«Bola está no lado do Governo» quanto à criação do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve

Projeto «muito inovador que, ao ser inclusivo e participativo, tem também uma base científica sólida»

Pescadores de Armação de Pêra – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«A bola agora está do lado do Governo». As palavras são de Jorge Gonçalves, investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve e responsável pelo projeto da primeira Área Protegida Marinha de Interesse Comunitário a ser criada em Portugal, na baía de Armação de Pêra, entre o Farol de Alfanzina e o molhe oeste do porto de Albufeira.

No passado dia 7 de Maio, o dossiê com o projeto completo, resultando de um inédito processo de participação de mais de 70 entidades públicas e privadas, foi apresentado e entregue em mãos a dois ministros, os do Mar e do Ambiente, numa sessão à porta fechada na Universidade do Algarve, em Faro.

O projeto é coordenado pela Fundação Oceano Azul e o pelo CCMAR, com o envolvimento da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, dos municípios de Albufeira, Silves e Lagoa e da Junta de Freguesia de Armação de Pêra,

O processo participativo decorreu ao longo dos últimos dois anos e «contou com o envolvimento ativo de associações da pesca profissional e lúdica, representantes de empresas marítimo-turísticas, administração regional, local e central, centros de investigação científica, federações desportivas, autoridade marítima, agrupamentos de escolas, organizações não-governamentais e associações empresariais».

Foram realizadas seis sessões presenciais, mais de 60 reuniões bilaterais, bem como uma sessão final de apresentação da proposta de zonamento e das bases para o regulamento desta área marinha protegida.

Por isso,  garante Jorge Gonçalves, «nunca nenhuma outra área protegida marinha teve tantos estudos de preparação, nem, sobretudo, tanta participação dos interessados».

«O consenso não é a 100%, nem vai ser, mas chegámos a uma proposta que concilia os vários interesses em jogo», explicou o biólogo marinho ao Sul Informação, no fim de uma sessão de apresentação pública, promovida pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, na passada segunda-feira, no auditório da Junta de Freguesia de Armação de Pêra.

 

 

«Agora é a altura de o Governo analisar o projeto e ver por onde quer ir», acrescentou o investigador. Ou seja, agora é a hora da decisão final que há-de levar, tão cedo quanto possível, à criação do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado.

Mas porquê preservar e defender esta zona costeira? Porque, na baía de Armação de Pêra, existe um «tesouro submerso», «o maior recife rochoso costeiro do Algarve, um ecossistema ímpar no continente português, que beneficia de condições naturais que favorecem uma biodiversidade marinha e produtividade únicas».

Na sessão em Armação de Pêra, Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, disse mesmo que se trata da «Maternidade Alfredo da Costa dos peixes da costa algarvia».

E, de facto, nesta área de 156 quilómetros quadrados, que se estende desde a costa até aos 50 metros de profundidade, há de tudo: pradarias de ervas marinhas, jardins de gorgónias, florestas de algas castanhas, coloridas algas calcárias, e, sobretudo, entre as 900 espécies ali catalogadas ao longo de anos de investigação científica, 45 novos registos para Portugal e e 12 espécies novas para a ciência, ou seja, nunca antes descobertas. Jorge Gonçalves salientou que as espécies simbólicas são o mero e o cavalo-marinho, mas as mais importantes para os pescadores são o polvo, o choco, o robalo, o sargo e o salmonete ou até os cardumes de sardinhas.

As comunidades piscatórias dos concelhos de Silves, Lagoa e Albufeira (diretamente envolvidos na proposta de Área Marinha Protegida), mas também as de Portimão e de Quarteira, há muitos séculos que conhecem e exploram a riqueza da zona, onde se situam alguns dos mais importantes pesqueiros. Nas últimas décadas, também as empresas marítimo-turísticas, com os seus passeios para observar golfinhos ou o rendilhado da costa, assim como o mergulho e a pesca recreativa descobriram a zona.

Só que práticas como o arrasto, a sobrepesca, combinadas com o excesso de embarcações a navegar causando ruído e a poluição vinda de terra estavam a pôr em risco a sobrevivência deste recife natural e, com isso, das próprias comunidades de pescadores.

 

Pescadores de Armação de Pêra – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

«A comunidade piscatória conhece perfeitamente a zona, sabe a riqueza que ela tem e o que tem sido o deteriorar da sua riqueza, ao longo dos anos, devido ao esforço de pesca, sobretudo por causa do arrasto», salientou Manuel João, presidente da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, entidade que participa no processo desde o início.

Para Ricardo Pinto, presidente da Junta de Freguesia, o projeto «tem todas as condições para dar um novo fulgor a esta comunidade», nomeadamente, para «melhorar as condições de trabalho dos pescadores e das embarcações marítimo-turísticas».

