VRSA: Conta da água do Complexo Desportivo baixa de 20 mil para 500 euros/mês

Uma auditoria interna, ordenada pelo atual executivo municipal liderado por Álvaro Araújo, está a descobrir factos «excêntricos» em relação às finanças do município

Álvaro Araújo, presidente da Câmara de VRSA – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

Álvaro Araújo, presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (VRSA), em entrevista ao Sul Informação, analisa a difícil situação financeira que encontrou na autarquia, quando tomou posse em Novembro passado. Uma auditoria às contas da Câmara desde 2004 está a revelar situações de deficiente gestão dos recursos.

Esta é a segunda parte da extensa entrevista de fundo que o autarca socialista deu ao nosso jornal, a primeira desde que foi eleito nas Autárquicas do ano passado.

 

Sul Informação – Já está na Câmara há cerca de nove meses. A Câmara de VRSA tem muitos problemas, como a maior dívida per capita do país. Como encontrou e como está neste momento a situação financeira da Câmara?

Álvaro Araújo – Nós encontrámos a Câmara com um passivo de 182 milhões de euros, que equivale a uma dívida de 160 milhões. Encontrámos a Câmara numa situção muito difícil, supervisionada pelo FAM, impedindo-nos de fazer investimentos. Se quisermos apoiar um clube, não podemos, estamos impedidos pelo FAM. Estamos muito limitados na nossa ação. Não tem sido fácil.

SI – Mas encontrou alguma surpresa, algo de que não estava à espera?

AA – Encontrámos algumas surpresas. por exemplo, tivemos de gastar um milhão de euros para pagar a indemnização – equivale a ordenados, Caixa Geral de Aposentações e indemnização em si – a um funcionário que foi despedido e que o tribunal veio dizer que foi despedido injustamente.
Todas as instâncias deram razão ao funcionário e a Câmara, ao longo destes 16 anos, foi sempre recorrendo e foi sempre perdendo.
Agora deram um prazo para que Município integre o trabalhador e lhe pague todos os montantes que estão em causa. E estamos a falar de 1 milhão de euros, uma verba que a Câmara não tinha e que teve de arranjar maneira de ter, porque era ordem do Tribunal. É apenas um exemplo das dificuldades que temos tido.

SI – Em termos de receitas da Câmara, como estão a correr as coisas?

AA – Temos melhorado, porque havia muita receita que não era arrecadada quer em termos de pagamentos de rendas, de ocupação de espaço público, de faturas de água ainda do tempo em que as águas eram da responsabilidade do Município. Estamos a falar de à volta de dois milhões de euros de faturas que prescreveram e que tivemos de declará-las prescritas para não estarem a pesar no nosso orçamento.
Todos temos de compreender que essa questão vai ter que deixar de existir, que vamos ter de cobrar rendas, ocupação do espaço público e com retroativos.
Mas fossem todos os problemas como o da receita, estaríamos muito bem, porque, em termos de receita, dá perfeitamente para vivermos. O problema é o passivo que temos.

SI – Para saber como está a situação da Câmara, este executivo mandou fazer uma auditoria interna. Em que ponto está essa auditoria?

AA – Quando a equipa que está a gerir o Município se candidatou, fê-lo com um compromisso: o de fazer o levantamento de tudo o que foi gasto ao longo dos últimos anos.
Os senhores vereadores do PSD, desde o princípio, que nos pedem a relação das prestações de serviço que contratámos desde que cá chegámos. Como sabe, os serviços públicos estão obrigados a publicar tudo na BASE.Gov, mas os senhores vereadores pediram que entregássemos uma relação. Eu disse “muito bem”, mas pedi aos serviços uma lista de prestação de serviços, só que desde 2004 até hoje.
Apesar de não ser isso que os senhores vereadores da oposição querem, eu disse-lhes: «não só vos vou dar os dados da nossa gestão, como vou dar os dados da vossa gestão».
Na última reunião, levei-lhes um documento em que o Partido Socialista pedia o mesmo, em 2016. E a resposta do executivo do PSD de então tinha sido: isso está tudo na BASE.Gov. Ora, o que serviu em 2016 já não serve agora, ainda por cima os atores são os mesmos…
Aquilo que não deram em 2016 aos vereadores do PS, nós agora vamos dar a todos.
Porque há aqui uma nota importante: todos os assuntos que vão à reunião de Câmara vão também por email para todos os membros da Assembleia Municipal e para todos os cabeças de lista das forças que se candidataram nas últimas Autárquicas. O CDS teve um candidato? Recebe os elementos, mesmo que não tenha eleitos. E aqui foram oito partidos…todos recebem a informação para saberem e poderem dar a sua opinião.

