armação de Pêra, que será discriminada positivamente pelo facto de ter os barcos estacionados na areia.

As medidas de valorização passam ainda por apoios à transição energética das embarcações e melhoria das artes de pesca, o incentivo à criação de núcleos museológicos e centros interpretativos nos municípios e pela requalificação da linha de costa e de infraestruturas de apoio às comunidades piscatórias, «incluindo a requalificação de lotas», entre outras.

«Além disso, pretendemos também que, ao proteger a natureza, ao proteger uma maternidade, isso produza frutos e que haja um aumento de biomassa disponível para os pescadores, para que possam usufruir de maiores rendimentos no futuro ou, no mínimo, mantê-los».

Mais do que aumentar a biomassa disponível, a proteção total da zona de recife da Pedra do Valado, uma maternidade natural sem igual em Portugal, potenciará a que os peixes nas zonas onde a pesca é permitida sejam de maiores dimensões.

«Aliado à certificação, esses peixes maiores, de espécies de grande interesse comercial, vão ser ainda mais valorizados. Não estamos a inventar nada, porque isso já está a acontecer noutros sítios onde se faz este tipo de proteção, nomeadamente aqui ao lado, em Espanha», acredita Jorge Gonçalves.

 

 

Jorge Gonçalves

 

Garantidas as compensações e as medidas de valorização, terá de se garantir «toda a parte de dinâmica da gestão» desta área protegida, que se quer partilhada com um conjunto alargado de agentes, entre os quais associações de pescadores, os municípios e organizações de Ambiente, segundo o ministro Duarte Cordeiro.

A proposta resultou de um inédito processo de participação de mais de 70 entidades públicas e privadas. O projeto foi coordenado pela Fundação Oceano Azul e pelo CCMAR, com o envolvimento da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, dos municípios de Albufeira, Silves e Lagoa e da Junta de Freguesia de Armação de Pêra.

A elaboração do documento apresentado na sessão de segunda-feira partiu de uma consulta alargada aos agentes do setor das pescas e às forças vivas do território confinante e limítrofe da área protegida, num processo participativo e abrangente.

«Efetivamente, o princípio foi sempre começar o processo indo ter com os agentes, com as partes interessadas e com aqueles que eventualmente iriam ter alguns problemas iniciais com a implementação de uma Área Protegida Marinha, que normalmente são as atividades da pesca», disse Jorge Gonçalves.

«Fizemos esse trabalho de baixo para cima, tentando envolver ao máximo todas as entidades, num processo democrático e inclusivo, dando um papel relevante à pesca. E isso foi feito desta forma até ao fim. Não foi tanto quanto o setor da pesca pretendia e eu reconheço isso. Se recomeçasse agora o processo, uma coisa que mudaria era que daria uma atenção especial à pesca desde o início, mais ainda do que aquela que foi dada, porque não foi suficiente», assumiu o investigador do CCMar.

Esta inclusão de múltiplos autores «pode ser a chave do sucesso» de todo este processo, «embora isso dependa não só de nós, mas de vários atores».

«O importante aqui é não deixar ninguém para trás», considerou Jorge Gonçalves, que desafia as associações de pescadores e os profissionais do setor a «apropriarem-se desta área de proteção marinha e tomarem-na como sua, pugnando pela sua sustentabilidade».

 

Fotos: Universidade do Algarve

 

 

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