Por seu lado, Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas, defendeu que este é «um projeto que é feito a bem de todos: da comunidade piscatória, do conhecimento científico e da preservação dos recursos». E «só terá sucesso se for feito com todos estes atores», através de uma «solução construída a contento de todos».

A proposta está pronta e foi entregue aos ministros que têm nas mãos a capacidade de criar o Parque Marinho. Mas há questões a ter em conta, se se quiser que a iniciativa tenha efeitos positivos.

É que a criação de uma área protegida marinha acarreta regras mais rígidas, muitas restrições. Dos 156,4 quilómetros quadrados de área total proposta, 4 km² deverão ser de proteção total, onde nem sequer os investigadores poderão ir, a não ser para monitorizar. E mais cerca de 16 km² serão de proteção parcial, também de acesso muito restrito.

No lado de dentro desta faixa mais restrita, haverá 55,4 km² destinados apenas à pesca local, ou seja, aos pescadores artesanais de Armação de Pêra. Fora da faixa de maior restrição, haverá ainda 80,5 km² de Área de Pesca Geral, onde poderão operar as embarcações de pesca costeira, vindas de outros locais, como Albufeira, Quarteira, Ferragudo ou Portimão.

A questão é que, ao contrário de áreas marinhas protegidas criadas em outros pontos do planeta, em locais remotos no meio dos oceanos, esta vai situar-se numa zona há milénios explorada pelos seus recursos naturais, com comunidades inteiras a dependerem disso. Daí a opção pela criação de Área Protegida Marinha de Interesse Comunitário, ou seja, que envolve, na sua génese e depois na sua gestão, toda a comunidade.

Por isso, para compensar o setor da pesca que será afetado pelas restrições, a proposta entregue ao Governo prevê também «medidas compensatórias», que poderão passar até pelo apoio à reconversão das embarcações de pesca costeira para local, de modo a poder operar com menos restrições.

 

Jorge Gonçalves, do CCMAR – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

«Há duas associações de pesca [uma delas é a Quarpesca, de Quarteira] que não aceitam este projeto. Mas já disseram que, se houver as devidas compensações, até podem aceitar», esclareceu Jorge Gonçalves, na sessão em Armação de Pêra. Aliás, acrescentou, «nenhuma associação de pescadores passou um cheque em branco, mesmo as que participaram ativamente no processo. Todas defendem que terá de haver compensações».

Manuel João, presidente da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, já tinha defendido que «é preciso que, com a aprovação da AMPIC, os pescadores não fiquem prejudicados. Há aqui um período de tempo em que os pescadores ficarão limitados nos seus rendimentos e, por isso, terá de haver contrapartidas para que os nossos rendimentos não desçam mais».

«Aguardamos com uma expectativa enorme que se passe das boas intenções à prática e que este projeto possa ter efeitos positivos na comunidade», na certeza de que «as compensações são fundamentais para o êxito do processo», frisou, por seu lado, o autarca Ricardo Pinto.

E de onde virá o financiamento, quer para a gestão da futura Área Marinha Protegida, quer para a sua monitorização, quer ainda para as compensações a atribuir aos pescadores? Terá de vir de fundos comunitários, como o que há-de substituir o Mar2020, alinhado com as políticas europeias para a sustentabilidade e as pescas. É aqui que entra em ação a administração central e o Governo.

A gestora do programa Mar2020, presente na sessão, anunciou que já está a ser preparada a nova geração de fundos, «o Portugal2030 e o Mar 2030, onde poderão ter lugar as compensações necessárias».

«Ainda é preciso limar algumas arestas, mas este tipo de processos constrói-se assim», resumiu Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, o concelho em cujo território marítimo se situa a maioria da futura área protegida e que, desde a primeira hora, se associou ao projeto.

No futuro, que todos esperam que seja muito próximo, quando o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve avançar, há que garantir também que a sua gestão continuará a envolver as várias entidades, públicas e privadas, com interesses na zona, tal como no processo participativo de definição da proposta.

Bárbara Horta e Costa, da Fundação Oceano Azul, defendeu que a AMPIC «pode e deve ser um exemplo de área protegida marinha não só em Portugal, como até a nível mundial». Mas, para tal, «tem de ser bem gerida»…e isso passa pela co-gestão. Em terra, estão a avançar os processos de co-gestão de áreas protegidas, mas os responsáveis por este projeto no mar avisaram que o enquadramento atual não se adapta ao caso específico das áreas marinhas. Será mais uma questão a resolver.

«Estas coisas nunca são estáticas, é sempre um processo dinâmico», concluiu Jorge Gonçalves.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 



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