 

Álvaro Araújo, presidente da Câmara de VRSA – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 

SI – Mas em que consiste essa auditoria?

AA – Na Auditoria, o que estamos a fazer é ver onde o dinheiro estava a ser gasto.
Por exemplo, consumos de água: não imaginam a quantidade de contadores de água que estavam espalhados pelo concelho e que ninguém sabe a quem pertencem e que é o Município que paga…Estamos a auditar isso tudo e a mandar desligá-los todos.
O Complexo Desportivo tinha um contador doméstico para fazer a rega e pagávamos por mês 20 mil euros…Isso interessa a quem? É só pensar… As águas são privadas, está a gastar água de rega como se fosse doméstica, pagando taxa de esgotos, etc, tudo aquilo que se tem de pagar numa fatura normal. De 20 mil, 9 mil euros é água, 11 mil são de outras coisas.
Temos furos no complexo desportivo, para ajudar a baixar o consumo de água na rega, que estavam desligados. Nós, desde que chegámos, pusemos aquele sistema a funcionar e, neste momento, temos um consumo à volta de 500 euros, por mês, de água, no Complexo Desportivo. Vejam a diferença… E isto é apenas um pormenor.
É este trabalho que estamos a fazer, vamos revisitando os contratos do passado e temo-nos deparado com algumas situações que, de uma forma simpática, eu apelidarei de excêntricas. Qualquer dia vamos fazer chegar à população um relatório sobre aquilo que encontrámos.

SI – Do que é que essa Auditoria anda à procura?

AA – Não andamos à procura de nada de especial, nem é esse o objetivo. O objetivo é fazer com que a despesa corrente do Município baixe drasticamente e a receita aumente.
Vamos cobrar as rendas, baixíssimas, de 6, 7 euros por mês, e que não são cobradas há anos.
Outro dia estiveram aqui duas jovenzitas que queriam ficar com a casa da avó e até reúnem condições para tal, segundo o regulamento, que diz que, quando falece a pessoa que lá vivia e estão lá familiares há mais de três anos, estes têm direito a ficar com a casa. Só que têm uma dívida de 25 mil euros, isto é, nunca pagaram renda… E eu disse às jovens, ambas a trabalhar: não tenho problema nenhum em que vocês fiquem com a casa, agora têm é de pagar a dívida, têm de fazer um plano de pagamento.
Aqui não é a minha casa, estou a gerir uma casa que é de todos. Disse-lhes: a vossa avó tinha uma renda baixa, nem essa pagou, nem ninguém lha exigiu?

SI – Mas essas medidas não devem ser muito populares…

AA – É uma medida popular? Com certeza que não é! Dizer a um empresário que tem de pagar a utilização do espaço público, que nunca pagou? Tem uma esplanada? Tem de pagar! Não é justo que pague? É claro que seria muito mais simpático dizer, olhe, não pague, aquela pessoa ficaria eternamente grata.
Depois exigem-nos outro tipo de animação, etc…mas, se não colaboram, como o podemos fazer?
O que é mau é termos os Serviços de Ação Social a trabalhar num local sem condições, ter a CPCJ numa escola primária antiga, com infiltrações, e termos um edifício do Município, com dignidade, que está entregue a uma empresa, que o explora sem pagar absolutamente nada.
Claro que a empresa não ficou satisfeita quando soube que vai ter de abandonar, até ao final do ano, aquelas instalações. Trata-se de um espaço nas traseiras da Biblioteca, entregue a uma empresa que promove atividades de tempos livres, pagas, para as crianças. Informámos o empresário que vai ter que nos entregar o espaço.
Porque nós temos necessidade de realojar os nossos Serviços de Ação Social, ou a Sub Divisão da Saúde, que está nas instalações dos Bombeiros, o que não faz sentido. A CPCJ também precisa de espaço com dignidade, além de que vamos acolher as competências da Ação Social até ao final do ano, e também temos de ter um local para esses funcionários.
Também há uma associação que já foi informada que terá de abandonar o espaço, porque precisamos dele para colocar lá um género de um supermercado social.
Este trabalho não é simpático, mas temos de o fazer!

 

Antiga alfândega de VRSA – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 

SI – E que outras situações já foram postas a descoberto pela auditoria?

AA – Outra coisa que está em cima da mesa e toda a gente sabe, não querem é ouvir-nos: tem a ver com o primeiro edifício da construção da cidade pombalina, o edifício da antiga Alfândega. Quando nós chegámos, aquele edifício estava entregue à empresa que ficou com o Hotel Guadiana.
Nós fomos visitar aquelas instalações. Sabe o que encontrámos lá? Sacos de batatas, colchões, enfim, aquilo era um armazém. Um sítio daqueles que foi requalificado com dinheiros públicos…eu fiquei chocado!
Um edifício como aquele tem de estar ao serviço de Vila Real de Santo António! Não pode estar com sacos de batatas lá dentro, com todo o respeito que tenho pelos acordos assinados e que não estão a ser cumpridos.
Quando se fez as obras naquele edifício da antiga Alfândega, estava pensado fazer ali a casa da Assembleia Municipal, mas não passou da ideia.
No mínimo, temos de colocar aquela estrutura ao serviço do Município e da população. Tem um potencial enorme!
No caso do edifício da antiga Alfândega, fomos ver o acordo que existia para aquilo. O que previa? Está a ser cumprido ou não está? Não está!

SI – Também tem havido queixas por causa do estacionamento pago na cidade, não só dos moradores, como dos comerciantes. É para continuar?

AA – Queremos acabar com o estacionamento tarifado em Vila Real de Santo António, era uma promessa da nossa candidatura. Já temos trabalho feito nesse sentido. Estamos certos de que vamos conseguir, porque isso seria uma grande vitória para este Município.
Quando há estabelecimento tarifado é para regular o estacionamento nas cidades. Aqui não: era só para cobrar, era para haver lucro. Mas para quem? Para o Município? Fica a pergunta no ar.
Aqui na cidade, na zona histórica, na frente ribeirinha, com certeza que as ruas têm que ter estacionamento pago, mas pode ser com outros horários. Depois das 19h00 faz algum sentido ter de pagar? As pessoas querem vir aos restaurantes, desfrutar do rio, da zona histórica, e estão preocupadas porque têm de pagar até à meia noite?
Em Vila Real, em qualquer sítio da cidade, há estacionamento pago, inclusive na zona do Mercado Municipal. Mas se for ao Continente ou Intermarché é gratuito. As pessoas vão onde?
Faz sentido haver parque de estacionamento pago na frente de mar de Monte Gordo. Acho que faz! Mas àqueles preços? Porque é que não há um preço semanal ou mensal, para quem quiser lá estar descansado?
Temos que rentabilizar, mas a favor do município.
Outro exemplo, Cacela Velha: tem lá um enorme parque de estacionamento. Porque não colocar aquele parque como tarifado? Isso até ajudaria a regular o número de pessoas que vão para ali. Estamos a falar de uma zona no Parque Natural da Ria Formosa. Devia ter um contador e só x número de pessoas é que poderia passar para aquelas praias diariamente.
O estacionamento tarifado vai condicionar quem para lá vai. Nós temos de ter esse cuidado, mas não estamos a ter!
A auditoria também deu para descobrir essas coisinhas.

SI – Quando é que a auditoria estará pronta?

AA – Em breve vai sair o relatório. O que estamos a fazer é uma auditoria séria e é isso que vamos mostrar às pessoas.
Não andámos a procurar nada ilegal, não! Vimos o que existe.

 

Leia aqui a primeira parte da entrevista com o presidente da Câmara Álvaro Araújo

 

 



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